Cinco anos e seis meses de prisão, além da inabilitação perpétua para cargos públicos e uma multa de 8 mil euros. Foi a sentença imposta ao cardeal Giovanni Angelo Becciu pelo Tribunal do Vaticano, no final do processo sobre a gestão dos fundos da Secretaria de Estado, relativa à compra e venda de um prédio em Londres. A sentença foi lida a 16 de dezembro pelo presidente do Tribunal, Giuseppe Pignatone, na Sala multifuncional dos Museus do Vaticano.
A sentença estabeleceu sanções pecuniárias para René Brülhart e Tommaso Di Ruzza, respetivamente ex-presidente e diretor da Aif (Autoridade de informação financeira), por omissão de informação à promotoria de Justiça. Para Enrico Crasso, ex-consultor financeiro da Secretaria de Estado, o Tribunal impôs uma sentença de 7 anos de prisão. Para o financista Raffaele Mincione, 5 anos e 6 meses de prisão. Para o ex-funcionário administrativo da Secretaria de Estado, Fabrizio Tirabassi, 7 anos de prisão. Estes últimos três réus foram condenados a pagar uma multa, com a inabilitação perpétua para a assunção de cargos públicos.
Para o advogado Nicola Squillace, após a concessão das circunstâncias atenuantes gerais, um ano e 10 meses de prisão, pena suspensa por cinco anos. Para o corretor Gianluigi Torzi, seis anos de prisão e uma multa, além da inabilitação perpétua para cargos públicos e da submissão a vigilância especial por um ano. Três anos e nove meses de prisão para a gerente Cecilia Marogna, com a inabilitação temporária para cargos públicos. Uma multa de 40 mil euros para a sua empresa Logsic Humanitarne Dejavnosti. Muitos dos delitos da acusação foram “requalificados”.
Com a sentença emitida, após 86 audiências, o Tribunal do Estado da Cidade do Vaticano definiu o julgamento de primeiro grau do processo contra dez réus e quatro empresas, que — como se sabe — teve como objeto vários casos, o principal dos quais é conhecido com referência ao edifício de Londres, 60 Sloane Avenue.
O Tribunal considerou que o crime de peculato foi comprovado pelo uso ilícito da soma de US$ 200.500.000, «equivalente a aproximadamente um terço dos ativos da Secretaria de Estado na época, porque em violação das disposições sobre a administração de ativos eclesiásticos». Essa soma foi paga entre 2013 e 2014, por ordem do então substituto D. Giovanni Angelo Becciu, para a subscrição de ações da Athena Capital Commodities, um fundo de hedge referente a Raffaele Mincione, com caraterísticas altamente especulativas e que implicava um alto risco para o investidor do capital sem qualquer possibilidade de controlar a gestão. O Tribunal considerou o cardeal Becciu e Mincione culpados do crime de peculato, pois estiveram em contacto direto com a Secretaria de Estado para obter o pagamento do dinheiro, «embora as condições previstas não tenham sido cumpridas, assim como, em concurso entre eles, Fabrizio Tirabassi, funcionário administrativo, e Enrico Crasso».
Quanto ao uso posterior dessa quantia, usada — entre outras coisas — para a compra da empresa proprietária do edifício na Sloane Avenue e para vários investimentos móveis, o Tribunal considerou Raffaele Mincione culpado do crime de autolavagem de dinheiro. Por outro lado, os magistrados do Vaticano excluíram a responsabilidade de Becciu, Enrico Crasso e Fabrizio Tirabassi em relação aos outros crimes de peculato que lhes foram imputados pelo promotor de Justiça, «porque o facto não existe, uma vez que a Secretaria de Estado já não tinha a disponibilidade do dinheiro, pago para subscrever as ações do fundo».
Enrico Crasso foi considerado culpado do delito de autolavagem de dinheiro em relação ao uso da soma de mais de um milhão de euros, «constituindo o lucro do delito de corrupção entre particulares cometido em conspiração com Mincione».
Por outro lado, em relação à recompra pela Secretaria de Estado, em 2018-2019, por meio de uma complexa transação financeira, das empresas proprietárias do mencionado edifício, o Tribunal julgou Gianluigi Torzi e Nicola Squillace culpados do crime de fraude agravada e Torzi também culpado do crime de extorsão em conspiração com Fabrizio Tirabassi, «bem como pelo crime de autolavagem do valor obtido ilegalmente». Torzi, Tirabassi, Crasso e Mincione foram absolvidos do crime de peculato a eles atribuído, «porque o facto não existe», em relação à presumível supervalorização do preço de venda.
Tirabassi foi também considerado culpado do crime de autolavagem em relação à retenção da soma de mais de US$ 1,5 milhão por ele recebida — de 2004 a 2009 — do banco UBS. O Tribunal considerou que o recebimento da quantia pelo réu «constituiu o crime de corrupção em relação ao qual, dado o tempo decorrido, a ação criminal já prescreveu».
Quanto a Tommaso Di Ruzza e Renè Brülhart, respetivamente diretor-geral e presidente da aif , envolvidos na fase final da recompra do edifício da Sloane Avenue, foram absolvidos dos crimes de abuso de poder, a eles imputados, e considerados culpados apenas dos crimes de omissão de informação e omissão de comunicação de transação suspeita ao promotor de Justiça.
Com referência a outras duas linhas de investigação, o cardeal Becciu e Cecilia Marogna foram julgados culpados pelo pagamento, pela Secretaria de Estado, de somas que totalizavam mais de 570 mil euros a favor de Marogna, por meio de uma empresa ligada a ela, «sob a falsa alegação de que o dinheiro seria usado para ajudar a libertar uma religiosa, vítima de rapto na África».
O cardeal Becciu foi também julgado culpado de peculato por ter ordenado, em duas ocasiões, para uma conta em nome da Caritas-Diocese de Ozieri, o pagamento da soma de 125 mil euros realmente destinada à cooperativa Spes, da qual o seu irmão Antonino Becciu era presidente. «Embora o propósito final das somas fosse em si lícito, o Tribunal julgou que o desembolso dos fundos pela Secretaria de Estado constituiu um uso ilícito de tais fundos, constituindo o crime de peculato, em relação à violação do artigo 176 do Código Penal, que pune o interesse privado em atos de ofício, mesmo através de terceiros, em linha com as disposições do cân. 1298 do cic , que proíbe a alienação de bens públicos eclesiásticos a parentes até ao quarto grau». No final, o Tribunal quis frisar que se «chegou à sentença, respeitando todas as garantias dos réus».
Os réus Mincione, Torzi, Tirabassi, Becciu, Squillace, Crasso, Di Ruzza e Brülhart foram absolvidos de todos os outros delitos a eles atribuídos. Monsenhor Mauro Carlino foi absolvido de todos os delitos a ele imputados.
Muitos dos advogados de defesa presentes na Sala de audiências anunciaram que recorrerão.