· Cidade do Vaticano ·

O trabalho das religiosas para curar as feridas da população no Sudão do Sul

A paz passo a passo

 A paz passo a passo  POR-011
14 março 2024

Passou mais de um ano desde a peregrinação ecuménica do Papa Francisco ao Sudão do Sul, devastado pela guerra (fevereiro de 2023). O processo de cura e de reconciliação, após anos de traumas, ainda está em curso, e as religiosas desempenham um papel importante neste processo.

OSudão do Sul é uma nação muito jovem: nasceu após décadas de guerra civil. Quando o tratado de paz foi assinado em janeiro de 2005, a guerra tinha deixado cerca de 5 milhões de deslocados internos e 2,5 milhões de mortos, com um legado de profunda desconfiança entre grupos étnicos rivais.

Em janeiro de 2011, realizou-se o referendo histórico sobre a independência do Sul, apesar dos crescentes desafios. Mas quando a República do Sudão do Sul nasceu, a 9 de julho, entre gritos de alegria, as feridas da desconfiança e do medo estavam longe de serem saradas.

As religiosas que trabalharam na nova nação estavam conscientes do que poderia ser um retrocesso e foram fundamentais na promoção de iniciativas de paz.

Sinais de esperança

Desde 2010, o Catholic Health Training Institute ( chti ) em Wau promove o diálogo intercultural e ajuda os estudantes — homens e mulheres — a superar preconceitos profundamente enraizados.

Este Instituto foi iniciado pela Solidarity with South Sudan, uma iniciativa conjunta de religiosos e religiosas que desenvolveram uma formação residencial para professores e enfermeiros, com ênfase na segurança alimentar, na formação pastoral e no tratamento de traumas. A primeira cerimónia de graduação teve lugar em 2013 e, em 2022, 181 enfermeiras graduadas e 87 parteiras já tinham deixado o Instituto.

A irmã Brygida Maniurka, missionária franciscana de Maria da Polónia, trabalha no chti desde fevereiro de 2022. «Os nossos estudantes vêm de várias tribos, estados e religiões e falam línguas diferentes. O chti realça constantemente o respeito por todas as culturas e a tolerância em relação ao que é diferente. Com a ajuda de atividades e exercícios de diversos tipos, conseguimos criar laços de amizade e promover a paz e a unidade. Para além da enfermagem e da obstetrícia, os nossos estudantes aprendem a arte de construir relações e de trabalhar em conjunto», diz a irmã Brygida.

Acrescenta que acompanhar os alunos no caminho de crescimento requer muitas horas de diálogo, é verdade, «mas que alegria quando, ao fim de três anos, vemos quanto eles mudaram!».

«E a nossa alegria é ainda maior quando recebemos elogios das comunidades de origem destes jovens e das instituições em que trabalham», continua a irmã Brygida.

Quando a dor se torna cura

Em Yambio, a iniciativa presta especial atenção às mulheres que sofreram traumas.

A irmã Filomena Francis — a quem aqui chamam irmã Bakhita — é originária de Nzara, uma pequena cidade da Equatoria ocidental; antes vivia em Cartum, onde havia cerca de cinco milhões de sul-sudaneses deslocados à espera de chegar ao Egito e às irmãs Franciscanas Missionárias da Imaculada Conceição de Maria ( mfic ).

Antes de partir para a Papua-Nova Guiné, em 1995, a irmã Filomena pôde visitar a sua família no atual Sudão do Sul. Nessa altura, a área tinha sido conquistada pelo Exército Popular de Libertação do Sudão ( spla ) e a irmã Filomena encontrou a sua família e irmãs em boas condições. Em 1999, porém, a violência sexual e os abusos perpetrados pelos soldados tinham tornado a sua vida miserável.

O drama vivido pela família da irmã Filomena inspirou-a a iniciar um programa de aconselhamento e de cura de traumas, que se concretizou em 2006 com a Adeesa (Women) Support Group Organization ( asgo ) [Organização do Grupo de Apoio às mulheres] iniciada em conjunto com outras duas mulheres.

Em 2013, abriu uma comunidade das irmãs Franciscanas Missionárias na diocese católica de Tambura Yambio e a irmã Filomena começou a formar mulheres e homens locais para participar ativamente no programa de cura.

«O meu trauma pessoal, aquele que me atingiu em criança, levou-me a iniciar este projeto. A dor e as perdas que eu e a minha família ainda recordamos dão-me força para trabalhar neste programa», diz a irmã Filomena. «Estou convencida de que uma abordagem holística da cura de traumas no Sudão do Sul pode levar a uma paz sustentável e salvar a vida de muitas mulheres, moças e até homens que foram violados para punir a sua etnia», conclui a irmã Filomena.

#sistersproject

Paola Moggi