· Cidade do Vaticano ·

Os meios de comunicação do Vaticano em conversa com Sultan Ahmed Al Jaber no dia em que foi recebido pelo Papa

«Temos a obrigação de reduzir 22 gigatoneladas de emissões até 2030»

 Os meios de comunicação do Vaticano em conversa com Sultan Al Jaber  POR-042
19 outubro 2023

Há duas semanas, foi publicada a Laudate Deum, a exortação que contém o apelo do Papa para responder à crise climática. Na quarta-feira, 11 de outubro, o Pontífice recebeu em audiência o Dr. Sultan Ahmed Al Jaber, ministro da Indústria e das Tecnologias Avançadas dos Emirados Árabes Unidos e presidente da cop 28: um importante encontro que se realizará em Dubai de 30 de novembro a 12 de dezembro e que Francisco indicou como decisivo para uma ação partilhada antes que seja tarde demais. Nesta entrevista aos meios de comunicação do Vaticano, Al Jaber explica os objetivos da próxima cop e comenta o conteúdo da exortação.

Presidente, pode descrever brevemente os objetivos da próxima cop em Dubai?

Somos guiados por um único ponto fixo: manter o aumento da temperatura dentro de 1,5 graus Celsius. O primeiro Global Stocktake já nos mostrou como estamos longe da direção certa. Devemos reduzir 22 gigatoneladas de emissões até 2030. Ao mesmo tempo, como vemos todos os dias nos noticiários, as alterações climáticas já nos afetam e temos de nos adaptar a essas mudanças. Em última análise, para enfrentar as alterações climáticas, temos de colocar as pessoas e o planeta no centro do processo climático. Este processo é imperativo. A Presidência da cop 28 desenvolveu o seu Programa de ação com quatro pilares fundamentais: acelerar uma transição energética justa e ordenada; fixar as finanças climáticas; centrar a atenção nas pessoas, na natureza, nas vidas e nos meios de subsistência; e apoiar este processo com plena inclusão. Chegou o momento de unir o mundo e agir em conjunto para oferecer soluções viáveis para a crise climática.

O Papa Francisco publicou recentemente a exortação apostólica “Laudate Deum”: um grito de alarme antes que seja demasiado tarde para conter as consequências da crise climática. Qual é a sua opinião sobre este documento?

Acolhemos favoravelmente o apelo urgente do Papa a uma maior ação climática. Partilhamos a sua esperança de que «a cop 28 conduza a uma aceleração decisiva da transição energética». A cop 28 será uma cop de ação. Tem de o ser. A nossa Presidência está totalmente empenhada em fazer tudo o que for possível para unir as partes, garantir a inclusão, obter compromissos e gestos claros e concretizar uma ação climática ambiciosa para as pessoas em todo o mundo. Durante o meu encontro com Sua Santidade, salientei o apreço dos eau pelo seu forte apoio a uma ação climática positiva para promover o progresso humano. Temos de reduzir as emissões anuais em 43% até 2030 para que seja possível manter o aumento da temperatura dentro de 1,5 graus Celsius. Temos de construir rapidamente um sistema energético livre de todos os combustíveis fósseis inalterados, incluindo o carvão, descarbonizando simultaneamente de forma abrangente as energias que utilizamos hoje. Precisamos de uma transição energética rápida, justa e equitativa que não deixe ninguém para trás, especialmente os 800 milhões de pessoas que atualmente não têm acesso à energia. E seria irresponsável desligar a ficha do atual sistema energético antes de construir o novo. Temos de nos concentrar nas emissões, independentemente da fonte, e temos de reconhecer que, num futuro previsível, haverá muitos combustíveis no cabaz energético. Temos de reequilibrar esse cabaz e reduzir as emissões das energias utilizadas atualmente. Reduzamos as emissões, não o progresso. Um aspeto fundamental será a realização de progressos tangíveis que façam mexer a agulha no mundo real, juntamente com um ambicioso resultado negociado. Por conseguinte, solicitei às empresas petrolíferas e de gás que reduzam as emissões de metano e a queima de gás a zero até 2030 e que se alinhem pela neutralidade carbónica até 2050. Ao mesmo tempo, precisamos que todas as indústrias com emissões elevadas acelerem a transição e eliminem as emissões. E precisamos que os governos estabeleçam políticas inteligentes para expandir e comercializar soluções, incluindo tecnologias de captura de hidrogénio e carbono.

Na exortação, o Papa Francisco faz um breve resumo da história das cop s, sem esconder a sua desilusão pelo facto de os compromissos assumidos não terem sido cumpridos e de as emissões nocivas continuarem a aumentar. Como pode a cop 28 mudar este rumo?

A cop 28 procura corrigir o rumo, traduzindo as promessas em projetos, as tendências em transformações e os acordos em gestos. Lançamos a nossa Agenda, com chamadas ambiciosas à ação, mas realizáveis para todos. O Papa tem toda a razão no que se refere às promessas do passado que não foram cumpridas e que são desanimadoras. Precisamos que todas as Partes cumpram as promessas, incluindo um segundo e mais ambicioso refinanciamento do Fundo Verde para o Clima e o financiamento anual de 100 biliões de dólares para o clima, prometido há mais de 10 anos. O financiamento é a chave que pode desbloquear o atual impasse.

O Papa Francisco lamenta a falta de organizações internacionais que sirvam todos os países — e não apenas os maiores e mais desenvolvidos economicamente — para garantir que os compromissos assumidos nas cop s sejam implementados em várias nações. Apela a um novo multilateralismo «de baixo para cima». O que é necessário fazer para tornar este caminho uma realidade?

A transparência e a responsabilidade são fundamentais para uma ação climática bem sucedida. A presidência da cop 28 convidou todas as partes a atualizarem os seus contributos determinados a nível nacional antes da cop 28 e a procurarem atingir os objetivos mais ambiciosos possíveis. Ao mesmo tempo, procuramos envolver todos, fazendo da cop 28 a mais inclusiva de sempre. A concretização das nossas ambições climáticas coletivas exigirá ações a todos os níveis da sociedade e tomamos medidas para permitir a participação de todos os grupos. Estas medidas incluem o apoio ao maior programa de delegados jovens, 1000 presidentes de câmara municipal, 200 startups de tecnologias climáticas, entre outras, bem como a garantia de espaços e pavilhões para todos os grupos, incluindo pessoas de fé, povos indígenas e mulheres.

Na exortação “Laudate Deum”, o Papa Francisco afirma que uma transição ecológica bem gerida para as fontes renováveis cria emprego. Como os Emirados Árabes Unidos, cuja economia depende fortemente dos combustíveis fósseis, tencionam abordar esta transição?

Em primeiro lugar, gostaria de corrigir esta visão errada. Os eau são uma nação que vive uma transição energética há quase 20 anos. A nossa liderança tem visto a transição energética como oportunidade para criar resiliência económica e contribuir para um desafio global que nos afeta a todos. Atualmente, mais de 70% do pib dos eau provém de setores fora da indústria petrolífera, uma percentagem que aumenta todos os anos à medida que os Emirados continuam a diversificar-se através de outros setores. Estamos bem cientes de que a transição cria empregos, porque a experimentámos diretamente. Por exemplo, a Masdar está entre as maiores empresas de energias renováveis do mundo e tem como objetivo quintuplicar o seu impacto global de energia limpa para 100 gw até 2030. Os eau também ocupam o sexto lugar no mundo em termos de consumo de energia solar per capita. Os eau investiram 50 biliões de dólares em energias renováveis em 70 países e comprometeram-se a investir mais de 50 biliões de dólares no país e no estrangeiro durante a próxima década. Este é o tipo de objetivo que incentivamos o mundo a adotar para acelerar uma transição energética justa e ordenada e não perder de vista o limite de 1,5 graus Celsius. Os progressos dos eau devem-se à sua parceria sincera com parceiros de todo o mundo que partilham as mesmas ideias. Assumimos o papel de anfitriões da cop com um grande sentido de responsabilidade, um profundo sentido de humildade e um claro sentido de urgência. E estamos determinados a garantir que a cop 28 seja uma plataforma que fomente o progresso através da colaboração.

Andrea Tornielli