· Cidade do Vaticano ·

O Pontífice aos participantes no primeiro Encontro nacional de serviços e centros territoriais de escuta para a tutela dos menores e dos mais vulneráveis, promovido pela Cei

Não se pode aceitar silêncio ou ocultação alguma em matéria de abusos

 Não se pode aceitar silêncio  ou ocultação alguma em matéria de abusos  POR-047
23 novembro 2023

«Proteger, escutar e curar»: eis a tripla indicação sugerida pelo Papa Francisco aos participantes no primeiro Encontro nacional de serviços e centros territoriais de escuta para a tutela dos menores e dos mais vulneráveis, recebidos na manhã de 18 de novembro na sala Clementina. A assembleia, promovida pela Conferência episcopal italiana, teve lugar por ocasião do iii Dia de oração da Igreja na Itália pelas vítimas e sobreviventes de abusos, com o tema «A beleza ferida. “Curarei a tua ferida e sararei as tuas chagas” (Jr 30, 17)». A seguir, o discurso do Pontífice.

Estimados irmãos e irmãs, bom dia!

Saúdo o Cardeal Zuppi, D. Baturi e D. Ghizzoni, e saúdo todos vós, representantes diocesanos e regionais dos Serviços de tutela dos menores e dos Centros de escuta. Representais o compromisso da Igreja na Itália, na promoção de uma cultura de proteção dos menores e dos mais vulneráveis. Dou-vos as boas-vindas no final do vosso primeiro Encontro nacional, no dia em que, pelo terceiro ano, todas as comunidades eclesiais da Itália participam na oração, no pedido de perdão e na sensibilização para esta dolorosa realidade. Isto é importante: a participação de todo o povo de Deus. E felicito-vos também porque respondestes prontamente ao convite com o relatório sobre a vossa rede territorial. Obrigado!

Para este encontro, escolhestes como tema A beleza ferida. «Curarei a tua ferida e sararei as tuas chagas» (Jr 30, 17). No vosso serviço, deixai-vos guiar por esta certeza anunciada pelo profeta Jeremias: o Senhor está pronto a curar todas as feridas, até as mais profundas. Mas, para que isto aconteça, é necessária a nossa conversão e o reconhecimento das nossas faltas. Não podemos parar na ação de tutela dos menores e dos vulneráveis e, ao mesmo tempo, de contraste a todas as formas de abuso, tanto sexual, como de poder ou de consciência. A tal respeito, gostaria de sugerir três verbos para orientar cada iniciativa: proteger, escutar e curar.

Em primeiro lugar, proteger: participar ativamente na dor dos feridos e tornar toda a comunidade responsável pela tutela dos menores e dos mais vulneráveis. A inteira comunidade cristã, na riqueza dos seus componentes e competências, deve participar, pois a ação de tutela é parte integrante da missão da Igreja na construção do Reino de Deus. Proteger significa orientar o coração, o olhar e as ações a favor dos mais pequeninos e indefesos. Trata-se de um caminho que exige uma renovação interior e comunitária, na justiça e na verdade. Quem vigia, quem vela sobre o próprio coração, sabe que «não se pode aceitar silêncio ou ocultação alguma em matéria de abusos» — esta não é uma matéria negociável — e sabe também que é importante «prosseguir o apuramento da verdade e a restauração da justiça no seio da comunidade eclesial, até nos casos em que certos comportamentos não são considerados crimes segundo a lei do Estado, mas são tais para o direito canónico» (cf. cei-cism , Diretrizes para a tutela dos menores e das pessoas vulneráveis). Proteger significa também prevenir as ocasiões de mal, e isto só será possível através de constantes ações de formação que visem difundir a sensibilidade e a atenção à proteção dos mais frágeis. E isto é importante também fora do nosso mundo eclesiástico. É suficiente pensar que, segundo as estatísticas mundiais, de 42 a 46 por cento dos abusos ocorrem em família ou no bairro. Silêncio, encobre-se tudo: tios, avós, irmãos, tudo. Além disso, no mundo do desporto, depois nas escolas, e assim por diante.

O segundo elemento é escutar. Para proteger é preciso saber escutar, pondo de lado todas as formas de protagonismo e de interesse próprio. A escuta é um movimento do coração e também uma opção fundamental para colocar no centro de todas as nossas ações quantos sofreram ou sofrem e os mais frágeis e vulneráveis. Pensemos em Jesus que acolhe as crianças e todos os “pequeninos” (cf. Mt 19, 14). Ouvir as vítimas é o passo necessário para fazer crescer uma cultura de prevenção, que se concretiza na formação de toda a comunidade, na aplicação de procedimentos e boas práticas, na vigilância e na clareza de ação, que constrói e renova a confiança. Só a escuta da dor das pessoas que sofreram estes crimes terríveis abre à solidariedade e impele a fazer tudo o que for possível para que o abuso não se repita. É a única maneira de partilhar verdadeiramente o que aconteceu na vida de uma vítima, para nos sentirmos interpelados a uma renovação pessoal e comunitária. Somos chamados a uma reação moral, a promover e a testemunhar a proximidade com quantos foram feridos por abusos. Saber escutar é cuidar das vítimas. «Reparar o tecido dilacerado da história é um ato redentor, é o ato do Servo sofredor, que não evitou a dor, mas assumiu sobre si toda a culpa (cf. Is 53, 1-14). Eis o caminho da reparação e da redenção: o caminho da cruz de Cristo» (Discurso aos membros da Pontifícia Comissão para a Tutela dos Menores, 5 de maio de 2023).

Só percorrendo o caminho da proteção e da escuta é possível curar. Nestes tempos, difundiu-se a cultura do descarte, ao contrário do que diz o Evangelho; as nossas comunidades devem ser uma provocação saudável para a sociedade, na sua capacidade de assumir os erros do passado e abrir novos caminhos. A “cura” das feridas é também uma obra de justiça. Precisamente por isso, é importante perseguir os autores de tais crimes, ainda mais em contextos eclesiais. E eles mesmos têm o dever moral de uma profunda conversão pessoal, que leve ao reconhecimento da própria infidelidade vocacional, à retomada da sua vida espiritual e ao humilde pedido de perdão às vítimas pelos seus gestos.

Por isso, exprimo apreço pelas realidades que representais, Serviços para a tutela dos menores e Centros de escuta, espalhados por todo o país, como lugares de referência para encontrar escuta. Continuai a envidar todos os esforços. E prestai também atenção a algo muito negativo que acontece, que são os vídeos pornográficos que recorrem a crianças. Com efeito, isto acontece, aliás, está ao alcance de quem quer que pague, no telemóvel. Onde são feitos estes filmes? Quem é o responsável? Em que país? Por favor, trabalhai nisto: é uma luta que devemos empreender, porque o que há de mais negativo se espalha nos telemóveis. Por favor, continuai a fazer todos os esforços para que quantos foram feridos pelo flagelo do abuso possam sentir-se livres de se dirigir com confiança aos Centros de escuta, encontrando neles o acolhimento e o apoio que podem aliviar as suas feridas e renovar a confiança traída. Curar significa partilhar a paixão e a experiência eclesial com o compromisso de formar o maior número possível de agentes pastorais. Assim promove-se uma verdadeira mudança cultural que coloca os mais pequeninos e os mais vulneráveis no centro da Igreja e da sociedade. Esta vossa ação eclesial pode favorecer o crescimento da atenção de toda a sociedade italiana para este flagelo que, infelizmente, envolve muitos, demasiados, menores e adultos.

Os resultados do inquérito sobre as atividades dos Serviços e Centros que hoje me entregastes põem em evidência precisamente o bem que sabeis praticar no território, tornando-vos próximos de quem sofreu uma ferida lacerante. O que fazeis é precioso tanto para as vítimas como para toda a comunidade eclesial. O que sobressai destas páginas é o testemunho de um compromisso constante e compartilhado. Este é o caminho para criar confiança, a confiança que conduz a uma verdadeira renovação.

Concluindo, gostaria de vos agradecer pela ajuda que ofereceis a outras Conferências episcopais; bem como por apoiardes os planos da Pontifícia Comissão para a Tutela dos Menores a favor daqueles países, especialmente os países em desenvolvimento, que têm poucos recursos para a prevenção e a implementação de políticas de tutela.

Continuai! Estou próximo de vós no vosso trabalho e abençoo-vos de coração. Rezo por vós, porque o vosso trabalho não é fácil; e vós, por favor, não vos esqueçais de rezar por mim, porque o meu trabalho também não é fácil! Obrigado!