· Cidade do Vaticano ·

Onze anos de pontificado no caminho da misericórdia e da paz

Onze anos de pontificado no caminho da misericórdia e da paz

 Onze anos de pontificado no caminho da misericórdia e da paz  POR-011
14 março 2024

No silêncio ensurdecedor da diplomacia, num panorama caraterizado pela ausência cada vez mais evidente de iniciativa política e de liderança capazes de apostar na paz, enquanto o mundo deu início a uma louca corrida aos armamentos, destinando a sofisticados instrumentos de morte quantias que seriam suficientes para garantir o dobro dos cuidados básicos de saúde a todos os habitantes da Terra e reduzir significativamente as emissões de gases com efeito de estufa, a voz solitária do Papa Francisco continua a suplicar o silenciamento das armas e a invocar a coragem da negociação. Continua a pedir o cessar-fogo na Terra Santa, onde o impiedoso massacre de 7 de outubro, pelos terroristas do Hamas foi seguido e continua a ser perpetrado pela carnificina desproporcionada em Gaza. Continua a pedir o silenciamento das armas no trágico conflito que eclodiu no coração da Europa cristã, na Ucrânia destruída e martirizada pelos bombardeamentos do exército agressor russo. Continua a invocar a paz noutras partes do mundo, onde se travam com violência indescritível os conflitos esquecidos, que compõem as peças crescentes de uma guerra mundial.

O bispo de Roma entra no décimo segundo ano de pontificado numa hora sombria, com o destino da humanidade à mercê do protagonismo de governantes incapazes de avaliar as consequências das próprias decisões e que parecem render-se à inevitabilidade da guerra. E com lucidez e realismo diz que «é mais forte quem vê a situação, quem pensa no povo», ou seja, «quem tem a coragem de negociar», porque «negociar é uma palavra corajosa», da qual não nos devemos envergonhar. Desafiando as incompreensões dos próximos e distantes, o Papa Francisco continua a colocar no centro a sacralidade da vida, a estar próximo das vítimas inocentes e a denunciar os interesses financeiros sujos que movem os fios das guerras, revestindo-se de hipocrisia.

Um olhar rápido sobre estes últimos onze anos de história faz-nos compreender o valor profético da voz de Pedro. O alarme, dado pela primeira vez há dois lustros, sobre a terceira guerra mundial em pedaços. A encíclica social Laudato si’ (2015), que mostrou como as mudanças climáticas, as migrações, as guerras e a economia que mata são questões interligadas e só podem ser enfrentadas através de um olhar global. A importante encíclica sobre a fraternidade humana (Fratelli tutti, 2020), que indicou o caminho para a construção de um mundo novo baseado na fraternidade, eliminando mais uma vez qualquer álibi para o abuso do nome de Deus a fim de justificar o terrorismo, o ódio e a violência. E depois, a referência constante no seu magistério à misericórdia, que entrelaça todo o tecido de um pontificado missionário.

Nas sociedades secularizadas e “líquidas”, sem mais certezas, nada pode ser dado por certo e a evangelização — ensina Francisco — recomeça do essencial, como se lê na Evangelii gaudium (2013): «Voltamos a descobrir que também na catequese tem um papel fundamental o primeiro anúncio ou querigma, que deve ocupar o centro da atividade evangelizadora e de toda a tentativa de renovação eclesial. [...] A centralidade do querigma requer certas caraterísticas do anúncio que hoje são necessárias em toda a parte: que exprima o amor salvífico de Deus como prévio à obrigação moral e religiosa, que não imponha a verdade mas faça apelo à liberdade, que seja pautado pela alegria, o estímulo, a vitalidade e uma integralidade harmoniosa que não reduza a pregação a poucas doutrinas, às vezes mais filosóficas do que evangélicas. Isto exige do evangelizador certas atitudes que ajudam a acolher melhor o anúncio: proximidade, abertura ao diálogo, paciência, acolhimento cordial que não condena».

Portanto, o testemunho da misericórdia representa um elemento fundamental deste «amor salvífico de Deus» que é «anterior à obrigação moral e religiosa». Em síntese, quem ainda não conhece o evento cristão, como Bento xvi já observara lucidamente em maio de 2010, dificilmente se deixará impressionar e fascinar pela afirmação de normas e obrigações morais, pela insistência sobre as proibições, pelos elencos minuciosos de pecados, pelas condenações ou pelas evocações nostálgicas dos valores de outrora.

Na origem do acolhimento, da proximidade, da ternura, do acompanhamento, na origem de uma comunidade cristã capaz de abraçar e escutar, há a reverberação da misericórdia que se experimentou e que se procura restabelecer, ainda que entre mil limites e lapsos. Se lermos com estes olhos os gestos do Papa, até aqueles que provocaram em certas pessoas as mesmas reações de escândalo causados pelos gestos de Jesus há dois mil anos, descobriremos a sua profunda força evangelizadora e missionária.

Andrea Tornielli