· Cidade do Vaticano ·

A declaração «Fiducia supplicans» do Dicastério para a doutrina da fé

Bênçãos para casais “irregulares”

 Bênçãos  para casais “irregulares”  POR-051
21 dezembro 2023

Face ao pedido de duas pessoas para serem abençoadas, mesmo que a sua condição de casal seja “irregular”, será possível para o ministro ordenado consentir. Mas sem que esse gesto de proximidade pastoral contenha elementos minimamente semelhantes a um rito matrimonial, lê-se declaração «Fiducia supplicans» sobre o sentido pastoral das bênçãos, publicada pelo Dicastério para a doutrina da fé e aprovada pelo Papa. Um documento que aprofunda o tema das bênçãos, distinguindo entre as bênçãos rituais e litúrgicas e as bênçãos espontâneas, que se assemelham mais a gestos de devoção popular: é precisamente nessa segunda categoria que agora contemplamos a possibilidade de acolher também aqueles que não vivem de acordo com as normas da doutrina moral cristã, mas pedem humildemente para serem abençoados. Desde há 23 anos o ex-Santo Ofício não publicava uma declaração (a última foi em 2000, Dominus Jesus) de tão alto valor doutrinário.

«Fiducia supplicans» começa com uma introdução do prefeito, cardeal Victor Fernandez, que explica que a declaração aprofunda o «sentido pastoral das bênçãos», permitindo que a «sua compreensão clássica seja ampliada e enriquecida» por meio de uma reflexão teológica «baseada na visão pastoral do Papa Francisco». Uma reflexão que «implica um verdadeiro desenvolvimento em relação ao que se disse sobre as bênçãos» até agora, chegando a incluir a possibilidade «de abençoar casais em situação irregular e casais do mesmo sexo, sem validar oficialmente o seu status ou modificar de qualquer forma o ensino perene da Igreja sobre o casamento».

Após os primeiros parágrafos (1-3), em que o pronunciamento anterior de 2021 é lembrado e agora ampliado, a declaração apresenta a bênção no sacramento do matrimónio (par. 4-6), declarando «inadmissíveis ritos e orações que possam criar confusão entre o que é constitutivo do matrimónio» e «o que o contradiz», a fim de evitar que se reconheça de certa forma «como matrimónio algo que não é». Reitera-se que, de acordo com a «doutrina católica perene», somente as relações sexuais dentro do casamento entre um homem e uma mulher são consideradas lícitas.

Um segundo grande capítulo do documento (par. 7-30) analisa o significado das várias bênçãos, que têm como destino pessoas, objetos de devoção, lugares de vida. O documento lembra que, «do ponto de vista estritamente litúrgico», a bênção exige que o que é abençoado «esteja em conformidade com a vontade de Deus expressa nos ensinamentos da Igreja». Quando, com um rito litúrgico específico, «se invoca uma bênção sobre certas relações humanas», é necessário que «o que é abençoado possa corresponder aos desígnios de Deus inscritos na Criação» (11). Portanto, a Igreja não tem o poder de conferir a bênção litúrgica a casais irregulares ou do mesmo sexo. Mas é preciso evitar o risco de reduzir o significado das bênçãos apenas a esse ponto de vista, exigindo para uma simples bênção «as mesmas condições morais exigidas para a receção dos sacramentos» (12).

Depois de analisar as bênçãos nas Escrituras, a declaração oferece um entendimento teológico-pastoral. Quem pede a bênção «mostra-se necessitado da presença salvadora de Deus na sua história», pois expressa «o pedido de ajuda de Deus, a súplica por uma vida melhor» (21). Este pedido deve ser acolhido e valorizado «fora de uma estrutura litúrgica», quando se encontra «numa esfera de maior espontaneidade e liberdade» (23). Analisando-as na perspetiva da piedade popular, «as bênçãos devem ser valorizadas como atos de devoção». Assim, para as conferir não há necessidade de exigir «perfeição moral prévia» como precondição.

Aprofundando esta distinção, com base na resposta do Papa Francisco às dubia dos cardeais publicada em outubro, pedindo discernimento sobre a possibilidade de «formas de bênção, solicitadas por uma ou mais pessoas, que não transmitam uma conceção errada do casamento» (26), o documento afirma que esse tipo de bênção «é oferecido a todos, sem pedir nada, fazendo com que as pessoas sintam que continuam abençoadas apesar dos seus erros e que «o Pai celeste continua a querer o seu bem e a esperar que elas finalmente se abram ao bem» (27).

Existem «várias ocasiões em que as pessoas pedem espontaneamente a bênção, quer em peregrinações, em santuários ou até na rua, quando encontram um sacerdote», e tais bênçãos «são dirigidas a todos, sem excluir ninguém» (28). Portanto, permanecendo proibido ativar «procedimentos ou ritos» para tais casos, o ministro ordenado pode unir-se à oração das pessoas que «embora em união que de modo algum se pode comparar com o casamento, desejam confiar-se ao Senhor e à sua misericórdia, invocar a sua ajuda, ser guiados a uma maior compreensão do seu plano de amor e de verdade» (30).

O terceiro capítulo da declaração (par. 31-41) abre a possibilidade destas bênçãos, que representam um gesto para quantos, «reconhecendo-se indigentes e necessitados da sua ajuda, não reivindicam a legitimidade do próprio status, mas imploram que tudo o que é verdadeiro, bom e humanamente válido nas suas vidas e relacionamentos seja investido, curado e elevado pela presença do Espírito Santo» (31). Tais bênçãos não devem ser normalizadas, mas confiadas ao «discernimento prático numa situação particular» (37). Embora se abençoe o casal, não a união, a declaração inclui entre o que é abençoado o relacionamento legítimo entre as duas pessoas: na «breve oração que pode preceder esta bênção espontânea, o ministro ordenado pode pedir paz, saúde, espírito de paciência, diálogo e ajuda mútua, bem como a luz e a força de Deus para poder cumprir plenamente a sua vontade» (38). Também se esclarece que, para evitar «qualquer forma de confusão e escândalo», quando um casal irregular ou do mesmo sexo pede a bênção, «ela nunca será realizada em simultâneo com os ritos civis de união ou até em conexão com eles. Nem sequer com as roupas, os gestos ou as palavras próprias de um casamento» (39). Este tipo de bênção «pode encontrar o seu lugar noutros contextos, como a visita a um santuário, o encontro com um sacerdote, a oração recitada num grupo ou durante uma peregrinação» (40).

Concluindo, o quarto capítulo (par. 42-45) lembra-nos que «até quando a relação com Deus está obscurecida pelo pecado, é sempre possível pedir a bênção, estendendo-Lhe a mão», e desejá-la «pode ser o melhor possível em certas situações» (43).