· Cidade do Vaticano ·

Novas guerras
velhos esquemas

epa10928617 The damaged Greek Orthodox Saint Porphyrius Church following an overnight airstrike in ...
26 outubro 2023

Há algo que nos escapa no significado de certas palavras. Ou melhor, o significado que atualmente lhes é atribuído. Vejamos duas palavras hoje em uso. O termo inglês “casualties”; em italiano, muitas vezes referido como “dano colateral”. Colateral é algo que se acrescenta, mas de certo modo inevitável. Digamos que os danos colaterais ocorrem quando, num combate em que morrem dez soldados, há um desventurado civil que perde a vida por estar no lugar errado no momento errado. Portanto, dez soldados e um civil. Mas aquilo a que assistimos nos últimos 14 dias é um “dano inversamente colateral”. De ambos os lados, a relação é de 10 civis mortos para cada soldado. O efeito colateral nos desumanos ataques terroristas contra os kibutzim e nos bombardeamentos sobre Gaza é que, além dos milhares de civis mortos, as casualties envolveram também um soldado ou um miliciano.

Não que a vida dos militares tenha menos importância ou nos seja indiferente, mas esta banalidade já adquirida do sacrifício de vítimas inocentes escandaliza-nos, empobrece-nos. Como disse Edith Bruck nas páginas do nosso jornal, «Nunca existem guerras justas, mas pelo menos outrora havia dois exércitos que se enfrentavam [...] estas nem sequer podem chamar-se guerras, mas massacres selvagens».

Nestas novas “guerras” nota-se também uma espécie de aceitação passiva da inevitabilidade do mecanismo de ataque-reação. Faz parte daqueles “esquemas de guerra” de que o Papa Francisco falou frequentemente, esquemas que a humanidade teimosa não consegue interromper.

Amamos Israel e o seu povo, e nunca nos cansaremos de apoiar as razões da sua existência e do seu direito de se defender contra o terrorismo. Mas não podemos deixar de nos interrogar e perguntar: quantos dos mais de 4.000 mortos em Gaza nas últimas duas semanas eram terroristas do Hamas e da Jihad islâmica? E as operações terrestres ainda devem começar. Aqueles cerca de 40 dos nossos irmãos na fé, sepultados sob os escombros da sua igreja, foram “colaterais” do quê?

O presidente Biden e o primeiro-ministro Sunak foram a Israel, Macron faz grandes esforços, e com ele as chancelarias de meio mundo. A Europa está mobilizada, talvez consciente do reflexo pavloviano que a prende às origens longínquas deste conflito. Uma grande atividade que, se tivesse sido exercida antes de 7 de outubro, quando já eram evidentes os sinais de uma degeneração irremediável, ter-nos-ia impedido de assistir a estas tragédias.

O nosso jornal — e também o patriarca Pizzaballa — denuncia há meses o desaparecimento do conflito israelo-palestiniano dos radares das chancelarias ocidentais. Mas até entre os políticos internacionais, que agora procuram um papel de mediação, destaca-se outra expressão que também deve ser analisada: “corredor humanitário”. O corredor humanitário pressupõe uma guerra. Todos os líderes em cena reivindicaram a abertura de corredores humanitários, mas ninguém pediu um “cessar-fogo” imediato.

Um só líder mundial, tanto nesta ocasião como na guerra de agressão da Rússia contra a Ucrânia, solicitou o cessar-fogo: o Papa Francisco, que procurou interromper o esquema de guerra, propondo o esquema de paz. Mas, como a história diz, os profetas de paz são muitas vezes assim chamados porque não são ouvidos. A voz profética de quem alerta que, enquanto cada um estiver concentrado na própria dor, sem reconhecer a do outro, será impossível passar do ódio para a compaixão. E que enquanto ambas as partes não conseguirem reconhecer a dignidade das vítimas do campo adverso, não se sairá desta espiral de ódio.

Andrea Monda