· Cidade do Vaticano ·

Discurso do Pontífice aos participantes na conclusão dos trabalhos

Os mártires modelos fortes para o nosso tempo

 Os mártires   modelos fortes para o nosso tempo  POR-047
23 novembro 2023

A santidade dos mártires constitui «um modelo forte» para a Igreja, «desde as comunidades das origens até aos nossos dias», recordou o Papa no discurso que dirigiu na manhã de 16 de novembro aos participantes no congresso organizado pelo Dicastério para as causas dos santos sobre «A dimensão comunitária da santidade», que teve início no dia 13 no Instituto patrístico Augustinianum e terminou com a audiência papal na sala Clementina.

Prezados irmãos e irmãs
bem-vindos!

Saúdo-vos com alegria no final da conferência sobre o tema A dimensão comunitária da santidade, organizada pelo Dicastério para as Causas dos Santos. Agradeço ao Cardeal Marcello Semeraro, aos demais Superiores, aos Oficiais, aos Postuladores, a D. Paglia e a todos vós que participastes nos trabalhos destes dias.

Oferecestes-me o comentário à Exortação apostólica Gaudete et exsultate, publicada pelo Dicastério no 10º aniversário do meu pontificado. Obrigado de coração! Espero que as reflexões contidas no volume possam ajudar muitos a compreender sempre melhor a chamada universal à santidade.

Este tema da vocação universal à santidade, e nela a sua dimensão comunitária, é muito caro ao Concílio Vaticano ii , que falou sobre isto especialmente na Lumen gentium (cf. cap. v ). Não é por acaso que, nesta perspetiva, nos últimos anos tenha aumentado o número de beatificações e canonizações de homens e mulheres pertencentes a diferentes condições de vida: esposos, celibatários, sacerdotes, consagradas, consagrados e leigos de todas as idades, proveniências e culturas, até famílias, penso na família mártir polaca. De modo particular, na Gaudete et exsultate, eu quis chamar a atenção para a pertença de todos estes irmãos e irmãs ao «santo povo fiel de Deus» (n. 6), assim como para a sua proximidade a nós, como santos «da porta ao lado» (n. 7), membros das nossas comunidades, que viveram uma grande caridade nas pequenas situações da vida diária, apesar dos seus limites e defeitos, seguindo Jesus até ao fim. Por isso, agora gostaria de refletir convosco sobre este tema, evidenciando, três entre os numerosos aspetos possíveis: a santidade que une, a santidade familiar e a santidade martirial.

Primeiro: a santidade que une. Sabemos que a vocação a que todos somos chamados se realiza antes de tudo na caridade (cf. Lumen gentium, 40), dom do Espírito Santo (cf. Rm 5, 5) que une em Cristo e aos irmãos: portanto, não é apenas um acontecimento pessoal, mas também comunitário. Quando Deus chama o indivíduo, é sempre para o bem de todos, como no caso de Abraão e Moisés, de Pedro e Paulo. Chama o indivíduo para uma missão. De resto, tal como Jesus, Bom Pastor, chama cada uma das suas ovelhas pelo nome (cf. Jo 10, 3) e procura a tresmalhada para a reconduzir ao redil (cf. Lc 15, 4-7), do mesmo modo a resposta ao seu amor não pode deixar de se realizar numa dinâmica de envolvimento e intercessão. É o Evangelho que no-lo mostra, por exemplo, em Mateus que, recém-chamado por Jesus, convida os seus amigos para o encontro com o Messias (cf. Mt 9, 9-13) ou em Paulo que, depois de ter encontrado o Ressuscitado, se torna Apóstolo dos gentios. O encontro com Jesus tem esta dimensão comunitária!

Esta realidade é expressa de modo particularmente comovedor por Santa Teresa do Menino Jesus, a quem, no 150º aniversário do nascimento, dediquei a Exortação apostólica C’est la confiance. Nos seus escritos, com uma sugestiva imagem bíblica, ela contempla a humanidade inteira como o «jardim de Jesus», cujo amor abraça todas as suas flores de modo inclusivo e ao mesmo tempo exclusivo (cf. Manuscrito A, 2 rv ), pedindo para se deixar inflamar até à incandescência pelo fogo de tal amor, para conduzir a ele, por sua vez, todos os irmãos (cf. Manuscrito c , 34 r -36 v ). É a evangelização «por atração» (Exortação apostólica Evangelii gaudium, 14), o testemunho, fruto da mais alta experiência mística do amor pessoal e, ao mesmo tempo, da «mística do nós» (Constituição apostólica Veritatis gaudium, 4a). Nela compenetram-se as duas modalidades de presença do Senhor, quer no íntimo de cada pessoa (cf. Jo 14, 23), quer no meio dos que estão reunidos em seu Nome (cf. Mt 18, 20); no “castelo da alma” e no “castelo da comunidade”, para usar uma imagem cara a Teresa de Ávila (cf. O castelo interior). A santidade une e, através da caridade dos santos, podemos conhecer o mistério de Deus que «unido [...] a cada homem» (Constituição pastoral Gaudium et spes, 22), abraça toda a humanidade na sua misericórdia, a fim de que todos sejam um só (cf. Jo 17, 22). Quanta necessidade tem o nosso mundo de encontrar a unidade e a paz em tal abraço!

Passemos ao segundo ponto: a santidade familiar. Ela resplandece eminentemente na Sagrada Família de Nazaré (cf. Gaudete et exsultate, 143). Mas hoje a Igreja propõe-nos muitos outros exemplos: «Esposos santos, nos quais cada um dos cônjuges é instrumento de santificação do outro» (ibid., 141). Pensemos nos santos Luís e Zélia Martin; nos beatos Luís e Maria Beltrame Quattrocchi; nos veneráveis Tancredi e Giulia di Barolo; nos veneráveis Sérgio e Domingas Bernardini. A santidade dos esposos, para além da santidade particular de duas pessoas distintas, é também santidade comum na conjugalidade: daí a multiplicação — não simples adição — do dom pessoal de cada um, que se comunica. E um exemplo luminoso de tudo isto — como referi no início — foi-nos oferecido recentemente na beatificação do casal José e Vitória Ulma e dos seus sete filhos: todos mártires! Também eles nos recordam que «a santificação é um caminho comunitário, a percorrer dois a dois» (ibid.), não a sós. Agir sempre com a comunidade!

E assim chegamos ao terceiro ponto: a santidade martirial. É um modelo forte, de que temos muitos exemplos na história da Igreja, desde as comunidades das origens até aos tempos modernos, ao longo dos séculos e em várias partes do mundo. Não há época que não tenha tido os seus mártires, até aos nossos dias. E julgamos que estes mártires não existem. Mas pensemos num caso de vida cristã vivida em martírio contínuo: o caso de Asia Bibi, que durante muitos anos esteve numa prisão, e a filha levava-lhe a Eucaristia. Tantos anos, até ao momento em que os juízes disseram que era inocente. Quase nove anos de testemunho cristão! É uma mulher que continua a viver, e há muitos, tantos como ela, que dão testemunho de fé e de caridade. E não esqueçamos que o nosso tempo também tem muitos mártires! Muitas vezes trata-se de «comunidades inteiras que viveram heroicamente o Evangelho ou ofereceram a Deus a vida de todos os seus membros» (ibid.). E o discurso dilata-se ainda mais, se considerarmos a dimensão do ecumenismo do seu martírio, recordando quantos pertencem a todas as confissões cristãs (cf. ibid., 9). Pensemos, por exemplo, no grupo de vinte e um mártires coptas, recentemente introduzidos no Martirológio romano. Morreram à beira-mar, dizendo: “Jesus, Jesus”!

Caros irmãos e irmãs, a santidade dá vida à comunidade, e vós, mediante o vosso trabalho, ajudais-nos a compreender e a celebrar cada vez melhor a sua realidade e dinâmica, nos numerosos e variados caminhos que examinais e propondes à nossa veneração; diferentes, mas todos orientados para a mesma meta: a plenitude do amor. Nisto consiste o caminho da santidade!

Muito obrigado por isso e encorajo-vos a continuar a vossa bonita missão com alegria, para o bem das pessoas e o crescimento das comunidades. Abençoo-vos de coração e, por favor, não vos esqueçais de rezar por mim. Obrigado!