Desenvolver uma “diplomacia da cultura” «no contexto do perigoso atual conflito global aos pedaços», dando continuidade ao «trabalho de investigação» para que a «civilização do encontro» prevaleça sobre a «incivilidade do conflito»: eis a mensagem que o Papa confiou aos participantes na sessão plenária do Pontifício comité de ciências históricas, recebidos em audiência na manhã de 20 de abril, na Sala do Consistório. Eis o texto do discurso pronunciado por Francisco, recordando o 70º aniversário da instituição e o 70º volume da Coletânea «Atas e Documentos».
Prezados irmãos e irmãs,
bom dia e bem-vindos!
É com alegria que vos dou as boas-vindas por ocasião da vossa sessão plenária, em cujo âmbito celebrais o 70º aniversário da instituição do Pontifício Comité.
Saúdo o Presidente, Padre Marek Inglot, e saúdo cada um de vós, grato pelo vosso encontro e serviço. Vindes de diferentes países de três continentes, cada qual com a sua valiosa e especial experiência. Assim, assegurais a dimensão internacional e o caráter multidisciplinar do Comité, cujas atividades de investigação, conferências e publicações se inserem numa frutuosa e propositiva dinâmica multicultural. A bela Coletânea «Atas e Documentos», dirigida pelo Secretário do Pontifício Comité, celebra também este ano a publicação do seu 70º volume.
Isto testemunha um empenhamento na busca da verdade histórica em escala mundial, num espírito de diálogo com diferentes sensibilidades historiográficas e múltiplas tradições de estudos. É bom que colaboreis com outros, dilatando as vossas relações científicas e humanas, e evitando formas de fechamento mental e institucional. Encorajo-vos a manter esta abordagem enriquecedora de escuta constante e atenta, livre de qualquer ideologia — as ideologias matam — e respeitadora da verdade. Reitero o que vos disse por ocasião do vosso 60º aniversário: «No encontro e colaboração com investigadores de todas as culturas e religiões, podeis oferecer uma contribuição específica para o diálogo entre a Igreja e o mundo contemporâneo» (Discurso, 12 de abril de 2014).
Este estilo ajuda a desenvolver aquilo a que eu chamaria “diplomacia cultural”. É muito atual, e ainda mais necessário hoje, no contexto do perigoso atual conflito global aos pedaços, ao qual não podemos assistir inertes. Convido-vos, pois, a dar continuidade ao trabalho de investigação histórica, abrindo horizontes de diálogo, onde levar a luz da esperança do Evangelho, a esperança que não desilude (cf. Rm 5, 5).
Gosto de pensar na relação entre a Igreja e os historiadores em termos de proximidade. Sim, existe uma relação vital entre a Igreja e a história. Sobre este aspeto, São Paulo vi desenvolveu uma reflexão intensa, vislumbrando o ponto de encontro privilegiado entre a Igreja e os historiadores na comum busca da verdade e no comum serviço à verdade. Busca e serviço. Eis as palavras que dirigiu aos historiadores, em 1967: «Eis, talvez, o principal ponto de encontro entre vós e nós [...], entre a verdade religiosa de que a Igreja é depositária e a verdade histórica, de que vós sois os bons e devotos servidores: todo o edifício do cristianismo, da sua doutrina, da sua moral e do seu culto, assenta, em última análise, no testemunho. Os Apóstolos de Cristo deram testemunho do que viram e ouviram. [...] Isto demonstra até que ponto um organismo de natureza espiritual e religiosa como a Igreja católica está interessado na busca e na afirmação da verdade histórica [...] Também ela tem uma história, e para ela o caráter histórico das suas origens tem uma importância decisiva» (Discurso aos participantes na Assembleia geral do Comité internacional de ciências históricas, 3 de junho de 1967).
A Igreja caminha na história, ao lado das mulheres e homens de todos os tempos, sem pertencer a uma cultura em particular, mas quer vivificar com o testemunho manso e corajoso do Evangelho o coração de todas as culturas, para construir em conjunto a civilização do encontro. Ao contrário, as tentações da autorreferencialidade individualista e da afirmação ideológica do próprio ponto de vista alimentam a incivilidade do conflito. A civilização do encontro e a incivilidade do conflito. É bom que vós, setenta anos depois do nascimento, deis testemunho de resistência a tais tentações, vivendo com paixão, através dos estudos, a experiência regeneradora do serviço à unidade complexa e harmoniosa que o Espírito Santo nos mostra no Pentecostes.
Há sessenta anos, naquele acontecimento abençoado pelo Espírito que foi o Concílio Vaticano ii , São Paulo vi pronunciou palavras que ressoam como admoestação contra qualquer lisonja de complacente autorreferencialidade eclesial, da qual proteger o vosso serviço: «Que ninguém [...] pense que a Igreja [...] se detém sobre si mesma para se comprazer consigo própria esquecendo tanto Cristo, de quem recebe tudo, a quem deve tudo, como a família humana, para cujo serviço nasceu. A Igreja está no meio, entre Cristo e a comunidade humana, não fechada em si mesma, não como véu opaco que ofusca a vista, não como fim em si mesma mas, pelo contrário, esforçando-se constantemente por ser toda de Cristo, em Cristo, para Cristo, por ser inteiramente dos homens, entre os homens, para os homens, intermediária verdadeiramente humilde e excelente entre o Divino Salvador e a humanidade» (Discurso de inauguração da terceira sessão do Concílio Ecuménico Vaticano ii , 14 de setembro de 1964, 17).
No vosso 70º aniversário, desejo que conformeis a vossa obra com estas palavras: que os estudos históricos vos tornem mestres em humanidade e servos da humanidade. A vós e aos vossos entes queridos, concedo de coração a minha bênção, pedindo-vos, por favor, que oreis por mim. Obrigado!