· Cidade do Vaticano ·

O Papa e a selfie

O Papa e a selfie

04 janeiro 2024

Findou o décimo ano de pontificado do Papa Francisco. De 2013, pode-se recordar não só que, na noite daquele 13 de março, Jorge Mario Bergoglio foi eleito para o sólio pontifício, mas também outro pequeno episódio, contudo não sem significado: nesse ano, a prestigiosa instituição do Oxford Dictionary indicou “selfie” como “palavra do ano”. Na verdade, um neologismo, mais do que uma palavra, que definia o fenómeno eclodido naquela época e que ainda hoje é galopante, de tirar um autorretrato utilizando o telemóvel. Não era e não é apenas um procedimento técnico, mas precisamente um fenómeno social que denota certas caraterísticas, até psicológicas, de um mundo que, além do uso de fotografar, decidiu fotografar-se. Posar e imortalizar nada mais do que a si próprio, muitas vezes retocando tal imagem com “filtros”, numa espécie de autocelebração contínua, quase compulsiva. Muito se falou desde então sobre este uso, para muitos, sintoma do narcisismo desenfreado, da autorreferencialidade, para outros, da vacuidade de uma sociedade egocêntrica e exibicionista.

Deste ponto de vista, a coincidência temporal é singular: Francisco e a selfie. Parecem duas realidades antitéticas, nos opostos, confirmando a intuição de G.K. Chesterton que, na hagiografia dedicada a S. Tomás de Aquino, falando da santidade, afirma: «O santo é um remédio, porque é um antídoto. E é também por isso que o santo é muitas vezes mártir; é confundido com um veneno precisamente porque é um antídoto. [...] No entanto, cada geração procura o seu santo por instinto, e ele não representa o que as pessoas querem, mas aquilo de que precisam. [...] o paradoxo da história é que cada geração é convertida pelo santo que mais a contradiz».

Evidentemente, a geração nascida na passagem do segundo milénio está marcada por aquelas caraterísticas que a selfie exprime com eficácia, podendo-se afirmar que encontrou um homem de que tem necessidade, pois é realmente um «sinal de contradição», capaz de revelar «os pensamentos de muitos corações» (Lc 2, 35): salta aos olhos de todos o compromisso de Bergoglio em levar o homem e a Igreja de hoje a sair de si mesmos, das estruturas rígidas, institucionais e antes ainda mentais, da autorreferencialidade e da autossuficiência, exortando-o incessantemente a um “êxodo”, a um caminho de libertação daquilo que outro grande espírito inglês, também ele caro a Francisco, definiu «aquela coisa demasiado invasiva que se chama “eu”» (S. Tomás More, Oração pelo bom humor).

Portanto, poder-se-ia dizer que Francisco é o antisselfie, mas seria um erro, uma imprecisão. Com efeito, é interessante observar, também aqui, o “método” usado pelo Papa (que na realidade é o antigo da Igreja). Na verdade, Francisco, como todos se lembram, foi também o primeiro Papa que tirou uma selfie, muitas selfies, e as selfies com o Papa, sobretudo no início, como se costuma dizer, deram a volta ao mundo. A pequena palavra-chave é aquele “com”: com o Papa. Ou seja, Francisco não considerou a selfie como mal absoluto, como um inimigo a destruir, não a fitou com desprezo, de cima para baixo. Pelo contrário, fixou-a com interesse e captou todas as suas armadilhas, as suas áreas de sombra, mas também uma possibilidade escondida, embora ténue. Portanto, entrou nessa área de sombra e escolheu “viver no meio” desse fenómeno humano, “ampliando-o”, gerando um caminho de transformação, uma senda sempre sin-odos, uma vereda para caminhar juntos. Tirou a selfie a pedido de tantos, muitas vezes jovens, que se aproximaram dele, e a selfie tornou-se algo diferente: não uma imagem solitária e, em última análise, melancólica, mas alegre e espontânea, “sem filtros”, de um grupo de pessoas que vivem uma experiência coletiva. Ao fenómeno que por excelência parece dizer “extra omnes”, todos fora, aqui no centro só estou eu e o meu ego, o Papa responde abrindo outro horizonte, que diz: nunca sem o outro. Num dos seus discursos, o Papa deu uma sugestão: quando nos olharmos ao espelho, algo a fazer com prudência, considerando o risco sempre presente da vaidade, façamo-lo tendo ao lado outro, um amigo. Ele ajudar-nos-á a não cair no engano daquela visão e a pô-la em foco para que esse espelhar-se não seja um exercício de soberba, mas de humildade.

Portanto, nunca sem o outro; este (que, aliás, é o título de um ensaio do teólogo jesuíta Michel de Certeau, frequentemente citado pelo Papa), é um dos pontos qualificadores e iluminadores de todo o seu pontificado, um convite que o cristão não pode descuidar, consciente de que viver “nunca sem o outro” é o caminho seguro que leva a estar “nunca sem o Outro”.

Andrea Monda