· Cidade do Vaticano ·

Intervenção do secretário-geral

Intervenção do secretário-geral

 Intervenção do secretário-geral  POR-044
31 outubro 2023

No final desta primeira sessão da xvi Assembleia geral ordinária do Sínodo dos bispos, podemos entregar-vos o Relatório de síntese dos trabalhos do Sínodo dos bispos, realizados durante estas três semanas.

O Relatório de síntese é o fruto de um trabalho intenso e fecundo. Um trabalho que não depende tanto das nossas competências e capacidades, mas da escuta do Espírito que invocamos e que a Igreja — estamos certos disto — invocou para a Assembleia durante este mês. Esta Assembleia foi um tempo de discernimento eclesial, durante o qual mantivemos o método do diálogo no Espírito: ouvir-nos uns aos outros para escutar o que o Espírito diz à Igreja. A afirmação insistente do Santo Padre, de que o protagonista do Sínodo é o Espírito Santo não é um slogan, mas o princípio básico de toda a ação sinodal. Sem a escuta do Espírito, tudo se reduz a palavras, a fórmulas talvez belas, mas vazias e estéreis.

Pelo contrário, o Relatório de síntesel é fruto de uma escuta que está a envolver a Igreja numa atitude talvez insólita, mas necessária. Muitos exigem resultados imediatos. Mas a sinodalidade é sobretudo um exercício de escuta: prolongada, respeitosa, acima de tudo humilde. Por isso, gosto de recordar que a Igreja — toda a Igreja! — vive um tempo de escuta desde 10 de outubro de 2021, quando o Santo Padre abriu o processo sinodal em São Pedro. Convém reiterar: o Sínodo não começou com esta sessão da Assembleia!

E não é bom concentrar-nos apenas no momento presente da Assembleia — que, aliás, constitui apenas a primeira sessão da segunda fase — esquecendo a primeira fase, na sua complexidade de etapas e momentos: a consulta do Povo de Deus nas Igrejas locais, o discernimento dos Pastores nas Conferências episcopais, o ulterior ato de discernimento nas Assembleias continentais. Os 70 membros sem múnus episcopal — leigos e leigas, religiosos e religiosas, sacerdotes e diáconos — que participaram como madres e padres sinodais, com direito à palavra e ao voto, são testemunhas deste caminho, memória do percurso que conduziu a este momento. A sua presença não é para representar o Povo de Deus, numa lógica parlamentar, nem como delegados das Igrejas locais, mas como testemunhas de um processo que começou com o Povo de Deus e regressa ao Povo de Deus com a restituição do que emergiu da Assembleia.

O Relatório de síntese fotografa o estado atual do discernimento eclesial. Após a primeira fase, com os seus documentos, este Relatório de síntese contém o resultado dos trabalhos da Assembleia. Se alguém tiver dúvidas, posso tranquilizá-lo: o texto não foi preparado de antemão. O total respeito da Assembleia é demonstrado pelo atraso na entrega do texto: a inclusão dos Modos exigiu tempo. Isto explica também as possíveis diferenças entre o esboço apresentado à Assembleia a 25 de outubro e a redação definitiva.

O que se encontra no Relatório de síntese? Os temas que sobressaíram na Assembleia, sobre os quais houve um verdadeiro consenso. O discernimento eclesial, que se baseia na escuta recíproca para compreender para onde o Espírito conduz a Igreja, assenta no critério do consenso . Na sociedade civil, funcionam geralmente duas dinâmicas: ou a decisão de um ou de alguns, ou a da maioria. A Assembleia também votou, mas como busca do consenso mais amplo e mais convicto.

Vale a pena explicar este princípio, para que não seja entendido em termos sociológicos e confundido com os sistemas que regem a opinião pública. Na história da Igreja, especialmente na Igreja primitiva, as decisões foram geralmente tomadas por consenso. O termo latino conspiratio, usado pelos Padres da Igreja, traduz bem esta dinâmica: a convergência de todos sobre uma posição, em virtude da ação do Espírito que move o coração à adesão, é o critério e a medida da infalibilidade in credendo do santo Povo de Deus. As escolhas foram feitas com base na constatação de que «a totalidade dos fiéis não pode errar na fé» ( lg 12). É claro: se raciocinarmos sobre a Igreja como uma sociedade qualquer, isto aparecerá como um truque para justificar escolhas arbitrárias. Na realidade, até em tempos mais recentes, os Papas definiram alguns dogmas com base na «extraordinária conspiratio dos Pastores e dos fiéis».

Numa Igreja sinodal, fundada na escuta mútua, este princípio pode ser aplicado aos processos de decisão. Há questões sobre as quais a comunidade cristã — sub et cum Petro — exprime um profundo acordo? Elas podem ser assumidas. Noutros, há desacordo, divergência, a ponto de poder gerar tensões e até produzir divisões e cismas. Isto significa que a questão precisa de mais tempo, escuta e estudo, de mais escavações a nível da teoria e da prática, de mais aprofundamento; em síntese, de discernimento. As decisões precipitadas, as afirmações tendenciosas, as conclusões não fundamentadas são o contrário da sinodalidade, pois acabam por atrasar o “caminhar juntos” do Povo de Deus. Não faltará quem afirme que, desta forma, corremos o risco de não tomar decisões para manter o status quo. Na realidade, não é a Assembleia que pode decidir. A sua tarefa é propor. E se lermos atentamente o Relatório de síntese, veremos que esta tarefa foi corretamente desempenhada. Cada tema está estruturado em volta de três núcleos: o consenso a que a Assembleia chegou; as questões a abordar ; as propostas para o ano da primeira sessão, tendo em vista a segunda sessão da Assembleia. Os temas a tratar e as propostas de mudança surgiram do debate nos círculos menores e nas Congregações gerais, com a contribuição de todos.

A confiança e a esperança — reforçadas pela experiência adquirida aqui com os bispos de todas as Conferências episcopais do mundo — é que o Relatório de síntese seja recebido pelas Igrejas como estímulo para continuar o caminho, aprofundar o estilo e a forma sinodal da Igreja, envolver no processo sinodal também quantos ainda não foram alcançados, oferecer contribuições concretas para a compreensão da sinodalidade. Temos pela frente um ano, durante o qual será possível aprofundar as questões e averiguar a possibilidade de progredir na prática da sinodalidade. A Secretaria, o Conselho ordinário do Sínodo, a Assembleia (permanecerá a mesma também para a sessão de outubro de 2024), o grupo de peritos: todos somos chamados a desempenhar a nossa parte para que os frutos da sinodalidade amadureçam. O padre Timothy Radcliffe, op , e a Madre Maria Ignazia Angelini, osb, compararam este ano ao tempo da sementeira: todos somos chamados a cultivar com paciência e dedicação o campo da Igreja sinodal, invocando do Espírito a chuva que faz brotar e crescer a semente, e o sol que a leva à plena maturidade.

*Cardeal secretário-geral da Secretaria geral do Sínodo dos bispos

Mario Grech*