· Cidade do Vaticano ·

«Dignitas infinita»: o documento do Dicastério para a doutrina da fé

Eis o elenco das “graves violações” da dignidade humana

 Eis o elenco das “graves violações” da dignidade humana  POR-015
11 abril 2024

Três capítulos oferecem os fundamentos para as afirmações contidas no quarto, dedicado a “algumas graves violações da dignidade humana”: é a declaração Dignitas infinita, do Dicastério para a doutrina da fé, um documento que faz memória dos 75 anos da Declaração universal dos direitos do homem e reafirma «a imprescindibilidade do conceito de dignidade da pessoa humana no âmbito da antropologia cristã» (Introdução). A principal novidade do documento, fruto de um trabalho que durou cinco anos, é a inclusão de alguns temas principais do recente magistério pontifício que acompanham aqueles bioéticos. No elenco “não exaustivo” que é oferecido, entre as violações da dignidade humana, ao lado do aborto, da eutanásia e da maternidade sub-rogada, aparecem a guerra, o drama da pobreza e dos migrantes, o tráfico de seres humanos. O novo texto contribui assim para superar a dicotomia existente entre quem se concentra de modo exclusivo na defesa da vida do nascituro ou do moribundo, esquecendo muitos outros atentados contra a dignidade humana e, vice-versa, quem se concentra somente na defesa dos pobres e dos migrantes, esquecendo que a vida deve ser defendida desde a conceção até à sua natural conclusão.

Princípios fundamentais

Nas primeiras três partes da declaração, são evocados os princípios fundamentais. «A Igreja, à luz da Revelação, reafirma de modo absoluto» a «dignidade ontológica da pessoa humana, criada à imagem e semelhança de Deus e redimida em Cristo Jesus» (1). Uma «dignidade inalienável» que corresponde «à natureza humana, para além de qualquer mudança cultural (6) e é «um dom recebido» e, portanto, está presente «por exemplo, em uma criança ainda não nascida, em uma pessoa em estado de inconsciência, em um idoso em agonia» (9). «A Igreja proclama a igual dignidade de todos os seres humanos, independentemente da sua condição de vida ou das suas qualidades» (17) e fá-lo com base na revelação bíblica: mulheres e homens são criados à imagem de Deus; Cristo, encarnando-se, «confirmou a dignidade do corpo e da alma» (19) e, ressuscitando, revelou-nos que «o aspeto mais sublime da dignidade do homem consiste na sua vocação à comunhão com Deus» (20).

Dignidade de cada pessoa

O documento evidencia o equívoco representado pela posição daqueles que à expressão “dignidade humana” preferem “dignidade pessoal”, «porque entendem como pessoa somente “um ser capaz de raciocinar”». Consequentemente, afirmam que «não teria dignidade pessoal a criança ainda não nascida, nem o idoso não autossuficiente, nem o portador de deficiência mental. A Igreja, ao contrário, insiste que a dignidade de cada pessoa humana, porque é intrínseca, permanece para além de toda a circunstância» (24). Além disso, afirma-se, «o conceito de dignidade humana foi às vezes usado de modo abusivo também para justificar uma multiplicação arbitrária de novos direitos... como se fosse devido garantir a expressão e a realização de toda a preferência individual ou desejo subjetivo» (25).

Elenco das violações

A declaração apresenta então o elenco de “algumas graves violações da dignidade humana”, ou seja, «tudo aquilo que é contrário à vida mesma, como toda a espécie de homicídio, o genocídio, o aborto, a eutanásia e o suicídio voluntário»; mas também tudo aquilo que viola a integridade da pessoa humana, como as mutilações, as torturas infligidas ao corpo e à mente, as constrições psicológicas». Enfim, «tudo aquilo que ofende a dignidade humana, como as condições de vida sub-humana, os encarceramentos arbitrários, as deportações, a escravidão, a prostituição, o comércio de mulheres e de jovens, ou ainda as ignominiosas condições de trabalho com as quais os trabalhadores são tratados como simples instrumentos de lucro e não como pessoas livres e responsáveis». Cita-se também a pena de morte, que «viola a dignidade inalienável de toda a pessoa humana, para além de toda a circunstância» (34).

Pobreza, guerra
e tráfico de pessoas

Antes de tudo, fala-se do «drama da pobreza», «uma das maiores injustiças do mundo contemporâneo» (36). Depois está a guerra, «tragédia que nega a dignidade humana» e «é sempre uma “derrota da humanidade”» (38), a ponto de hoje ser «muito difícil sustentar os critérios racionais maturados em outros séculos para falar de uma possível “guerra justa”» (39). Prossegue-se com o “sofrimento dos migrantes”, cuja «vida é colocada em risco porque não têm mais os meios para formar uma família, para trabalhar ou para nutrir-se» (40). O documento detém-se depois no “tráfico de pessoas”, que assume «dimensões trágicas» e é definida como «uma atividade indigna, uma vergonha para as nossas sociedades que se dizem civilizadas», convidando «exploradores e clientes» a fazer um sério exame de consciência (41). Do mesmo modo, convida-se a lutar contra situações como «comércio de órgãos e tecidos humanos, exploração sexual de crianças, trabalho escravizado, incluída a prostituição, o tráfico de drogas e de armas, o terrorismo e o crime internacional organizado» (42). Cita-se ainda “o abuso sexual”, que deixa «profundas cicatrizes no coração daquele que o sofre»: trata-se de «sofrimentos que podem durar toda a vida e a que nenhum arrependimento pode remediar» (43). O texto continua com a discriminação das mulheres e a violência contra elas, citando entre estas últimas «a constrição ao aborto, que fere quer a mãe quer o filho, tão frequente para satisfazer o egoísmo dos homens» e «a prática da poligamia» (45). Condena-se o “feminicídio” (46).

Aborto e maternidade
sub-rogada

Firme, depois, é a condenação ao aborto: «Entre todos os delitos que o homem pode cometer contra a vida, o aborto procurado apresenta caraterísticas que o tornam particularmente grave e deplorável» e recorda-se que a «defesa da vida nascente está intimamente ligada à defesa de qualquer direito humano» (47). Forte também é a contrariedade à maternidade sub-rogada, «através da qual a criança, imensamente digna, torna-se mero objeto», uma prática «que lesa gravemente a dignidade da mulher e do filho... que se funda sobre a exploração de uma situação de necessidade material da mãe. Uma criança é sempre um dom e nunca objeto de um contrato» (48). Na lista são citados ainda a eutanásia e o suicídio assistido, confusamente definidos por algumas leis como «morte digna», recordando que «o sofrimento não faz perder ao doente aquela dignidade que lhe é própria de modo intrínseco e inalienável» (51). Fala-se, portanto, da importância dos cuidados paliativos e para evitar «toda a obsessão terapêutica ou intervenções desproporcionais», reiterando que «a vida é um direito, não a morte, a qual precisa ser acolhida, não aplicada» (52). Entre as graves violações da dignidade humana, encontra lugar também o “descarte” das pessoas com deficiência (53).

Teoria de género

Depois de reiterar que em relação às pessoas homossexuais deve ser evitada «“toda a marca de injusta discriminação” e particularmente toda a forma de agressão e violência», denunciando «como contrário à dignidade humana» que em alguns lugares pessoas sejam «encarceradas, torturadas e até mesmo privadas da vida unicamente pela sua orientação sexual» (55), o documento critica a teoria de género, «que é perigosíssima porque cancela as diferenças na pretensão de tornar todos iguais» (56). A Igreja recorda que «a vida humana, em todos os seus componentes, físicos e espirituais, é um dom de Deus, que se deve acolher com gratidão e colocar ao serviço do bem. Querer dispor de si, como prescreve a teoria de género... não significa outra coisa senão ceder à antiquíssima tentação do homem que se faz Deus» (57). A teoria do género quer «negar a maior das diferenças possíveis entre os seres viventes: a diferença sexual» (58). Portanto, «devem-se rejeitar todas aquelas tentativas de obscurecer a referência à insuprimível diferença sexual entre homem e mulher» (59). Negativo também o juízo sobre a mudança de sexo, que «arrisca de ameaçar a dignidade única que a pessoa recebeu desde o momento da conceção. Isto não significa excluir a possibilidade que uma pessoa portadora de anomalias dos genitais, já evidentes desde o nascimento ou que se manifestem sucessivamente, possa decidir-se por receber assistência médica com o fim de resolver tais anomalias» (60).

Violência digital

O elenco se completa com a “violência digital” e cita as «novas formas de violência se difundem através das redes sociais, por exemplo o cyberbullying» e a «difusão da pornografia e de exploração das pessoas para fins sexuais ou através dos jogos de azar» na rede (61). A declaração encerra-se exortando «a colocar o respeito pela dignidade da pessoa humana, para além de toda a circunstância, no centro dos esforços pelo bem comum e de todo o ordenamento jurídico» (64).

Andrea Tornielli