· Cidade do Vaticano ·

Anunciar o Evangelho em contexto universitário

O Papa Francisco reza a oração de vésperas com o Clero no Mosteiro dos Jerónimos, no segundo dia da ...
30 novembro 2023

«Rumo a uma visão poliédrica»: assim quisemos chamar o primeiro encontro de pastoral universitária organizado pelo recém-criado Dicastério para a Cultura e a Educação. E sem esconder que o título reflete uma pretensão: a de contribuir não só para uma ampla reflexão, mas também para um reforço criativo e sinodal da missão neste campo que nos une a todos. Na verdade, a pastoral universitária não pode ficar indiferente àquele dinamismo que a síntese final da sessão sinodal de outubro passado designou como uma «nova consciência da dimensão sinodal da Igreja», nem à proclamação de que «mais do que dizer que a Igreja tem uma missão» é preciso reconhecer «que a Igreja é missão». Ao mesmo tempo, é o próprio Sínodo que nos recorda que, quando nos confrontamos com a chamada à missão, devemos partir também da constatação de que «os contextos culturais em que a Igreja está presente revelam diferentes necessidades espirituais e materiais». Que necessidades espirituais são essas? E quais as materiais diferentes trazem as universidades para a construção da missão eclesial de hoje? E como nos tornamos mais ou menos conscientes desta diversidade? O ambiente universitário é certamente um contexto cultural específico, com os seus próprios desafios, e precisamos de escutar juntos, mais uma vez, as suas necessidades e aspirações, e ouvir o que o Espírito está a dizer a esta porção da Igreja (Ap 2,7).

«O que vês?»

Na experiência da fé bíblica, damo-nos conta de que a visão é um passo importante no processo de revelação da Palavra de Deus e de resposta a essa Palavra através da adesão profunda do Povo de Deus. Isto aconteceu tanto no Antigo Testamento, com os profetas, como no Novo Testamento, particularmente na ação de Jesus. A visão desempenha um papel propulsor, desafia o estado atual das coisas, abala o nosso comodismo de quem se realizou, faz emergir outras possibilidades, serve de alavanca para o presente relançando-o. E é curioso que algumas destas visões não são sonhos ou imagens oníricas a colocar no plano de uma hermenêutica do fantástico. Deus fala também através da história minuciosa e dos seus acontecimentos comuns. Há uma operação a que poderíamos chamar a narrativização da Revelação. Deus comunica através da realidade histórica, das suas contradições e dos seus sonhos, manifestando-se nas interrogações, nos impasses, nas passagens e nas transformações. Foi assim que o profeta Jeremias ouviu a ordem que o Senhor lhe dirigiu: «Levanta-te e desce à oficina do oleiro; ali te farei ouvir a minha palavra» (Jr 18, 2). Entrou e viu simplesmente: «Se o vaso que estava a moldar se partisse, como acontece com o barro na mão do oleiro, [ele] tentaria de novo e faria outro» (Jr 18, 4). A visão descreve assim três etapas, por todos conhecidas: o barro que se quebra nas mãos do oleiro; a coragem de recomeçar; a sabedoria de fazer com ele outro vaso.

Do mesmo modo, há uma passagem no Evangelho de Marcos (8, 22-26) que nos permite ver claramente a pedagogia de Jesus a atuar sobre o olhar.

Chegaram a Betsaida e trouxeram-lhe um cego, pedindo-lhe que o tocasse. Tomou o cego pela mão, conduziu-o para fora da aldeia e, depois de lhe ter posto saliva nos olhos, impôs-lhe as mãos e perguntou-lhe: «Vês alguma coisa?» O cego, levantando os olhos, disse: «Vejo pessoas, porque vejo como árvores que andam». Então, impôs-lhe de novo as mãos sobre os olhos, e ele viu claramente, ficou curado e, de longe, via tudo distintamente.

Jesus toma o homem pela mão e leva-o para fora da aldeia. A transformação dá-se quando aceitamos sair do nosso ponto de vista habitual (da nossa aldeia, poderíamos dizer) para um novo lugar, que não é tanto um lugar como uma relação, uma nova visão. Quando se encontram sozinhos, Jesus põe saliva nos olhos do cego. É um elemento simbolicamente forte, porque a saliva é uma seiva, uma secreção que vem do próprio Jesus. Ele não prepara um remédio externo, não propõe uma planta ou as entranhas de um peixe como remédio. O remédio é Jesus. E é então que nasce o mais imprevisível dos diálogos. Jesus pergunta ao homem: «O que vês?»; é uma pergunta específica, não geral nem abstrata. «O que vês neste momento?». «Vejo homens e vejo-os como árvores a andar». Não há queixa, não há acusação, mas a coragem da objetividade: «Vejo isto». Jesus pode então corrigir, redirecionar o seu olhar, e o homem começa a ver claramente. A autenticidade do homem, que admite «não vejo bem», «vejo os homens como árvores», dá-lhe a oportunidade de ser curado e de passar a ver com clareza. Precisamos de aprender a aceitar simplesmente a história tal como ela é. Aceitar a vida sem moralizar, sem ocultar, expondo a nossa situação, confiando que Ele nos pode transformar. É assim que Jesus lhe permite habitar um novo horizonte, uma nova visão: habitar a verdade como se fosse um limiar.

«O que vês?» e «O que vês neste momento?» são também pontos de partida preciosos para a nossa reflexão. Mas no ver há uma dimensão dramática, que nos obriga a rever criticamente os nossos limites. Como o próprio Jesus nos recorda, podemos ouvir sem compreender e olhar sem ver verdadeiramente (Mt 13, 14). Creio que é a isto que se refere o Papa Francisco quando nos desafia a substituir a esfera pelo poliedro. Fá-lo, por exemplo, na sua Exortação Apostólica programática Evangelii gaudium e, mais tarde, na Constituição Apostólica Veritatis gaudium. Diz: «O modelo não é a esfera... O modelo é o poliedro, que reflete a confluência de todas as parcialidades que nele conservam a sua originalidade... e que a todos incorpora verdadeiramente» ( eg 236). A esfera e o poliedro são dois modelos de visão. A justaposição que o Santo Padre propõe não tem o objetivo de opor figuras geométricas, mas de nos ajudar a pensar em modelos de leitura da realidade, em paradigmas de organização pastoral. A esfera descreve um ambiente em termos totais: contém todas as coisas e nada existe fora dela. É por isso que se fala de esfera terrestre, de atmosfera ou, nas culturas digitais, de blogosfera. Esta ambição de compreender a realidade de uma forma holística pode ser tranquilizadora, mas, por outro lado, corre o risco de ser uma ilusão, uma vez que a comunidade universitária possui, de facto, aspetos fundamentais comuns — não é por acaso que a palavra “universidade” tem um forte “uni-”, de uno, único, universal —, mas é intrinsecamente constituída por uma vasta diversidade com a qual somos chamados a confrontar-nos, também de um ponto de vista pastoral. Diversidade humana, diversidade de saberes, de percursos, de identidades ou de papéis. A universidade não é um todo homogéneo e contínuo. É por isso que a imagem do poliedro pode vir em nosso auxílio. A sua etimologia baseia-se na associação entre dois componentes lexicais e semânticos, em que poli- significa “vários, diferentes, muitos” e hedra- significa “faces”. O poliedro é, assim, uma figura que, na direção oposta à prática do ponto de vista exclusivo ou do pensamento único, chama a nossa atenção para os diversos aspetos e as múltiplas dimensões que entram na composição da realidade, para a complexa arquitetura das relações sociais e pessoais. A realidade não se apresenta sob uma única forma: não é plana e rígida, é multiforme e plástica; não se apresenta como um esquema que se repete automaticamente, mas como uma versatilidade sempre capaz de surpreender. A pastoral universitária deve ter em conta este facto.

Partindo desta constatação, gostaria de sublinhar aqui cinco aspetos.

1) O que faz de uma universidade
uma universidade católica

A universidade é uma das grandes invenções humanas. Tem mais de mil anos de história, constituindo assim um caso notável de durabilidade de uma instituição, e revelando-se um polo incomparável de criatividade, de liberdade de pensamento e de paixão pelo saber. Essa alegria de procurar juntos a verdade de que falava Santo Agostinho, e que naturalmente se prolonga na alegria de a descobrir e de a comunicar desinteressadamente nas diferentes áreas do saber, é a sua missão fundamental. Ao mesmo tempo que é um espaço no qual o sujeito encontra condições favoráveis para desenvolver a sua singularidade, a universidade não deixa de ser também uma extraordinária aventura coletiva. O caráter coletivo aparece, por exemplo, já cunhado na designação que lhe deu origem, o termo latino universitas que descrevia a corporação dos mestres e dos seus alunos, «livremente unidos no mesmo amor pelo saber», como recorda o incipit da Constituição Apostólica Ex corde Ecclesiae. E, como explica o Papa São João Paulo ii , ainda no mesmo documento, a tarefa privilegiada da universidade dita católica «é a de “unificar existencialmente no trabalho intelectual duas ordens de realidade que muitas vezes tendem a opor-se como se fossem antitéticas: a busca da verdade e a certeza de conhecer já a fonte da verdade”» (n. 1).

É importante ter presente que o que confere a uma universidade o estatuto de católica não é o apoio de uma diocese ou de uma instituição religiosa. Nem a presença de uma capela e de um capelão, ou a realização das mais variadas iniciativas pastorais. A catolicidade de uma universidade exprime-se, antes de mais, no «esforço conjunto da inteligência e da fé que permite que os homens atinjam a plena medida da sua humanidade» (n. 5). Na dedicação total, nos diversos caminhos do saber, «à busca de todos os aspetos da verdade na sua ligação essencial com a Verdade suprema, que é Deus» (n. 4). Por conseguinte, a pastoral universitária não pode ser a mera importação e reprodução de um modelo pastoral externo que não tem em conta a especificidade cultural de uma universidade ou da natureza que a define. Ela deve assumir, e certamente traduzir em chave pastoral, aquela que é a identidade de uma universidade, deve encarnar-se, em diálogo contínuo com este contexto. Por exemplo, como se afirma no relatório final do Sínodo: «É necessária uma atenção renovada à questão das linguagens que usamos para falar às mentes e aos corações das pessoas numa grande diversidade de contextos, de uma forma que seja acessível e bela» (5.l). Há muito a fazer neste domínio e não devemos ter medo. Temos de relacionar a fé com a vida, o cristianismo com a cultura, a fé com a ciência, a interioridade com a dimensão emocional, o eterno com a atualidade. E ousar novos formatos para o fazer. Imaginar novas coreografias para a evangelização, conscientes de que o contexto universitário não é apenas um decòr. Com razão, a Constituição Ex corde Ecclesiae não apresenta um caminho paralelo, alternativo ou suplementar para a pastoral universitária em relação aos temas e atores da universidade. Pelo contrário, afirma que esta dimensão pastoral deve ser «parte integrante da sua atividade e estrutura» e pode «influir em todas as suas atividades», integrando assim a vida com a fé (n. 38). Não se chega até aqui sem descobrir qual deve ser o estilo de uma presença, «um estilo de presença, de serviço e de anúncio que procura construir pontes, cultivar a compreensão mútua e empenhar-se numa evangelização que acompanha, escuta e aprende».

2) Uma mutação sociológica,
um desafio para a missão

Por outro lado, o espaço tradicional da pastoral universitária está a ser rapidamente reconfigurado. Hoje, as universidades católicas são cada vez mais, em termos sociológicos, culturais e religiosos, um espaço pluralista e heterogéneo, onde aqueles que declaram ter uma prática religiosa e litúrgica católica são tendencialmente uma minoria. Para a esmagadora maioria, a relação que têm com uma prática crente estruturada é ambígua e ocasional, mas a verdade é que isso não deixa de constituir, com toda a sua complexidade, uma solicitação que devemos escutar. Quais são os eixos que estruturam e encarnam a identidade cristã na universidade de hoje? Como se reconhece cristão um universitário? A transmissão geracional, a história, o tempo e o território já não são os pilares que sustentam o caminho da Fé. A crise atual, como alguém recorda, não é tanto uma crise de crença como de pertença, e da dificuldade que as comunidades têm hoje em dialogar com as mudanças culturais em curso. Os percursos da identidade crente são mais individuais e, porventura, também mais exigentes; a mobilidade colide com as mediações estáticas da iniciação e da celebração; novos espaços de construção social emergem nas vastas e ainda desconhecidas redes do eletrónico e do virtual; impõem-se novos códigos de cooperação com a realidade; não se propagam apenas uma técnica e um comportamento, mas uma nova cultura e uma nova forma de civilização. O mundo de hoje não é igual ao mundo de ontem. A decisão de tomar como nossa interlocutora a realidade objetiva, e não um mundo idealizado, é uma espécie de refrão no magistério do Papa Bergoglio. Sabemos que esta é uma questão que a universidade nem sempre coloca: “para quem estamos a falar?”, “quem são realmente os nossos interlocutores?”, “que mundo real nos propomos servir?”. Não nos contentemos em ver as pequenas capelas das nossas universidades cheias de fiéis: a universidade é um mundo muito maior. Sintamos antes que esta é a hora da missão. Hoje, a universidade tornou-se o lugar de uma primeira missão, e a necessidade de uma mistagogia adequada e ativa, de uma prática credível do diálogo, de uma aliança com a cultura que nos aproxime da realidade do homem e das suas sensibilidades, é atual como nunca. Precisamos de coragem e sabedoria para anunciar um cristianismo no seu núcleo dinâmico e essencial, movidos pelo desejo missionário de chegar a todos, não apenas aos já convertidos. Precisamos de uma pastoral em chave missionária. Como exorta o Papa Francisco na Evangelii gaudium: «Uma pastoral em chave missionária não está obcecada com a transmissão desarticulada de uma multidão de doutrinas que se procura impor à força de insistência. Quando se assume um objetivo pastoral e um estilo missionário, que chega verdadeiramente a todos sem exceção nem exclusão, o anúncio centra-se no essencial, naquilo que é mais belo, maior, mais atraente e, ao mesmo tempo, mais necessário. A proposta simplifica-se, sem perder profundidade e verdade, e torna-se assim mais convincente e luminosa» ( eg 35). A proposta que fazemos deve ter uma transparência, uma vitalidade de testemunho e uma legibilidade que sejam convincentes.

3) Implementar uma mística
de convivência

A universidade é uma comunidade de pessoas que vivem em estreita interação, produzindo sinergias sem as quais o projeto educativo e eclesial carece de eficácia. A sua riqueza só se manifesta quando valoriza todos os atores que compõem a realidade educativa e se torna uma verdadeira corporação. Quem trabalha numa universidade sabe a importância vital de todos os seus membros. Os professores e os investigadores devem ter uma grande qualidade científica e humana. Mas também é verdade que, todos os anos, o desempenho dos alunos se revela decisivo para a qualificação da universidade. E, quantas vezes, uma das chaves para um ambiente comunitário positivo é a pessoa administrativa da secretaria que sabe estar disponível com competência e afabilidade, ou a pessoa que serve o café no bar durante os intervalos das aulas, e com uma gentileza que faz bem a todos! É aqui que a pastoral universitária desempenha um papel crucial: deve ser um lugar que faça sentir que a universidade é construída por todos. Um lugar de inclusão, de reconhecimento e de participação. Diz o Papa Francisco: «Sentimos o desafio de descobrir e transmitir a “mística” de viver juntos, de nos misturarmos, de nos encontrarmos, de nos abraçarmos, de nos apoiarmos, de participarmos nesta maré um pouco caótica que pode transformar-se numa verdadeira experiência de fraternidade» ( eg 87). A universidade é um grande laboratório de encontro; prepara protagonistas capazes de reinventar e de se reinventarem na abertura à alteridade. Baseia-se na escuta mútua e no exercício corresponsável de práticas colaborativas. Cria redes. Promove a aproximação entre saberes para enfrentar os complexos desafios do presente através da inter e transdisciplinaridade, mas também através das pessoas. E aqui a pastoral universitária desempenha um papel fundamental. Devemos interroga-nos francamente sobre o que melhor define a nossa universidade: se é o muro que rodeia o campus e a protege, isolando-a, ou a sua criatividade e audácia no lançamento de redes internas e externas que a expõem e expandem. A capelania ou a pastoral universitária não pode ser uma ilha, onde tudo se centra na figura do capelão, mas uma experiência concreta de corresponsabilidade e sinodalidade. É necessário, por exemplo, oferecer aos jovens uma primeira experiência de comunhão e de participação nos conselhos e na ação eclesial. O Sínodo insiste em que «o Povo Santo de Deus não é apenas o objeto, mas antes de mais o sujeito corresponsável da formação. [...] Os domínios em que se desenvolve a formação do Povo de Deus são múltiplos. Para além da formação teológica, foi mencionada a formação numa série de competências específicas: o exercício da corresponsabilidade, a escuta, o discernimento, o diálogo ecuménico e inter-religioso, o serviço aos pobres e o cuidado da casa comum, o empenho como “missionários digitais”, a facilitação de processos de discernimento e de conversação no Espírito, a construção de consensos e a resolução de conflitos. [...] Devemos ultrapassar a mentalidade de delegação que se encontra em tantos domínios da pastoral. A formação em chave sinodal visa capacitar o Povo de Deus para viver plenamente a sua vocação batismal, [...] nas esferas eclesial, social e intelectual, e tornar cada um capaz de participar ativamente na missão da Igreja de acordo com os seus próprios carismas e vocação». De que maneira nos deixamos questionar e desafiar por esta mentalidade sinodal e ministerial?

4) Testemunhar
o que a experiência religiosa
traz à cultura

O pensador e poeta Paul Claudel fez, a propósito da ligação entre experiência religiosa e cultura, um discurso que precisa de ser reabilitado: recordou os benefícios que a religião traz à cultura. Destacou três em particular. O primeiro é que a fé permite o louvor e o canto. «A grande poesia, desde os hinos védicos até ao Cântico das Criaturas de S. Francisco, é de louvor». Sobre este tema («A vocação litúrgica do ser humano»), Abraham Joshua Heschel escreveu também páginas absolutamente inesquecíveis: «Onde quer que haja uma centelha de vida, há um culto silencioso. O mundo une-se sempre em adoração. O homem é o cantor do universo e na sua vida revela-se o segredo da oração cósmica. Cantar é reconhecer e afirmar que o espírito é real e que a glória está presente. O ato litúrgico não é apenas um ato de expressão da alma humana; é também uma forma de trazer o espírito à terra». E esta é uma primeira contribuição da experiência religiosa e da pastoral universitária: testemunhar a vocação litúrgica a partir da vida, mostrar como o crente é uma árvore de gestos e como a fé é uma coreografia dos sentidos e do sentido.

A segunda contribuição de Claudel é que a religião não transmite apenas o canto, mas também o logos. De facto, a religião cristã trouxe ao mundo não só a alegria mas também o sentido. A beleza distancia-se assim vertiginosamente das práticas do esteticismo (a sua doença mortal), hoje de novo uma tentação. É o esplendor da verdade chamada a iluminar todas as dimensões da existência e a permitir que o homem nasça verdadeiramente. «Pode um homem, depois de velho, entrar uma segunda vez no ventre de sua mãe e nascer de novo?», perguntava Nicodemos. «Jesus respondeu: “Em verdade, em verdade, te digo: se alguém não nascer da água e do Espírito, não pode entrar no Reino de Deus... Não te admires se eu te disser: é preciso nascer do alto”» (Jo 3, 4-7). A pastoral universitária deve ajudar muitos e muitas a nascer, realizando a experiência profunda e vital de quem descobre que a verdade se revela sempre de novo como a verdade que salva.

 Por fim, um terceiro contributo: a religião coloca-nos na esfera do drama. Numa época que ofusca o valor do sim ou do não, em que não há nada a esperar e nada a perder, o drama extingue-se. A vida torna-se progressivamente indolor. Mas, recorda o catolicismo, “somos capazes de um bem e de um mal infinitos”. Há um divino drama humano. E o último ato deste drama, como diz Pascal, é sempre sangrento, mas é também o mais magnífico, pois a religião não só inseriu o drama na vida, mas levou-o à sua conclusão na morte de Jesus e, para além da morte, na sua Ressurreição. O anúncio cristão exige que a vida humana seja levada a sério e que o amor pela humanidade seja vivido até às suas extremas consequências.

É preciso estabelecer uma ligação, a partir do interior, entre religião e cultura. O culto deve desabrochar em cultura, e cultura nova, capaz de produzir uma vitalidade impregnada de futuro. Para isso, temos de correr mais riscos. No seu discurso na Universidade Católica Portuguesa, durante as Jornadas Mundiais da Juventude, o Papa Francisco disse: «Permiti que vos diga: procurai e arriscai... abracemos o risco de pensar que não estamos numa agonia, mas num parto; não no fim, mas no início dum grande espetáculo. E é precisa coragem para pensar assim. Por isso sede protagonistas duma “nova coreografia” que coloque no centro a pessoa humana, sede coreógrafos da dança da vida».

5) Ousar a criatividade
e a renovação

Na Constituição Apostólica Ex corde Ecclesiae, o Papa São João Paulo ii ofereceu às Universidades Católicas um encorajamento ao qual vale a pena voltar. Além disso, está em sintonia com o que foi afirmado pelo Concílio Vaticano ii , uma vez que a Gravissimum educationis já tinha atribuído às escolas superiores ligadas à Igreja o horizonte de investigar «com exatidão as novas questões e pesquisas suscitadas pelo progresso da idade moderna», para que «se possa compreender mais claramente como a fé e a razão se encontram na única verdade» ( ge 10). O espírito da Constituição Apostólica Ex corde Ecclesiae é certamente o de enraizar as Universidades Católicas no «coração da Igreja» (n. 1) e na sua missão, numa «ardente busca da verdade» (n. 2), na «fidelidade à mensagem cristã» (n. 13) e no «empenho institucional ao serviço do povo de Deus e da família humana» (n. 13). Mas também desafia a universidade a posicionar-se como «um centro incomparável de criatividade» (n. 1), a sentir-se chamada «a uma renovação contínua» (n. 7), especialmente «no mundo atual, caraterizado por uma evolução tão rápida da ciência e da técnica» (n. 7). A renovação constante, numa instituição que faz da busca da verdade e da sua transmissão desinteressada o seu modo de existência, deve, portanto, ser considerada normal. As Universidades Católicas devem, de facto, dialogar com o novo, trabalhar as questões e os problemas atuais, e constituir-se como grandes laboratórios do futuro. Das Universidades Católicas e da pastoral nelas vivida não se espera apenas que mantenham viva a nobre memória do passado, mas que sejam também sensores e incubadoras do amanhã. Esta renovação que as caracteriza deve, no entanto, ser acompanhada e sustentada, como recorda a Ex corde Ecclesiae, pela «clara consciência» (n. 7) daquela que é a sua natureza e identidade.

Não há a menor dúvida de que o futuro exige uma visão interativa, uma maturidade poliédrica da realidade e a audácia de correr riscos. O risco é, como bem sabemos, inseparável de um contexto educativo digno desse nome. O Papa Francisco recorda-o com paixão: «Um educador que não sabe correr riscos não serve para educar. [...] Neste ponto, estás seguro, mas isso não é definitivo. É preciso dar mais um passo. Talvez escorregues, mas levantas-te, e avanças... O verdadeiro educador deve ser um mestre do risco».

As universidades, e a fortiori as universidades da Igreja, situam-se numa encruzilhada de possibilidades culturais, científicas, sociais e religiosas. Elas não vivem para si mesmas, como se fossem bolhas impermeáveis da realidade. Pelo contrário, desenvolvem-se tanto mais quanto mais se tornam capazes de escutar, de exercer de forma corresponsável práticas de colaboração, de encontros geradores entre pessoas e culturas. Isto requer uma inteligência criativa, mas também um discernimento que não pode ser parcial ou improvisado, mas enraizado nos próprios valores.

No início do seu pontificado, sublinhando o papel decisivo das universidades na dinâmica da transição cultural que estamos a viver, o Papa Francisco exortou: «É importante ler a realidade olhando-a de frente. As leituras ideológicas ou parciais não servem para nada, apenas alimentam a ilusão e a desilusão. Ler a realidade, mas também viver essa realidade, sem medo, sem fuga e sem catastrofismo. Cada crise, mesmo a atual, é uma passagem, o trabalho de um parto que comporta fadiga, dificuldade, sofrimento, mas que traz em si o horizonte da vida, de uma renovação, traz a força da esperança. E esta não é uma crise de “mudança”: é uma crise de “mudança de época”. É uma época que está a mudar. Não se trata de mudanças epocais superficiais... A Universidade como lugar de “sabedoria” tem uma função muito importante na formação do discernimento para alimentar a esperança». É isto que se exige da pastoral universitária: que alimente a esperança. Que ela seja antena e sonda para difundir a novidade do Espírito do Ressuscitado.

José Tolentino de Mendonça