· Cidade do Vaticano ·

Aos participantes no Congresso de espiritualidade scalabriniana

Todos devem poder viver na própria terra em paz

 Todos devem poder viver  na própria terra em paz  POR-042
19 outubro 2023

«Todos têm direito a migrar e, com maior razão, a permanecer na própria terra e a viver nela de modo pacífico e digno», reiterou o Papa aos participantes no Congresso de espiritualidade scalabriniana, recebidos em audiência na manhã de 14 de outubro, na sala do Consistório.

Prezados irmãos e irmãs
bem-vindos!

Saúdo todos vós, feliz por me encontrar convosco no final do Congresso de espiritualidade scalabriniana. Refletistes sobre o versículo bíblico: «Virei para reunir todas as nações» (Is 66, 18), tema muito significativo para o vosso carisma. Com efeito, São João Batista Scalabrini, que vos fundou como missionários e missionárias para os migrantes, ensinou-vos, cuidando deles, a considerar-vos irmãos e irmãs a caminho da unidade, segundo as palavras sinceras da prece sacerdotal de Jesus (cf. Jo 17, 20-23).

Sejamos claros: migrar não é um suave peregrinar em comunhão; é muitas vezes um drama. E, assim como todos têm direito a emigrar, também todos têm direito a poder permanecer na própria terra e a viver nela de modo pacífico e digno. No entanto, a tragédia das migrações forçadas, causadas por guerras, carestias, pobreza e dificuldades ambientais hoje está à vista de todos. E precisamente aqui entra em jogo a vossa espiritualidade: como dispor o coração para estes irmãos e irmãs? Com a ajuda de que caminho espiritual?

Scalabrini ajuda-nos, precisamente considerando os missionários dos migrantes como cooperadores do Espírito Santo para a unidade. A sua é uma visão iluminada e original do problema migratório, visto como apelo a criar comunhão na caridade. Ainda jovem pároco, ele mesmo narra que se encontrou, na Estação central de Milão, diante de uma multidão de migrantes italianos que partiam para a América. Conta que viu «trezentos ou quatrocentos indivíduos mal vestidos, divididos em diferentes grupos. Nos rostos [...] sulcados pelas rugas precoces que a privação costuma imprimir-lhes, transparecia o tumulto dos afetos que naquele momento agitavam o seu coração. [...] Eram emigrantes [...] Estavam dispostos a abandonar a pátria» (L’emigrazione italiana in America, 1888). Infelizmente, imagens familiares também para nós. E o Santo, impressionado com aquela grande miséria, compreendeu que ali havia um sinal de Deus para ele: o apelo a socorrer material e espiritualmente aquelas pessoas, para que nenhuma delas, abandonada a si mesma, se extraviasse, perdendo a fé; para que pudessem chegar, como diz o profeta Isaías, ao monte santo de Jerusalém «de todas as nações como ofertório ao Senhor, a cavalo, em carroças, liteiras, mulas, dromedários» (66, 20). Cavalos, carroças, liteiras, mulas e dromedários, aos quais hoje poderíamos acrescentar barcos, camiões e carroças do mar; mas o destino permanece o mesmo, Jerusalém, cidade da paz (cf. Sl 122, 3-9), a Igreja, a casa de todos os povos (cf. Is 56, 7), onde a vida de cada um é sagrada e preciosa. Sim, para Scalabrini esta Jerusalém é a Igreja católica, ou seja, universal, e isto porque é “mãe”, porque é cidade aberta a todos os que procuram uma casa e um porto seguro.

Este é um primeiro apelo para nós, para cultivar corações ricos de catolicidade, isto é, desejosos de universalidade e unidade, de encontro e comunhão. É o convite a difundir uma mentalidade de proximidade — “proximidade”, esta palavra-chave é o estilo de Deus, que se faz sempre próximo — uma espiritualidade, uma mentalidade do cuidado e do acolhimento, e a fazer crescer no mundo «a civilização do amor», segundo as palavras de São Paulo vi (Homilia por ocasião do solene rito de encerramento do Ano Santo, 25 de dezembro de 1975). No entanto, seria utópico pretender que tudo isto possa realizar-se só com as forças humanas. Trata-se, ao contrário, de cooperar com a ação do Espírito e, portanto, de agir na história sob a orientação e com a energia que vem de Deus: deixar-se conquistar pela sua infinita ternura para sentir e agir segundo os seus caminhos, que nem sempre são os nossos (cf. Is 55, 8), para o reconhecer no estrangeiro (cf. Mt 25, 35) e nele encontrar a força para amar gratuitamente. O estrangeiro! Não esqueçamos estas três palavras do Antigo Testamento: a viúva, o órfão e o estrangeiro. Esta é uma coisa importante no Antigo Testamento: o estrangeiro!

Eis o segundo apelo que o Santo Bispo de Piacenza nos dirige, insistindo sobre a necessidade de o missionário ter uma relação de amor com Jesus, o Filho de Deus Encarnado, e de a cultivar sobretudo através da Eucaristia, celebrada e adorada. Ressalto esta palavra “adorada”. Penso que perdemos o sentido da adoração. Temos orações para fazer qualquer coisa... orações bonitas... mas [é importante], em silêncio, adorar. A mentalidade moderna privou-nos um pouco deste sentido de adoração. Recuperemo-lo, por favor, recuperemo-lo!

Sabemos como Scalabrini amava a Adoração, à qual se dedicava até de noite, não obstante o cansaço dos seus extenuantes ritmos de trabalho, e à qual não renunciava durante o dia, inclusive nos momentos de maior atividade. Ele não tinha ilusões e convidava a não se iludir: sem oração não há missão! Dizia: «[Não] vos deixeis levar por um certo desejo desenfreado de ajudar o próximo, negligenciando-vos a vós próprios [...]. É justo que vos façais tudo para todos; mas [...] lembrai-vos dos Anjos que, na Escada de Jacob, subiam até Deus e desciam à terra [...]. Também vós, pois, sois Anjos do Senhor» (Alocução final no Sínodo diocesano de Piacenza, 4 de setembro de 1879). Subir até Deus é indispensável para poder descer à terra, para ser “anjos a partir de baixo”, próximos dos últimos: não é por acaso que a Escada de Jacob (cf. Gn 28, 10-22) está inserida precisamente no centro do brasão episcopal de Scalabrini.

Portanto, amadas irmãs, diletos irmãos, eis um convite a renovar o vosso compromisso a favor dos migrantes, a radicá-lo cada vez mais numa intensa vida espiritual, a exemplo do vosso Fundador. Além disso, porém, quero dizer-vos um grande obrigado, por todo o trabalho que levais a cabo no mundo inteiro! Desde os tempos de Buenos Aires sou testemunha deste trabalho, que fazeis muito bem. Obrigado, muito obrigado! Ide em frente, Deus vos abençoe! E orai, rezai também por mim, pois esta “profissão” não é fácil!