Novas guerras
Há algo que nos escapa no significado de certas palavras. Ou melhor, o significado que atualmente lhes é atribuído. Vejamos duas palavras hoje em uso. O termo inglês “casualties”; em italiano, muitas vezes referido como “dano colateral”. Colateral é algo que se acrescenta, mas de certo modo inevitável. Digamos que os danos colaterais ocorrem quando, num combate em que morrem dez soldados, há um desventurado civil que perde a vida por estar no lugar errado no momento errado. Portanto, dez soldados e um civil. Mas aquilo a que assistimos nos últimos 14 dias é um “dano inversamente colateral”. De ambos os lados, a relação é de 10 civis mortos para cada soldado. O efeito colateral nos desumanos ataques terroristas contra os kibutzim e nos bombardeamentos sobre Gaza é que, além dos milhares de civis mortos, as casualties envolveram também um soldado ou um miliciano.
Não que a vida dos militares tenha menos importância ou nos seja indiferente, mas esta banalidade já adquirida do sacrifício de vítimas inocentes escandaliza-nos, empobrece-nos. Como disse Edith Bruck nas páginas do nosso jornal, «Nunca existem guerras justas, mas pelo menos outrora havia dois exércitos que se enfrentavam [...] estas nem sequer podem chamar-se guerras, mas massacres selvagens».
Nestas novas “guerras” nota-se também uma espécie de aceitação passiva da inevitabilidade do mecanismo de ataque-reação. Faz parte daqueles “esquemas de guerra” de que o Papa Francisco falou frequentemente, esquemas que a humanidade teimosa não consegue interromper.
Amamos Israel e o seu povo, e nunca nos cansaremos de apoiar as razões da sua existência e do seu direito de se defender contra o terrorismo. Mas não podemos deixar de nos interrogar e perguntar: quantos dos mais de 4.000 mortos em Gaza nas últimas duas semanas eram terroristas do Hamas e da Jihad islâmica? E as operações terrestres ainda devem começar. Aqueles cerca de 40 dos nossos irmãos na fé, sepultados sob os escombros da sua igreja, foram “colaterais” do quê?
O presidente Biden e o primeiro-ministro Sunak foram a Israel, Macron faz grandes esforços, e com ele as chancelarias de meio mundo. A Europa está mobilizada, talvez consciente do reflexo pavloviano que a prende às origens longínquas deste conflito. Uma grande atividade que, se tivesse sido exercida antes de 7 de outubro, quando já eram evidentes os sinais de uma degeneração irremediável, ter-nos-ia impedido de assistir a estas tragédias.
O nosso jornal — e também o patriarca Pizzaballa — denuncia há meses o desaparecimento do conflito israelo-palestiniano dos radares das chancelarias ocidentais. Mas até entre os políticos internacionais, que agora procuram um papel de mediação, destaca-se outra expressão que também deve ser analisada: “corredor humanitário”. O corredor humanitário pressupõe uma guerra. Todos os líderes em cena reivindicaram a abertura de corredores humanitários, mas ninguém pediu um “cessar-fogo” imediato.
Um só líder mundial, tanto nesta ocasião como na guerra de agressão da Rússia contra a Ucrânia, solicitou o cessar-fogo: o Papa Francisco, que procurou interromper o esquema de guerra, propondo o esquema de paz. Mas, como a história diz, os profetas de paz são muitas vezes assim chamados porque não são ouvidos. A voz profética de quem alerta que, enquanto cada um estiver concentrado na própria dor, sem reconhecer a do outro, será impossível passar do ódio para a compaixão. E que enquanto ambas as partes não conseguirem reconhecer a dignidade das vítimas do campo adverso, não se sairá desta espiral de ódio.
Andrea Monda