Na tarde de 28 de outubro, a 16ª Assembleia geral ordinária do Sínodo dos bispos, no final da sua primeira Sessão, aprovou o texto final do Relatório de síntese, que — como sabemos — orientará o caminho eclesial até à segunda e última Sessão, prevista para outubro de 2024.
Trata-se de um texto amplo mas ágil. Amplo porque trata de um leque extremamente rico de questões, ágil porque os temas estão claramente organizados em vinte parágrafos, cada um dos quais começa por especificar as convergências alcançadas, continua explicando as questões a aprofundar e termina fazendo algumas propostas. Para o período entre as duas Sessões, a tarefa das Igrejas locais é definida do seguinte modo: a partir das convergências alcançadas, as Comunidades serão chamadas a aprofundar as questões e propostas, combinando discernimento espiritual, aprofundamento teológico e exercício pastoral.
Por sua vez, os vinte parágrafos estão organizados em três partes, estritamente consequenciais entre si. A primeira parte («O rosto da Igreja sinodal») apresenta os princípios teológicos que iluminam e fundamentam a sinodalidade. A segunda parte («Todos discípulos, todos missionários») trata dos sujeitos que, a vários níveis, formam o Povo de Deus e são chamados, cada um por sua vez, a assumir a sinodalidade como estilo eclesial concreto. A terceira parte («Tecer laços, construir comunidades») centra-se nos processos e organismos que, numa lógica sinodal, permitem o intercâmbio entre Igrejas e o diálogo com o mundo.
Conscientes de que o termo “sinodalidade” ainda não é claro para muitos, dando origem de vez em quando a confusões, preocupações ou expetativas inadequadas, o Relatório procura oferecer desde o início uma definição essencial do mesmo. «A sinodalidade — lê-se no n. 1 — pode ser entendida como caminho dos cristãos em comunhão com Cristo rumo ao Reino, com toda a humanidade; orientada para a missão, implica o encontro em assembleia nos vários níveis da vida eclesial, a escuta recíproca, o diálogo, o discernimento comunitário, a criação de consensos como expressão da presença de Cristo no Espírito e a tomada de decisões em corresponsabilidade partilhada» (letra h).
Num texto como este, é evidente que o Sínodo se situa no sulco da Tradição da Igreja, valorizando a visão eclesiológica do Concílio Vaticano ii e o seu desenvolvimento posterior, propiciado pelo Magistério do Papa Francisco. Isto é demonstrado pela atenção às dimensões cristológica e pneumatológica da Igreja, que remetem para a sua origem trinitária; a tensão escatológica para a realização última do Reino de Deus; a noção de uma Igreja que não se limita a estar “diante” do mundo, mas que vive “no” mundo e caminha “com” a humanidade, participando nas suas alegrias e labutas; a ideia de que a Igreja se constitui no entrelaçamento entre a igualdade batismal, que torna todos os fiéis corresponsáveis pela missão, e a diferença ministerial, que exprime as diversas vocações ao serviço da evangelização.
No Relatório de síntese há espaço para o tema da iniciação cristã, como fonte sacramental da sinodalidade: a comunhão, a participação e a missão dos cristãos nascem da fonte batismal, crescem com a Confirmação e são continuamente alimentadas na mesa da Eucaristia, cuja celebração manifesta a unidade e, ao mesmo tempo, a diversidade da Igreja.
Além disso, o Documento presta atenção à pluralidade das culturas em que se encarna o único Evangelho, de onde surge a necessidade de uma sã descentralização e valorização das instâncias locais. Esta pluralidade exprime-se, em particular, na frutuosa coexistência de diferentes tradições eclesiais, no Ocidente e no Oriente, dando origem ao pedido de valorizar melhor a rica herança das Igrejas orientais, com as suas formas específicas de sinodalidade. Também a exigência de avançar no caminho do ecumenismo, confrontando-se com as tradições sinodais das outras Igrejas e Comunidades eclesiais, está bem presente no Relatório de síntese, graças também à contribuição fundamental dos Delegados fraternos ao longo da Sessão.
Outros temas importantes abordados no texto são a valorização do génio da mulher na missão eclesial, com o pedido de a fazer participar cada vez mais nos processos decisórios a vários níveis; a valorização do contributo profético da vida consagrada e das agregações laicais para a renovação da Igreja; a exigência de aprofundar a natureza e o exercício do ministério diaconal e presbiteral; o papel fundamental do bispo na Igreja sinodal, concebida como comunhão de Igrejas locais; a renovada compreensão do próprio Ministério petrino e do serviço prestado à comunhão eclesial pela Cúria romana.
Concluindo, sem a pretensão de ter feito uma apresentação exaustiva do texto, gostaria de sugerir três instâncias que, embora sejam tratadas em parágrafos específicos, estão efetivamente presentes em todo o Documento:
1) a dimensão missionária, como já sobressai do título («Uma Igreja sinodal em missão»), na clara consciência de que, se a Igreja “é” missão, qualquer renovação eclesial só é autêntica e útil se promover a missão, tornando a Comunidade cristã mais aberta e acolhedora, mais disponível para anunciar o Evangelho e suscitar a fé em Jesus Cristo;
2) a necessidade da formação, porque a sinodalidade é uma “cultura”, uma “forma de Igreja”, um “estilo de vida cristã”, que permeia todos os âmbitos e não pode ser improvisada. Todos os membros do Povo de Deus devem ser formados na sinodalidade, a começar pelos ministros ordenados e pelos leigos e leigas, chamados a assumir funções de responsabilidade eclesial;
3) a solidariedade com a humanidade e os seus dramas, acrescida pelo terrível conflito na Terra Santa, que eclodiu poucos dias depois do início da Assembleia, somando-se à dolorosa lista de guerras do nosso tempo, que agravam a pobreza, obrigam a migrações e levam à morte. Durante este mês, os participantes no Sínodo não se fecharam numa “bolha”, onde era impossível ouvir o grito da humanidade sofredora. Pelo contrário, muitos membros da Assembleia, a começar pelos Pastores das terras ensanguentadas pelos conflitos, mantiveram constantemente viva a atenção nestas questões, ajudando-nos a compreender que a sinodalidade deve permitir que a Igreja tenha cada vez mais uma voz comum contra toda a violência.
Agora este Relatório de síntese, entregue ao Santo Padre, é confiado às Conferências episcopais para que promovam o seu retorno ao Povo de Deus que vive nas Igrejas locais. Muitos membros sugeriram que o Relatório seja traduzido no maior número possível de línguas e que sejam preparadas sínteses do mesmo, por exemplo, adaptadas à linguagem e à sensibilidade dos jovens.
A conclusão do Documento, inspirando-se numa parábola evangélica, compara o trabalho realizado com «uma pequena semente, mas repleta de futuro», que poderá crescer graças à ação do Espírito Santo e à colaboração generosa de todos na sua ação misteriosa. O meu desejo é de que os meses que nos separam da segunda sessão da Assembleia constituam um tempo de graça e de maturidade, para o bem da Igreja e para a vida do mundo. Obrigado!
* Cardeal relator-geral
Jean-Claude Hollerich*