· Cidade do Vaticano ·

A Ue e o aborto

A Ue e o aborto

18 abril 2024

Odia 11 de abril foi triste para a Europa e para as suas instituições. Sancionar que o aborto, ou seja, a morte deliberada do mais indefeso dos seres humanos — por favor, que ninguém lhe chame “apêndice” ou “pedacinho de carne” — chegue a transformar-se num direito fundamental, diz muito sobre a deriva ética em curso. Ainda na segunda-feira passada foi publicada uma declaração do Dicastério para a doutrina da fé, aprovada pelo Papa Francisco, relativa à “dignidade infinita” de cada ser humano e um elenco não exaustivo de violações a que esta dignidade está submetida hoje. Entre tais violações conta-se o aborto.

«É preciso, mais do que nunca, ter a coragem de encarar a verdade, lê-se no documento, que retoma passagens do recente magistério, e de chamar as coisas pelo seu nome, sem ceder a compromissos de comodidade ou à tentação do autoengano... o aborto procurado é o assassínio deliberado e direto, seja qual for o modo da sua atuação, de um ser humano na fase inicial da sua existência, compreendida entre a conceção e o nascimento. Os nascituros são assim os mais indefesos e inocentes de todos, aos quais hoje se quer negar a dignidade humana para poder fazer deles o que se quer, tirando deles a vida e promovendo legislações de modo que ninguém o possa impedir. Deve-se, portanto, afirmar com toda força e clareza, também no nosso tempo, que esta defesa da vida nascente é intimamente ligada à defesa de qualquer direito humano. Supõe a convicção de que um ser humano é sempre sagrado e inviolável, em qualquer situação e em toda a fase do seu desenvolvimento».

Sabe-se que a decisão do Parlamento, para entrar em vigor, requer a ratificação unânime dos 27 países que compõem a União europeia, e a unanimidade neste campo dificilmente será alcançável. Contudo, permanece o sinal: uma Europa silenciosa e cansada, incapaz de pensar com uma só voz em iniciativas diplomáticas para impedir a guerra em curso e o abismo para o qual o mundo caminha a um ritmo cada vez mais rápido; uma Europa incapaz de assumir comunitariamente o drama dos migrantes e a necessidade de os socorrer, impedindo que o Mediterrâneo continue a ser um cemitério, mostrou que uma das suas prioridades consiste em consagrar como direito fundamental europeu uma possibilidade que, de resto, a maioria dos Estados-membros da Ue já permite nas respetivas legislações, nomeadamente o assassinato de mulheres e homens na fase inicial da sua existência.

Sempre no dia 11, enquanto o Parlamento europeu se preparava para votar sobre o aborto, o Papa, na audiência à plenária da Pontifícia Academia das Ciências Sociais, falou da atual cultura do descarte, que se torna uma cultura de morte que atinge os mais frágeis: «Cada ser humano tem direito a uma vida digna e a desenvolver-se plenamente, “mesmo que tenha um desempenho insuficiente, mesmo que tenha nascido ou crescido com limitações; com efeito, isso não diminui a sua imensa dignidade como pessoa humana, que não se baseia nas circunstâncias, mas sim no valor do seu ser. Quando este princípio elementar não é salvaguardado, não há futuro para a fraternidade, nem para a sobrevivência da humanidade” (Fratelli tutti, n. 107)».

Andrea Tornielli