Na manhã de 11 de março, na Sala de Imprensa da Santa Sé, realizou-se uma conferência para a apresentação do Pavilhão da Santa Sé para a Bienal de Veneza. Publicamos o discurso do cardeal prefeito do Dicastério para a cultura e a educação.
Não foi por acaso que a Santa Sé escolheu apresentar o seu pavilhão na Bienal de Veneza — no ano em que esta celebra a sua sexagésima edição — num lugar aparentemente inesperado, como a prisão feminina da ilha da Giudecca. E não é certamente por acaso que o título do pavilhão, Con i miei occhi (Com os meus olhos), pretende chamar a nossa atenção para a importância da forma como construímos o nosso olhar social, cultural e espiritual, pelo qual todos somos responsáveis. Vivemos numa época marcada pelo predomínio do digital e pelo triunfo das tecnologias de comunicação à distância, que propõem um olhar humano cada vez mais diferido e indireto, correndo o risco de se afastar da própria realidade.
A contemporaneidade prefere metaforizar o olhar; ao contrário, ver com os próprios olhos confere à visão um estatuto único, uma vez que nos envolve diretamente na realidade e nos torna não espectadores, mas testemunhas.
É isto que a experiência religiosa tem em comum com a experiência artística: nenhuma delas deixa de valorizar o envolvimento total do sujeito.
O ano em que a Bienal de Arte celebra o seu 60º aniversário marca também os 60 anos da primeira exibição do filme Il Vangelo secondo Matteo (O Evangelho segundo Mateus) de Pier Paolo Pasolini em Veneza.
E Pasolini confessou então que o seu fascínio pelo Jesus narrado pelo evangelista Mateus se devia «aos limites da metaforicidade, até ao ponto de ser uma realidade».
Basta recordar o capítulo 25 do Evangelho de Mateus: «Tive fome e destes-me de comer, tive sede e destes-me de beber, era estrangeiro e acolhestes-me, estava nu e vestistes-me, doente e visitastes-me, estava na prisão e fostes visitar-me». Senhor, «quando te vimos?», perguntam-se todos na parábola do juízo final que Jesus narra.
E é aí que Jesus oferece a chave para uma nova visão, dizendo: «Tudo o que fizestes a um destes meus irmãos mais pequeninos, foi a mim mesmo que o fizestes».
Este é um dos textos bíblicos mais comentados pelo Papa Francisco e que podemos certamente associar às linhas mestras do seu pontificado.
Diz o Papa Francisco: «As obras de misericórdia não são temas teóricos, mas testemunhos concretos. Obrigam-nos a arregaçar as mangas para aliviar o sofrimento... Por isso, é-nos pedido que permaneçamos vigilantes como sentinelas, para que não aconteça que, perante a pobreza produzida pela cultura do bem-estar, o olhar dos cristãos se enfraqueça e se torne incapaz de fitar».
Recuperar a capacidade de olhar para a realidade, como ponto de partida para a redesenhar, coreografando novas possibilidades: foi o que o Papa Francisco frisou aos artistas quando os recebeu no histórico encontro de junho passado, na Capela Sistina.
«Vós, artistas», disse então o Santo Padre, «tendes a capacidade de sonhar novas versões do mundo. E isto é importante: novas versões do mundo. A capacidade de introduzir a novidade na história. É por isso que Guardini diz que vós também vos assemelhais aos videntes. São um pouco como os profetas. Sabeis ver as coisas tanto em profundidade como à distância, como sentinelas que estreitam os olhos para perscrutar o horizonte».
Foi, pois, com grande alegria que recebemos a notícia da visita do Papa Francisco ao Pavilhão. Este será um momento histórico, pois Francisco será o primeiro Papa a visitar a Bienal de Veneza, o que demonstra claramente o desejo da Igreja de consolidar um diálogo frutuoso e estreito com o mundo das artes e da cultura.
Agradeço às autoridades italianas pela sua indispensável colaboração, em particular ao Ministério da Justiça na pessoa do Chefe do Departamento da Administração Penitenciária Nacional, Giovanni Russo, aqui presente.
Uma palavra também para os curadores Bruno Racine e Chiara Parisi, que formam uma equipa extraordinária que, estou certo, irá apresentar uma proposta inspiradora. Também não quero esquecer aqueles que estão a colaborar na realização do pavilhão: os arquitetos e, em particular, o arquiteto Roberto Cremascoli. Ao nosso principal parceiro, o banco Intesa-San Paolo, exprimo a minha gratidão.
E por fim, mas não menos importante no meu coração, o Patriarcado de Veneza e D. Francesco Moraglia, com quem tenho uma estreita colaboração e amizade.
José Tolentino de Mendonça