· Cidade do Vaticano ·

O Papa inaugurou o 95º ano judiciário do Tribunal do Estado da Cidade do Vaticano

Com o estilo da coragem

 Com o estilo da coragem  POR-010
07 março 2024

A importância da virtude da coragem ao serviço da administração da justiça foi afirmada pelo Papa Francisco na inauguração do 95º ano judiciário do Tribunal do Estado da Cidade do Vaticano, na manhã de 2 de março, na Sala da Bênção. Eis o texto do discurso do Pontífice, lido por monsenhor Filippo Ciampanelli, oficial da Secretaria de Estado.

É com prazer que me encontro convosco para a inauguração do 95º ano judiciário do Tribunal do Estado da Cidade do Vaticano; dirijo a todos vós as minhas mais cordiais saudações.

Agradeço às Autoridades civis e militares italianas a sua presença.

Saúdo o Presidente do Tribunal, o Presidente adjunto e o Promotor de Justiça, com os Magistrados e os colaboradores dos respetivos gabinetes, bem como os Presidentes dos Tribunais de Apelação e do Supremo Tribunal. Agradeço-vos o vosso serviço, tão delicado quanto exigente; agradeço também ao Corpo da Gendarmaria a sua colaboração qualificada.

Nesta ocasião, gostaria de refletir brevemente convosco sobre uma virtude na qual penso muitas vezes ao acompanhar os acontecimentos relativos à administração da justiça, também no Estado da Cidade do Vaticano: refiro-me à coragem.

Para os cristãos esta virtude, que nas dificuldades, com a fortaleza, garante a constância na busca do bem e torna a pessoa capaz de enfrentar a provação, não é apenas uma qualidade particular da alma, caraterística de certas pessoas heroicas. É, pelo contrário, um traço que é concedido e reforçado no encontro com Cristo, como fruto da ação do Espírito Santo que qualquer pessoa pode receber, se o invocar. A coragem contém uma força humilde, que se apoia na fé e na proximidade de Deus e se exprime de modo particular na capacidade de agir com paciência e perseverança, rejeitando os condicionamentos internos e externos que impedem a realização do bem. Esta coragem desorienta os corruptos e coloca-os, por assim dizer, num canto, com o coração fechado e endurecido.

Até em sociedades bem organizadas, bem regulamentadas e institucionalmente apoiadas, a coragem pessoal continua a ser necessária para enfrentar as diferentes situações. Sem esta audácia saudável, corre-se o risco de ceder à resignação e acaba-se por descuidar muitos pequenos e grandes abusos. Quem é corajoso não visa o seu próprio protagonismo, mas a solidariedade com os irmãos e irmãs que carregam o peso dos seus receios e fraquezas.

Vemos esta coragem com admiração em tantos homens e mulheres que passam por provas muito duras: pensemos nas vítimas das guerras, ou naqueles que são objeto de contínuas violações dos direitos humanos, incluindo os muitos cristãos perseguidos. Perante estas injustiças, o Espírito dá-nos a força para não nos resignarmos, suscita em nós indignação e coragem: indignação perante estas realidades inaceitáveis e coragem para procurar mudá-las.

Senhoras e Senhores, com esta coragem somos chamados também a enfrentar as dificuldades da vida quotidiana, na família e na sociedade, a comprometer-nos com o futuro dos nossos filhos, a cuidar da casa comum, a assumir as nossas responsabilidades profissionais. E isto é particularmente verdadeiro para o âmbito em que atuais, o da administração da justiça. Sim, com as virtudes da prudência e da justiça, que devem ser informadas pela caridade, e com a necessária temperança, a tarefa de julgar exige as virtudes da fortaleza e da coragem, sem as quais a sabedoria corre o risco de ficar estéril.

A coragem é necessária para ir até ao fim no apuramento rigoroso da verdade, recordando que fazer justiça é sempre um ato de caridade, uma ocasião de correção fraterna destinada a ajudar o outro a reconhecer o seu erro. Isto é também válido quando surgem comportamentos particularmente graves e escandalosos que devem ser sancionados, tanto mais quando ocorrem no seio da comunidade cristã.

É necessária coragem quando se está empenhado em garantir um processo justo e se está sujeito a críticas. A força das instituições e a firmeza na administração da justiça são demonstradas pela serenidade de julgamento, independência e imparcialidade daqueles que são chamados, nas várias fases do processo, a julgar. A melhor resposta é o silêncio diligente e o empenho sério no trabalho, que permitem que os nossos Tribunais administrem a justiça com autoridade e imparcialidade, garantindo o devido processo, respeitando as peculiaridades do sistema vaticano.

Por fim, ocorre coragem, para implorar na oração que a luz do Espírito Santo ilumine sempre o discernimento necessário para chegar a um veredito justo. Também aqui gostaria de recordar que o discernimento se faz “de joelhos”, implorando o dom do Espírito Santo, para que se possa chegar a decisões que vão na direção do bem das pessoas e de toda a comunidade eclesial. Com efeito, como afirma a Lei cccli sobre a Ordem do Estado, «administrar a justiça não é apenas uma necessidade temporal. Sim, a virtude cardeal da justiça ilumina e resume a própria finalidade do poder judiciário peculiar de cada Estado, para o qual é indispensável, em primeiro lugar, o empenho pessoal, generoso e responsável daqueles a quem é confiada a função judiciária». Este empenhamento pede para ser sustentado pela oração. Não se deve ter medo de perder tempo, dedicando-se a ela tempo em abundância. E isso exige também coragem e fortaleza de espírito.

Caros Magistrados do Tribunal e da Promotoria, desejo que no vosso serviço à justiça possais manter sempre, com a prudência, também a coragem cristã. Peço ao Senhor que fortaleça em vós esta virtude. De coração abençoo a vós e à vossa obra, confiando-a à Virgem Santíssima, Speculum iustitiae. E, por favor, não vos esqueçais de rezar por mim. Obrigado.