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Dia mundial das crianças 2024

Dia mundial das crianças 2024

 Dia mundial das crianças 2024  POR-051
21 dezembro 2023

Em 1985, por intuição do Papa São João Paulo ii , tiveram início as Jornadas mundiais da juventude (Jmj), que em quase quarenta anos mobilizaram milhões de jovens no mundo inteiro. O Papa afirmou que o fundador das Jmj não foi ele, mas que «foram os jovens que as criaram» (Dario Di Giosia, La pastorale dei giovani. Uno studio sul magistero di Giovanni Paolo ii , Libreria editrice vaticana, 2011, p. 106).

Em maio de 2024 será celebrado o primeiro Dia mundial das crianças (Dmc) e, também neste caso, a ideia não surgiu por iniciativa do Papa, mas das próprias crianças que, através de Alessandro, de 9 anos, num podcast (Popecast) em julho passado, fizeram esta proposta ao Papa. Como era previsível, o Papa aproveitou o ensejo, respondendo imediatamente com entusiasmo: «Gosto muito... Podemos deixar que os avós o organizem. É uma boa ideia. Pensarei nisto e verei como o fazer».

Tal como aconteceu com o evento “O Papa encontra as crianças”, no passado dia 6 de novembro, que viu o Santo Padre circundado por 7.500 crianças dos cinco continentes na Sala Paulo vi , também o Dmc se realizará sob o patrocínio do Dicastério para a cultura e a educação, em colaboração com a Comunidade franciscana, a Comunidade de Santo Egídio e a Cooperativa “Auxilium”, pelo que se prestará especial atenção ao aspeto educativo e cultural.

Podemos imaginar que será um acontecimento extraordinário (como já saboreado no “prelúdio” de 6 de novembro) e que certamente terá ressonância mundial. Desejar um Dia mundial das crianças significa pretender colocar as próprias crianças no centro da atenção do mundo. Elas desempenham um papel importante no que se refere à sua educação, em relação à qual não são simplesmente destinatárias, mas também coprotagonistas. Por conseguinte, não cabe apenas às crianças o dever de escutar os pais e educadores, mas também a estes o dever de escutar as próprias crianças. A escuta das crianças poderá orientar a planificação de percursos que reflitam os seus interesses e não apenas os dos adultos.

Um dos objetivos do Dmc consistirá precisamente em escutar as crianças (que é também um dos sete objetivos do Pacto educativa global). A escuta torna-se, por si só, um ato educativo, pois transmite confiança à criança, aumenta a sua autoestima sentindo-se valorizada e acolhida com atenção, desenvolve as suas habilidades sociais e a abertura aos outros, opondo-se assim ao fenómeno do autoisolamento a que tantos adolescentes e jovens se condenam (como por exemplo no caso dos chamados jovens hikikomori, que se fecham nos quartos durante meses e só saem à noite ou de madrugada, para não encontrar ninguém). Uma criança que, desde o início, desenvolve a capacidade de se relacionar serenamente com os outros, terá menos tendência a isolar-se ou a entrar em conflito com os pais e os adultos, evitando assim a fratura intergeracional, como deseja o Papa Francisco.

Escutar é cuidar pessoalmente de cada um, pois cada pessoa é única e, por isso, são necessárias intervenções educativas específicas.

O ato de escutar que se pede aos adultos consiste numa escuta atenta e ativa, feita não só com os ouvidos, mas também com os olhos e o coração: para escutar é preciso abaixar-se à estatura das crianças para as fitar verdadeiramente. Escutar é dialogar com elas com olhar poético, cheio de admiração e de perguntas, como Jesus que, quando encontrou o jovem rico, «fitou-o e amou-o» (Mc 10, 21). Escutar e falar verificam-se mais com os olhos do que com os ouvidos e a boca, porque as palavras podem mentir, mas os olhos nunca mentem.

A celebração do Dmc será também uma ocasião para ativar uma série de iniciativas relacionadas com o mundo infantil, através de estudos, seminários, laboratórios, workshops para a infância, etc., para estimular uma renovada atenção educativa e o surgimento de pedagogias que visem a educação integral das crianças. Com o Pacto educativo global, o Papa Francisco lançou o desafio de transformar o mundo, mudando a educação, e isto é válido sobretudo para a educação das crianças, que desde a mais tenra idade devem ser educadas para a fraternidade universal (meta última do Pacto educativo) e para se reconhecerem como irmãos e irmãs de todas as crianças do mundo.

O Dmc pode ser também uma ocasião para fazer o balanço da situação sobre as condições das crianças a nível mundial, a fim de conhecer os pontos fortes e as boas práticas, assim como os múltiplos pontos críticos, como o analfabetismo ainda muito difundido, os casos de violência e exploração, a pobreza educativa, o drama das crianças-soldado e das crianças que trabalham, a quem é roubada a infância e, last but not least, o problema do digital divide. Por ocasião do Dia internacional da infância e da adolescência, a 20 de novembro passado, cujo tema era “Um dia para reinventar um futuro melhor para cada criança”, a Unicef convidou os governos do mundo inteiro a adotar o Plano de seis pontos para a tutela das crianças, o primeiro dos quais é «garantir a aprendizagem a todas as crianças e acabar com a explosão digital». A tal respeito, esperemos que o Dmc possa favorecer um trabalho poliédrico e conjunto para elaborar estratégias educativas comuns mais eficazes.

O Dmc será também um singular momento de intercâmbio com as tradições educativas e pedagogias do mundo inteiro, no respeito pelas diversidades culturais de cada um (como numa espécie de “Cidade da alegria”, seguindo a linha da Jmj de Lisboa 2023).

Para concluir, estamos confiantes de que o Dmc representa um momento propício e gerador de novos futuros não apenas para as crianças, mas também para nós, adultos, a fim de reaprendermos a saber acolher todos sem discriminações, a ser simples e capazes de sonhos puros como elas.

A promessa que Deus nos faz não é outra, a não ser esta: «Eis que renovo todas as coisas» (Ap 21, 5).

*Cardeal prefeito do Dicastério para a cultura e a educação

José Tolentino
de Mendonça
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