Enfermeira profissional, licenciada em psicologia e com experiência na pastoral juvenil em Moçambique. Eleita Superiora Geral do Instituto das Missionárias da Consolata em 2011 e reeleita em 2017, exerceu o cargo até maio de 2023. É a irmã Simona Brambilla, a primeira mulher a ocupar o cargo — desde 7 de outubro — de secretária do Dicastério para os Institutos de Vida Consagrada e as Sociedades de Vida Apostólica. A religiosa conta a sua história nesta entrevista a «L’Osservatore Romano».
Com que espírito empreendeu esta nova etapa da sua missão de consagrada?
Aceitei este pedido do Papa Francisco como um chamamento que me interpela e envolve profundamente como pessoa, mulher, cristã, consagrada e missionária. Um apelo, antes de mais, a ouvir, a compreender, a sentir, a aprender. E isto põe em movimento toda a minha pessoa: os sentidos exteriores e interiores, o corpo, a memória, o intelecto, o coração, a sensibilidade, a alma. Neste início do meu serviço no Dicastério, experimento uma espécie de orientação gradual do meu ser para esta nova missão, que é realmente diferente das minhas experiências anteriores. Encontrei um ambiente acolhedor, familiar e benevolente. E isto é uma grande ajuda para mim. Sei que tenho muito a aprender com todos e todas e sinto a necessidade de me colocar na escola daqueles que têm muito mais experiência e competência do que eu neste tipo de serviço à vida consagrada. Confio na ajuda e nas orações de todos e de cada um. Confio na Virgem Maria, a Mãe Consolata, a Mulher por excelência, aquela que com suprema ternura e coragem, humildade e paixão, mansidão e tenacidade sabe reunir, unir e consolar os seus filhos e filhas, guardando e alimentando o fogo num cenáculo onde a vida cresce e onde todos e todas se sentem “em casa”.
Em que medida a sua experiência missionária influencia este serviço ao Dicastério?
Não posso separar a minha vida da missão. Por isso, neste novo serviço, trazendo o que sou, trago também toda a experiência missionária que o Senhor me concedeu viver. A missão abriu-me o coração à maravilha de reconhecer a presença de Deus, as sementes e os frutos do seu Espírito nos povos, nas diferentes culturas, nas várias tradições religiosas, na intimidade das pessoas com as suas histórias diferentes, únicas, sagradas. Abriu-me à alegria do intercâmbio frutuoso entre pessoas diferentes, à experiência da interculturalidade no seio da comunidade e com o povo ao qual fui enviada, à investigação em conjunto, ao diálogo inter-religioso, à beleza de construirmos juntos pontes sobre as quais a sabedoria e a experiência possam passar. É claro que tudo isto implica dificuldades, mas a vida e a beleza que estas interações desencadeiam ultrapassam imensamente o peso das dificuldades e dão-lhes o seu devido significado. A missão levou-me também a saborear de forma existencial o sentido mais verdadeiro de ser Igreja: a Igreja existe para evangelizar, a Igreja é missão, é comunicação do Amor de Deus por todos e por todas, é saída para as periferias, e as periferias mais periféricas são aquelas onde o Evangelho não é conhecido e onde os corações, muitas vezes por causa de feridas e dores profundas e inauditas, ainda não estão abertos para acolher Jesus. A missão impeliu-me por um caminho de simplicidade e de essencialidade, que sinto a necessidade de renovar todos os dias: perante irmãos e irmãs empobrecidos e privados do necessário para uma vida humana digna, sinto-me provocada a despertar do meu sono, a converter-me das minhas queixas, a não me deixar acomodar numa espécie de conforto. Sinto que enquanto um irmão e uma irmã estiverem ainda no sofrimento, no abandono, sob o peso da guerra, da violência, do abuso, da indiferença, da exploração, não tenho o direito de viver uma vida “tranquila”. Mais uma vez, a experiência missionária despertou em mim uma nova sensibilidade para a pequenez, a fragilidade, a vulnerabilidade como lugares onde Deus gosta de habitar e a partir dos quais gosta de evangelizar, longe dos parâmetros da grandiosidade, da visibilidade, do poder, do domínio. Parece-me que tudo isto pode ter implicações neste novo serviço à vida consagrada, que, seja qual for a sua forma de expressão, traz sempre em si a dimensão missionária.
Como aplicar a sinodalidade aos institutos de vida consagrada e às sociedades de vida apostólica?
Gostaria de citar aqui o Relatório de Síntese da primeira sessão da 16ª Assembleia geral ordinária do sínodo dos bispos sobre a sinodalidade: «A vida consagrada foi mais de uma vez a primeira a aperceber-se das mudanças da história e a intuir os apelos do Espírito: também hoje a Igreja tem necessidade da sua profecia. A comunidade cristã olha também com atenção e gratidão para as práticas comprovadas de vida sinodal e de discernimento em comum que as comunidades de vida consagrada amadureceram ao longo dos séculos. Também delas sabemos que podemos aprender a sabedoria de caminhar juntos. Muitas congregações e institutos praticam o diálogo no Espírito ou formas semelhantes de discernimento no decurso dos capítulos provinciais e gerais, para renovar as estruturas, repensar os estilos de vida, ativar novas formas de serviço e de proximidade com os mais pobres. Noutros casos, porém, encontramos a persistência de um estilo autoritário, que não abre espaço para o diálogo fraterno». De facto, em muitas realidades da vida consagrada, a sinodalidade é aplicada, elaborada, vivida, com efeitos evangélicos, benéficos, vitalizantes para os consagrados, as consagradas e a missão que lhes é confiada. Noutros contextos, o caminho sinodal é dificultado por um conceito e uma prática redutoras e enganadoras da vida consagrada e do serviço da autoridade. A síntese dos contributos sobre a sinodalidade, elaborada pela União internacional das superiores gerais e pela União dos superiores gerais com base nos contributos das 224 congregações — 169 femininas e 55 masculinas — que participaram na consulta durante o percurso sinodal, parece-me que oferece uma visão interessante das alegrias e dificuldades da sinodalidade, pelo menos nos institutos de vida consagrada.
Qual é o papel da formação nos institutos?
A formação, em todas as suas etapas, dimensões e modalidades, desempenha um papel crucial no crescimento integral das pessoas consagradas e, consequentemente, no desenvolvimento de relações interpessoais sadias e evangélicas, de comunidades e processos sinodais, de percursos de vida consagrada autenticamente animados pelo fogo do amor a Cristo e aos irmãos e irmãs. Gostaria de sublinhar a séria atenção que merece o discernimento e o acompanhamento vocacional antes de entrar num instituto ou numa sociedade, para verificar nos candidatos as exigências fundamentais humanas, espirituais e motivacionais. Esta verificação requer um tempo prolongado, atenção aos processos pessoais e interpessoais, conhecimento do ambiente e da cultura do candidato ou candidata. O discernimento continua, depois de a pessoa ter entrado na vocação, através de um acompanhamento pessoal sistemático e atento, ladeado por um acompanhamento de grupo. Uma preparação cuidadosa nos âmbitos espiritual, teológico e profissional tem uma importância inquestionável na formação de uma correta capacidade de compreensão, elaboração, avaliação e juízo crítico. Muitas vezes, porém, os problemas, os sofrimentos e as dificuldades na experiência da vida consagrada, nas relações interpessoais, na relação entre autoridade e obediência, na compreensão e na vivência da sinodalidade, provêm de algum tipo de ferida, vazio ou fraqueza a níveis mais profundos, talvez nunca visitados, muito menos acolhidos e integrados. Uma formação que atinja e abra as áreas mais profundas da pessoa à transformação evangélica é, pois, indispensável para uma vida consagrada sadia, alegre, sinodal e evangélica. É preciso investir decididamente num discernimento sério e numa atenta formação integral, inicial e permanente, sem permitir que o fascínio dos grandes números, a extensão das nossas presenças, a grandeza das nossas obras, a visibilidade das nossas estruturas nos privem da liberdade de sermos aquilo que somos: simples sinais do Reino, um Reino que Jesus gosta de exprimir com as imagens humildes do pequeno grão de mostarda, do fermento na massa, do tesouro escondido num campo.
Nicola Gori