Num mundo que arde, à beira do abismo de um novo conflito mundial; num mundo marcado pela incapacidade de escuta e pelo ódio que fomenta guerras e violências, refletindo-se também no continente digital, que quatrocentas pessoas se tenham reunido durante um mês longe de casa para rezar, para se ouvir e para debater é certamente uma notícia. A Igreja sinodal sobre a qual o Papa Francisco insiste, representa hoje uma pequena semente de esperança: ainda é possível dialogar, aceitar-se mutuamente, pondo de lado o protagonismo do próprio ego para superar polarizações e alcançar um consenso amplamente compartilhado. Vivemos uma hora sombria, uma época em que guerras e terrorismos, que massacram civis e assassinam crianças, se sustentam com a ajuda da violência verbal e do pensamento único. Uma hora sombria em que até “paz”, “diálogo”, “negociação” e “cessar-fogo” se tornaram palavras impronunciáveis. Uma hora sombria marcada pela falta de coragem, de clarividência e de criatividade diplomática a todos os níveis, a começar pelos governos e pelas classes dirigentes. É verdadeiramente necessário apegar-se à oração. É realmente preciso apoiar e seguir uma voz profética capaz de se erguer, de se elevar acima de interesses, ideologias e partidarismos: a do bispo de Roma. No mundo em chamas, o sínodo celebrado neste mês de outubro representa uma pequena semente que, esperamos, será repleta de consequências para o futuro da Igreja e da humanidade inteira.
Olhando para a Igreja e para a sua missão, se analisarmos o documento de síntese desta primeira sessão do único sínodo que terá o seu epílogo daqui a um ano — um texto votado com uma percentagem muito elevada de consensos — descobrimos muitas novidades. Antes de mais, uma nova tomada de consciência sobre a necessidade de aplicar os ensinamentos do último Concílio, relativamente ao único chamamento que envolve todos nós como batizados. Em todas as páginas do Evangelho Jesus, que se aproxima de todos e fala com todos, é hostilizado e combatido pelas castas. Os clérigos da época, habituados a colocar fardos pesados sobre os ombros dos outros, os escribas, os doutores da lei, os mestres da doutrina. É preciso olhar para o Nazareno a fim de recuperar na Igreja, a todos os níveis, desde a Cúria romana até à mais pequenina das paróquias, a consciência de que qualquer ministério é serviço, não poder, e “serve” verdadeiramente se aproxima as pessoas, une, torna corresponsáveis, cria fraternidade, testemunha a misericórdia de Deus, não se afasta, não se refugia nos privilégios, não se traça linhas de separação entre quem é ordenado e quem não é, não considera (talvez mais com ações do que com palavras) o leigo um batizado de segunda classe. Ao mesmo tempo, é preciso evitar também, da parte dos batizados não chamados à vocação sacerdotal mas a outras formas de testemunho e de serviço no único sacerdócio batismal, o risco de desejar clericalizar-se, deixando-se clericalizar, para ir além das pequenas castas dos “leigos comprometidos”. O sínodo sobre a sinodalidade será semente de esperança, se o tempo de graça vivido pelos homens (a maioria, e sobretudo bispos) e pelas mulheres reunidos em Roma for testemunhado como método a aplicar com paciência em todas as expressões da vida das comunidades cristãs. Não será semente de esperança, se for reduzido a execução burocrática, talvez colocando-o no liquidificador da linguagem “eclesialesa” e autorreferencial, uma mistura de velhas categorias clericais. Aquelas de uma Igreja que, com palavras, diz que quer aplicar o Concílio, mas depois age com as categorias pré-conciliares, através de práticas consolidadas, com os bispos e sacerdotes que decidem, e os outros batizados que devem limitar-se a pôr em prática as suas decisões.
Além disso, o relatório de síntese que acaba de ser publicado fala da necessidade comum de dar mais espaço às mulheres, ao génio feminino, ao princípio mariano, tão importante na Igreja. Também neste caso bastaria ter a coragem de olhar mais para o Evangelho e confiar mais em Jesus. Sob a cruz, quando apóstolos e discípulos (exceto João) tinham fugido, permaneceram as mulheres. Enquanto Ele morria, elas ficaram.
E o primeiro anúncio da ressurreição deve-se à sua intuição e à sua coragem de sair do cenáculo. Ao túmulo vazio, foram primeiro as mulheres, não os homens, não os apóstolos assustados que permaneceram fechados em casa. O primeiro anúncio da novidade mais surpreendente da história da humanidade — a do Deus que se faz homem, morre por nós e depois ressuscita, tornando-nos parte deste destino — foi feito por mulheres, não por homens. Elas dão testemunho do que viram, do túmulo vazio, elas são as primeiras a dizer que Jesus está vivo. São elas que fazem a primeira homilia sobre o querigma, sobre o essencial da nossa fé, aos apóstolos e discípulos ainda horrorizados com o que aconteceu na Sexta-Feira Santa. Bastaria começar por aqui para estar todos conscientes de que as mulheres devem ser muito mais valorizadas a todos os níveis na Igreja, superando o flagelo do clericalismo, doença infelizmente ainda muito enraizada e reiteradamente denunciada pelo sucessor de Pedro. Espera-se que o documento de síntese do sínodo represente um ponto de não retorno na recuperação das origens evangélicas também neste campo.
Outro elemento que sobressai do texto votado pelos membros do sínodo é o que se refere ao acolhimento das pessoas feridas. O acolhimento dos pobres — a proximidade e a escolha preferencial por eles é ensinamento de Jesus Cristo e da tradição dos Padres da Igreja, não uma categoria sociológica nem uma descoberta das teologias da libertação — e o acolhimento dos migrantes, nos quais o cristão não pode deixar de ver refletido o rosto da sagrada família de Nazaré em fuga. Mas também o acolhimento dos “irregulares”, dos distantes, dos “inapresentáveis”. Mais uma vez, é preciso voltar ao Evangelho e àquela síntese deveras eficaz, contida nas palavras que o bispo de Roma confiou aos jovens da Jmj de Lisboa, repetindo que na Igreja há verdadeiramente lugar para “todos, todos, todos”. Em cada página do Evangelho, vemos o Nazareno romper tabus e tradições consolidadas, desestabilizar o conformismo e a hipocrisia, para abraçar o pecador, o ferido, o descartado, o irregular, o corrupto, o distante, aqueles que não são “dos nossos”. Fará bem a todos voltar à dinâmica do que ocorreu em Jericó, em março do ano 30, poucos dias antes da paixão, morte e ressurreição de Jesus, quando o Mestre, passando debaixo do sicómoro, eleva o olhar e chama o pequeno publicano corrupto, odiado por todos propondo-se para ir a casa dele. Zaqueu acolhe o Nazareno, reconhece o próprio pecado e converte-se. Mas esta conversão é consequência de ter sido primeiro fitado com amor, acolhido e inundado de misericórdia. Não é um pré-requisito necessário. Precisamos de uma Igreja capaz de fitar assim, com o mesmo olhar de Jesus, cada mulher e cada homem, com as suas misérias, o seu pecado, para fazer com que se sintam acolhidos e acompanhados com paciência e ternura, confiando na obra da graça e da sua ação, com os tempos e os modos de Deus no coração das pessoas e nas suas histórias.
Concluindo, como deixar de mencionar, en passant, os pontos em que a síntese do sínodo solicita que seja revisto o direito canónico, prosseguindo com maior convicção e realismo o caminho do ecumenismo e valorizando mais as estruturas sinodais já existentes. E também que se percorra o caminho indicado em vão por São João Paulo ii , já em 1995, a propósito do ministério do Papa, para «encontrar uma forma de exercício do primado que, sem renunciar de modo algum ao essencial da sua missão, se abra a uma nova situação» (Ut unum sint).
Andrea Tornielli