· Cidade do Vaticano ·

Solenidade de 19 de março

José, a paternidade como aventura

 José, a paternidade como aventura  POR-012
21 março 2024

Afigura de São José lembra-nos, antes de mais, que a paternidade é uma aventura. Algo que nos apanha sempre de surpresa. Ainda hoje, neste momento histórico do Ocidente em que tudo está planeado e “sob controlo”, é sempre válida a intuição contida no verso da poetisa, Prémio Nobel, Wislawa Szymborska, segundo a qual «Quando nasce uma criança, o mundo nunca está pronto». O episódio em que José é o protagonista é emblemático neste sentido: ele vê-se a ser pai, não “biológico”, e a assumir todo o peso da responsabilidade das suas escolhas. Outro Prémio Nobel da Literatura, o português José Saramago, vem em nosso socorro: «Ser mãe ou pai é o maior ato de coragem que se pode fazer, porque significa expor-se a outro tipo de dor, a dor da incerteza de agir corretamente e do medo de perder alguém tão amado. Perder? Como? Não é nosso. Foi apenas um empréstimo. O maior e mais maravilhoso empréstimo, pois os filhos só são nossos quando não podem cuidar de si mesmos. Depois, pertencem à vida, ao destino e às suas próprias famílias. Que Deus abençoe sempre os nossos filhos, porque já nos abençoou com eles».

Uma aventura, portanto, a paternidade, que imediatamente se torna dramática. Na entrevista concedida a «L’Osservatore Romano», a 13 de janeiro de 2022, o Papa Francisco frisou que «os acontecimentos que viram nascer Jesus foram acontecimentos difíceis, cheios de obstáculos, problemas, perseguições, trevas (...) nele (José) poderíamos dizer que existe o homem dos tempos difíceis, o homem concreto, o homem que sabe assumir responsabilidades» e que «perante as dificuldades e os obstáculos, nunca assume a posição de vítima. Pelo contrário, coloca-se sempre na perspetiva de reagir, de responder, de confiar em Deus e de encontrar uma solução de forma criativa».

Surpreende que José consiga encontrar e encarnar este “caminho criativo” através de duas atitudes, de dois comportamentos concretos: o silêncio e o sonho. José faz silêncio, José sonha. Estas ações, com a oração, que o Papa acrescenta com razão, convergem para o mesmo resultado: criar espaço para Deus. O peso da paternidade é insuportável para o homem que fica sozinho. Mas nem sequer os dois pais sozinhos conseguem suportá-lo. Todos os pais terão muitas vezes pensado e dito que a “profissão” da paternidade é impossível. Pois é assim, e só a confiança num Pai maior pode tornar o jugo mais leve.

Este discurso colide teoricamente com a mentalidade contemporânea que faz com que homens e mulheres se sintam praticamente “omnipotentes”, mas parece confirmado pelo facto concreto do inverno demográfico que assola o cada vez mais “velho continente”. A paternidade é assustadora. Alguma coisa se partiu na correia de transmissão, na “corrida de estafetas” entre gerações, e o “testemunho” caiu das mãos. Esta é a palavra correta: testemunho. Não somos pais, nem mães, sozinhos, mas acompanhados, antes de mais, por aqueles que nos precederam, apoiados pelo seu exemplo. Podemos ser pais, hoje, porque fomos, e somos para sempre, filhos. O Papa repetiu-o com força na entrevista de 2022: «Não nascemos pais, mas certamente todos nascemos filhos. Esta é a primeira coisa que devemos considerar, ou seja, cada um de nós, para além do que a vida lhe reservou, é antes de mais um filho, foi confiado a alguém, vem de uma relação importante que o fez crescer e que o condicionou no bem ou no mal. Ter esta relação, e reconhecer a sua importância na nossa própria vida, significa compreender que um dia, quando formos responsáveis pela vida de alguém, isto é, quando tivermos de exercer a paternidade, levaremos connosco, antes de mais, a experiência que tivemos pessoalmente. (...) Estou convencido de que a relação paterna que José teve com Jesus influenciou tanto a sua vida que a futura pregação de Jesus está cheia de imagens e referências tiradas do seu próprio imaginário paterno. Jesus, por exemplo, diz que Deus é Pai, e esta afirmação não pode deixar-nos indiferentes, sobretudo se pensarmos naquilo que foi a sua experiência humana pessoal de paternidade. Isto significa que José fez tanto bem como pai que Jesus encontra no amor e na paternidade deste homem a mais bela referência para dar a Deus».

No Evangelho de João, vemos Jesus dizer que «o Filho por si só não pode fazer nada, exceto o que vê o Pai fazer; o que Ele faz, o Filho também faz». O escritor inglês c.s .Lewis comenta este versículo da seguinte forma: «Nesta passagem (João 5, 19) é-nos dito que o Filho só faz o que vê o Pai fazer. Ele olha para o que o Pai faz e imita-o (homoios poiei) ou copia-o. O Pai, ligado pelo amor ao Filho, ilustra-lhe tudo o que ele faz. Já expliquei que não sou teólogo. Que aspeto da realidade trinitária Nosso Senhor, como Deus, quis ilustrar ao pronunciar estas palavras, não ouso descobri-lo; mas penso que temos o direito, se não o dever, de assinalar com muito cuidado as imagens terrenas com que Ele a descreveu, para ver claramente o quadro que nos deu. É a imagem de um jovem que aprende as coisas da vida, que observa um homem a trabalhar. Penso que podemos até adivinhar que memória, do ponto de vista humano, estava presente naquele momento. É difícil não imaginar que Ele se tenha lembrado da sua infância, que tenha regressado com a sua mente àqueles dias na oficina do carpinteiro, quando, em criança, aprendeu o ofício observando São José a trabalhar. Assim considerada, esta passagem não me parece estar em contradição com o que aprendi do Credo, mas, pelo contrário, enriquece o meu conceito da filiação divina».

No dramático final da sua existência terrena, Jesus vê-se pregado no madeiro da cruz. Felizmente para ele, esta cena foi evitada por José, mas de alguma forma ele estava presente no Gólgota. Ao encerrar um de seus mais belos poemas, intitulado João 1, 14, Borges coloca nos lábios de Jesus estas palavras: «Lembro-me às vezes, e tenho saudades, / do cheiro daquela oficina de carpinteiro!».

Andrea Monda