A dor dos migrantes
Apelo do Papa: ampliar os canais migratórios regulares para combater traficantes e criminosos
Duclair Ngongang Keumaleu, proveniente dos Camarões; Olga Osidach, da Ucrânia, Nataly Perez Aguilar Sugey, de El Salvador: são os três refugiados presentes na praça de São Pedro para o momento de oração pelos migrantes, presidido pelo Papa Francisco no final da tarde de 19 de outubro. As suas vozes ressoaram durante a leitura das intenções, que precederam a recitação do Pai-Nosso: a primeira em francês, pela assembleia geral do Sínodo dos bispos, a fim de que «a escuta do sinal dos tempos seja também um momento de reflexão e de confronto sincero sobre a questão das migrações, com espírito solidário e união de intenções»; a segunda em italiano, pelas vítimas das rotas migratórias, ou seja, por todos aqueles que «perderam a vida devido à migração e pelas suas famílias, a fim de que o seu sacrifício e a sua dor sirvam de admoestação a nunca fechar os olhos e o coração diante dos dramas humanos»; a terceira em espanhol, pelos refugiados e migrantes, a fim de que «já não devam aventurar-se em viagens perigosas ou deparar-se com portas trancadas, mas percorram caminhos seguros e encontrem comunidades prontas a recebê-los». À sua oração uniram-se os participantes no Sínodo — com os dois subsecretários do Dicastério para o serviço do desenvolvimento humano integral, o scalabriniano Fabio Baggio; e monsenhor Anthony Onyemuche Ekpo — reunidos diante do monumento de bronze e argila “Angels unawares” (“Anjos sem o saber”), obra do artista canadense Timothy Schmalz, que representa um grupo de migrantes provenientes de várias culturas e pertencentes a vários períodos históricos. Durante o momento de oração — iniciado com a prece do Papa e seguida pela leitura do Evangelho de Lucas com a narração da parábola do bom Samaritano – elevaram-se também intenções pela paz, a fim de que onde «houver conflitos, as armas sejam silenciadas para deixar espaço ao diálogo e à reconciliação», e para que todos «possam tornar-se “artífices” de paz». E no final pela Igreja, a fim de que permaneça «fiel à sua missão de bom Samaritano, hospital de campanha para todos os irmãos e irmãs migrantes e refugiados, acompanhando com amor quantos estão a caminho e recebendo com generosidade quem chega».
Nunca conseguiremos agradecer suficientemente a São Lucas por nos ter transmitido esta parábola do Senhor (cf. Lc 10, 25-37). A mesma está também no centro da Encíclica Fratelli tutti, porque é uma chave, eu diria a chave, para passar do isolamento que o mundo sofre para um mundo aberto, de um mundo em guerra para a paz num mundo diferente. Escutamos a parábola, esta tarde, pensando nos migrantes, aqui representados nesta grande escultura, com homens e mulheres das mais variadas idades e proveniências; e, no seu meio, os anjos que os conduzem.
A estrada, que levava de Jerusalém a Jericó, não era segura, tal como hoje não o são as numerosas rotas migratórias que atravessam desertos, florestas, rios, mares. Quantos irmãos e irmãs estão, hoje, na mesma condição daquele viandante da parábola! Tantos! Quantos são assaltados, espoliados e espancados no caminho! Partem enganados por traficantes sem escrúpulos; depois são vendidos como mercadoria de intercâmbio. Acabam sequestrados, prisioneiros, explorados e reduzidos à escravidão. São humilhados, torturados, estuprados. E muitos, muitos, morrem, sem nunca chegar à meta. As rotas migratórias do nosso tempo estão cheias de homens e mulheres feridos e abandonados exânimes, cheias de irmãos e irmãs cujo sofrimento brada aos olhos de Deus. Com frequência, trata-se de pessoas que fogem da guerra e do terrorismo, como infelizmente temos visto nestes dias.
Também hoje, como então, há quem veja e passe além, criando-se com certeza uma boa justificação, mas na realidade fá-lo por egoísmo, indiferença, medo. Esta é a verdade. Diverso é o procedimento daquele samaritano… Diz o Evangelho que, ao ver aquele homem ferido, teve compaixão dele (cf. 10, 33). Esta é a chave. A compaixão é a marca de Deus no nosso coração. O estilo de Deus é proximidade, compaixão e ternura: este é o estilo de Deus. E a compaixão é a marca de Deus no nosso coração. Esta é a chave. Aqui está o ponto de viragem. Na verdade, a partir daquele momento, a vida daquele ferido começa a melhorar, graças àquele estrangeiro que se comportou como irmão. E assim o fruto não é apenas uma boa ação de assistência; o fruto é a fraternidade.
Como o bom samaritano, somos chamados a fazer-nos próximo de todos os viandantes de hoje, para salvar a sua vida, cuidar das suas feridas, aliviar o seu sofrimento. Para muitos, infelizmente, é já demasiado tarde e só nos resta chorar sobre o seu túmulo, se é que tiveram um, ou sobre o Mediterrâneo que acabou por ser o túmulo. Mas o Senhor, que conhece o rosto de cada um, não o esquece.
O bom samaritano não se limita a socorrer, no caminho, o desventurado viandante; coloca-o no seu jumento, leva-o para uma pousada e cuida dele. Aqui podemos encontrar o sentido dos quatro verbos que resumem a nossa ação com os migrantes: acolher, proteger, promover e integrar. Os migrantes devem ser acolhidos, protegidos, promovidos e integrados. Trata-se de uma responsabilidade a longo prazo; de facto, o bom samaritano compromete-se à saída para quando regressar. Por isso, é importante preparar-nos adequadamente para os desafios das migrações de hoje, cientes naturalmente das questões críticas que levantam, mas também das oportunidades que oferecem para o crescimento de sociedades mais inclusivas, mais graciosas, mais pacíficas.
Permitam-me assinalar aqui a urgência de outra ação, que não está contemplada na parábola. Temos todos de nos comprometer em tornar mais segura a estrada, para que os viandantes de hoje não caiam vítimas dos salteadores. É necessário duplicar os esforços para combater as redes criminosas, que especulam sobre os sonhos dos migrantes; mas ocorre igualmente indicar-lhes estradas mais seguras. Há necessidade, pois, de maior empenho para se ampliar os canais migratórios regulares. No cenário mundial atual, é evidente a necessidade de fazer dialogar as políticas demográficas e económicas com as políticas migratórias, em benefício de todas as pessoas implicadas, sem nunca nos esquecermos de colocar no centro os mais vulneráveis. E é preciso também promover uma abordagem comum e corresponsável da governação dos fluxos migratórios, que parecem destinados a aumentar nos próximos anos.
Acolher, proteger, promover e integrar: este é o trabalho que devemos fazer.
Peçamos ao Senhor a graça de nos fazer próximos de todos os migrantes e refugiados que batem à nossa porta, porque hoje «quem não é salteador e quem não passa ao largo, ou está ferido ou carrega aos ombros algum ferido» (Fratelli tutti, 70).
E agora vamos fazer um breve momento de silêncio, recordando todos aqueles que não conseguiram realizar o seu intento, que perderam a vida ao longo das várias rotas migratórias, e quantos foram explorados, escravizados.