O direito dos cidadãos a uma informação correta, pluralista e sem preconceitos foi reiterado pelo Papa Francisco no discurso aos funcionários da rai — Radiotelevisão italiana, recebidos em audiência na manhã de 23 de março, na Sala Paulo vi .
Prezados amigos
bom dia e bem-vindos!
Saúdo o Presidente da Comissão Executiva, o Diretor-geral, os membros do Conselho de Administração, os dirigentes, jornalistas, colaboradores, artistas, técnicos e as vossas famílias. É bom que estejais aqui como uma grande comunidade. Estou feliz por me encontrar convosco e desejo bom aniversário a todos vós!
Setenta anos de televisão, cem de rádio: um duplo aniversário que, por um lado, vos convida a olhar para trás, para a vossa história, tão entrelaçada com a da Itália; e, por outro, desafia-vos a olhar para a frente, para o futuro, para o papel que desempenhareis numa época ainda totalmente a construir, onde qualquer vida está cada vez mais ligada às outras, a nível global. Além disso, estamos no Vaticano, e muitos de vós conhecem bem estes lugares, pois desde a sua criação a rai sempre acompanhou de perto os passos dos Sucessores de Pedro.
Mas, ao longo de todos estes anos, não foi só testemunha dos processos de mudança na nossa sociedade: em parte, também os construiu, e como protagonista. Sim, os meios de comunicação social influenciam as nossas identidades, no bem e no mal. É aqui que reside o significado do serviço público que prestais. Por isso, gostaria de refletir convosco precisamente sobre estas duas palavras — serviço e público — pois elas descrevem muito bem o fundamento da vossa missão: a comunicação como dom à comunidade.
A primeira palavra, que abordarei de modo mais aprofundado, é serviço. É uma palavra que muitas vezes reduzimos ao seu significado instrumental, acabando por confundir servir com servir-se, dedicação com uso.
O vosso trabalho, ao contrário, tenciona ser sobretudo uma resposta às necessidades dos cidadãos, em espírito de abertura universal, com uma ação capaz de se articular em todo o território, sem se tornar localista, respeitando e promovendo a dignidade de cada pessoa. Uma contribuição para a verdade e o bem comum que assume implicações específicas na informação, no entretenimento, na cultura e na tecnologia.
No campo da informação, servir significa essencialmente procurar e promover a verdade, toda a verdade, por exemplo, contrastando a difusão de fake news e os desígnios sorrateiros de quem procura influenciar a opinião pública de modo ideológico, mentindo e desintegrando o tecido social. A verdade é una, harmoniosa, não pode ser dividida por interesses pessoais.
Significa evitar qualquer redução falaciosa, recordar que a verdade é “sinfónica” e que é sentida melhor aprendendo a ouvir a variedade de vozes — como num coro — em vez de gritar sempre e apenas a própria ideia. Eu quis realçar isto!
Significa, ainda, servir o direito dos cidadãos a uma informação correta, transmitida sem preconceitos, sem tirar conclusões apressadas, mas dedicando o tempo necessário para compreender e refletir, combatendo a poluição cognitiva, pois a informação também deve ser “ecológica”.
Em síntese, significa garantir um pluralismo que respeite as diferentes opiniões e fontes porque, como afirmava São João Paulo ii , «a verdade [...], até quando a alcançamos — e isto acontece sempre de modo limitado e aperfeiçoável — nunca pode ser imposta. A verdade é proposta, nunca imposta. O respeito pela consciência do outro, onde se reflete a própria imagem de Deus (cf. Gn 1, 26-27), só permite propor a verdade ao outro, que depois terá a responsabilidade de a aceitar» (Mensagem para o xxxv Dia Mundial da Paz, 1 de janeiro de 2002). Por isso, exorto-vos a cultivar o diálogo, tecendo fios de unidade. E para cultivar o diálogo, é preciso escutar. Muitas vezes vemos que a escuta me ajuda a preparar-me para dar uma resposta, mas não é verdadeira escuta pensar na minha posição sem receber a dos outros.
No entanto, o vosso serviço público não é apenas informação. O pluralismo refere-se também às linguagens de comunicação. Penso no cinema, na ficção, nas séries televisivas, nos programas culturais e de entretenimento, nas reportagens desportivas e nos programas infantis. A tal propósito, na nossa época, rica em técnica mas às vezes pobre em humanidade, é importante promover a busca da beleza, iniciar dinâmicas de solidariedade, salvaguardar a liberdade, trabalhar a fim de que todas as expressões artísticas ajudem todos e cada um a elevar-se, a refletir, a comover-se, a sorrir e até a chorar de emoção, para encontrar um sentido na vida, uma perspetiva de bem, um significado que não seja o de se render ao pior.
Quanto à técnica e à tecnologia, são muitas as interrogações que nos interpelam. Hoje, em particular, «é necessário agir preventivamente, propondo modelos de regulação ética para impedir as implicações nocivas e discriminatórias, socialmente injustas, dos sistemas de inteligência artificial e para se opor à sua utilização na redução do pluralismo, na polarização da opinião pública ou na construção de um pensamento único» (Mensagem para o lviii Dia Mundial das Comunicações Sociais, 24 de janeiro de 2024).
Assim, tudo isto se referia ao serviço. Passemos agora à segunda palavra: público. Ela frisa sobretudo que o vosso trabalho está relacionado com o bem comum de todos, não apenas de alguns. Isto implica, em primeiro lugar, o compromisso a considerar e dar voz especialmente aos últimos, aos mais pobres, aos que não têm voz, aos descartados.
Além disso, exige a vocação a ser instrumento de crescimento no conhecimento, a fazer refletir e não a alienar, a abrir novos olhares sobre a realidade, não a alimentar bolhas de indiferença autossuficiente, a educar os jovens a sonhar alto, com a mente e os olhos abertos. Esta palavra pode assustar-nos: sonhar! Nunca perder a capacidade de sonhar, mas sonhar alto!
Neste sentido, todo o sistema mediático, a nível mundial, deve ser provocado e estimulado a sair de si próprio e a questionar-se, a olhar além, mais além. E esta é uma responsabilidade que não podemos evitar, se quisermos manter elevado o nível da comunicação. Não se deve perseguir índices de audiência, em detrimento do conteúdo: ao contrário, através da vossa oferta, trata-se de construir uma generalizada busca de qualidade. De resto a comunicação, precisamente como diálogo para o bem de todos, pode também desempenhar um papel fundamental no nosso tempo, retecendo valores socialmente vitais como cidadania e participação.
Caros irmãos e irmãs, a rai entra todos os dias em muitas casas italianas, praticamente em todas, e é bom pensar na sua presença não como uma “cátedra de sabichões”, mas como um grupo de amigos que batem à porta para vos surpreender — não vos esqueçais disto: a verdadeira comunicação é sempre uma surpresa, surpreende-te, estás à espera de algo e surpreende-te — para oferecer companhia, partilhar alegrias e dores, promover a unidade e a reconciliação, a escuta e o diálogo em família e na sociedade, para informar e também escutar, com respeito e humildade. Encorajo-vos a percorrer este caminho, é bonito!
Invoco sobre vós a bênção de Deus, confiando cada um à intercessão materna de Maria Santíssima. E, por favor, não vos esqueçais de rezar por mim. Obrigado!
Depois da bênção, referindo-se à sua cadeira de rodas, o Papa acrescentou as seguintes palavras.
Outrora os Papas usavam a cadeira gestatória, hoje as coisas melhoraram e eu uso esta, que é muito prática!