· Cidade do Vaticano ·

Para o domingo iv do Advento

Vem, Senhor Jesus!

 Vem, Senhor Jesus!  POR-051
21 dezembro 2023

Este Domingo iv do Advento deixa-nos à beirinha do Natal do Senhor. O Evangelho neste Dia proclamado (Lc 1, 26-38) é um tecido sublime, que as Igrejas do Ocidente conhecem por «Anunciação», e as do Oriente por «Evangelização». Do céu chega a Alegria incandescente a casa de Maria: «Alegra-te, Maria» [= «Chaîre Maria»; «Ave Maria»], «o Senhor está contigo» (Lc 1, 28), «não tenhas medo» (Lc 1, 30), diz a Maria o anjo Gabriel enviado por Deus. Alguns anos mais tarde, as mulheres que vão ao túmulo de Jesus ouvirão também a mesma música divina: «Alegrai-vos» (Mt 28, 9), «não tenhais medo» (Mt 28, 5). E nós, Assembleia Santa que hoje se reúne para celebrar os mistérios do seu Senhor e também de Maria, Mãe de Deus e nossa Mãe, estamos também permanentemente a ouvir esta divina melodia. Portanto, irmãos amados em Cristo, Alegrai-vos, não tenhais medo, o Senhor está no meio de nós!

2. O centro da cena é de Maria, que podemos ver em alta sintonia com a Palavra de Alegria que lhe chega de Deus. Ao contrário da nossa muito ocidental maneira de ver e de sentir, note-se bem que Maria não esboça qualquer reação à eventual chegada do anjo, que nem sequer é narrada. Ela fica perturbada, isso sim, é com a Palavra surpreendente que lhe cai nos ouvidos e no coração (Lc 1, 29). «Conceberás no ventre» o Filho de Deus (Lc 1, 31-33). «Conceber no ventre» é um pleonasmo intencional só dito de Maria por duas vezes (Lc 1, 31 e 2, 21), talvez para a pôr em pura sintonia com o Deus do «ventre das misericórdias» (Lc 1, 78). Note-se como, na sequência do texto, de Isabel se diz simplesmente que «concebeu» (Lc 1, 36).

3. Quando revisitamos os dois quadros de anunciação que Lucas nos serve alinhados lado a lado, o anúncio no Templo a Zacarias e o anúncio em Nazaré a Maria, saltam logo à vista a diferente identidade, os contornos e o contraste das figuras. O anjo Gabriel (cf. Lc 1, 19), no Templo, aparecido a Zacarias, anuncia-lhe a fecundidade de Isabel e o nascimento de João como cumprimento da sua oração insistente (Lc 1, 13). Em puro contraste, o mesmo anjo Gabriel, na humilde Nazaré (Lc 1, 26), anuncia a Maria o inaudito, sem precedentes na história de Israel. O Filho que vai nascer (Lc 1, 31) não surge como o fruto de um desejo ou de uma súplica de Maria, não vem cumprir nenhum projeto de Maria, nenhuma espera ou expetativa de Maria, nenhuma programação desde baixo! Antes pelo contrário, dado que Maria avança mesmo a impossibilidade real de tal poder vir a acontecer: «Como poderá isso acontecer, pois não conheço homem?» (Lc 1, 34). Contraste exposto a toda a luz: João é fruto de um intenso desejo e correspondente súplica de Isabel e Zacarias; Jesus é fruto da iniciativa surpreendente, livre e gratuita de Deus, não dedutível ou programável da nossa parte. É como se as escolhas dos pais de João Batista, por um lado, e da mãe de Jesus, por outro, derivassem de duas lógicas diferentes. Contemplando este cenário e parafraseando Bento xvi (Exortação Apostólica Verbum Domini [2010], 123), poderíamos dizer assim: «Nós podemos programar uma festa,/ mas não podemos programar a alegria,/ não podemos programar Maria». Ela salta fora do horizonte do desejo, não é possível encerrá-la no perímetro da linguagem, da fita métrica das palavras por mais extensa que ela seja, como quando longa e belamente desfiamos as contas, a harizah das ladainhas.

4. Ultrapassada a objeção pelas palavras do Anjo, Maria responde: «Eis a serva do Senhor; faça-se em mim segundo a tua Palavra» (Lc 1, 38). Na Bíblia, apenas os grandes chamados (Moisés, Josué, David) são denominados «servos do Senhor», sendo Maria a única mulher assim denominada. Deus chama, mas não impõe. A Maria, e a cada um de nós. Deus criou-nos livres e responsáveis, e, por isso, partilhou connosco o seu Poder Omnipotente, a sua Ciência Omnisciente, a sua Presença Omnipresente, a sua Vida Vivente. Podemos sempre aceitar Deus ou esconder-nos de Deus. Deixar Deus entrar, ou fechar-lhe a porta. Maria aceitou, e, por isso, todas as gerações a proclamarão Bem-Aventurada. É o que estamos hoje e aqui a fazer: Feliz és tu, Maria, pioneira de um mundo novo, porque acreditaste em tudo quanto te foi dito da parte do Senhor! Feliz também aquele que ouve a Palavra de Deus e a põe em prática!

5. Em consonância com a música do Evangelho, o Segundo Livro de Samuel documenta, no extrato lido hoje (7, 1-16), o desejo de Deus vir habitar no meio de nós. Não num Templo de pedra, mas num Templo de tempo, podendo assim caminhar connosco sempre, como já fez com David, e quer continuar a fazer connosco. É usual, de resto, dizer-se que os gregos e os romanos construíram o espaço, enquanto os judeus construíram o tempo!

6. Aí está também São Paulo a expor-nos, no final da Carta aos Romanos (16, 23-25) a grande teologia bíblica do Mistério (mystêrion) do Amor de Deus, Mistério escondido eternamente em Deus (Rm 16, 25; Ef 3, 9; Cl 1, 26), mas já presente e atuante na história dos homens desde a Criação (Jo 1, 3; Cl 1, 16), e agora dado a conhecer (gnôrízô) em Cristo (Rm 16, 25-26; Ef 1, 9; 3, 3.10; Cl 1, 27), tornando-se, portanto, Mistério conhecido (!), Revelação divina gratuita, totalmente entregue aos homens, para a viverem totalmente. Este «para nós» do Mistério do Amor de Deus é o Propósito (próthesis) eterno divino (Rm 8, 28; Ef 1, 11), a Vontade (thélêma) eterna divina (Gl 1, 4; Ef 1, 5.9.11) — em Deus, pensamento, expressão, comunicação, efeito, Alfa e Ómega, são simultâneos e coeternos — de elevar a nossa humanidade a viver por graça ao nível da sua divindade (2 Pd 1, 4; 1 Jo 3, 2). Ao contrário do significado usual que damos à palavra «mistério», na Bíblia, como se vê, «mistério» não é o que não se sabe, mas o que Deus, por graça, nos dá a saber. E é tanto e adorável e, visto apenas do nosso pequeno patamar, impensável! Vem, Senhor Jesus!

*Bispo de Lamego

D. António Couto *