· Cidade do Vaticano ·

Francisco e aos participantes no congresso mundial dos Oblatos Beneditinos

O desafio do acolhimento numa sociedade sufocada pelo egoísmo

 O desafio do acolhimento  numa sociedade sufocada pelo egoísmo  POR-042
19 outubro 2023

Numa sociedade que parece sufocar «nos cofres fechados do egoísmo, do individualismo e da indiferença», é preciso redescobrir a dimensão da hospitalidade e do acolhimento. Esta foi uma das tarefas fundamentais confiadas pelo Papa aos participantes no quinto congresso mundial dos Oblatos Beneditinos, recebidos em audiência na manhã de 15 de setembro, na Sala Clementina.

Amados irmãos, estimadas irmãs bom dia!

Dou-vos as boas-vindas, muito feliz por vos encontrar por ocasião do vosso Congresso Mundial.

O oblato beneditino, «no seu ambiente familiar e social, reconhece e acolhe o dom de Deus [...] inspirando o seu próprio caminho de fé nos valores da Santa Regra e da Tradição espiritual monástica»: assim consta no Estatuto [dos Oblatos Beneditinos Italianos] no art. 2. Penso no vosso carisma e creio que, de algum modo, ele pode ser resumido numa bela expressão de São Bento, que convidava a ter um «coração dilatado pela indizível soberania do amor» (Prólogo da Regra, n. 49).

Que bom: um coração dilatado pela indizível soberania do amor! Este coração dilatado caracteriza o espírito beneditino, que vivificou a espiritualidade do mundo ocidental e se estendeu a todos os continentes — esta expressão, “coração dilatado”, é muito importante. Ao longo dos séculos, tem sido um carisma portador de graça, porque as suas raízes são tão firmes que a árvore cresce bem, resistindo às intempéries e dando os frutos saborosos do Evangelho. Creio que este coração dilatado é o segredo da grande obra de evangelização que o monaquismo beneditino realiza, e à qual vós vos dedicais como oblatos, “oferecidos” nas pegadas do grande Santo Abade. Gostaria, portanto, de refletir brevemente convosco sobre três aspetos desta “dilatação do coração”: a busca de Deus, a paixão pelo Evangelho e a hospitalidade.

A vida beneditina caracteriza-se, antes de mais, por uma busca constante de Deus, da Sua vontade e das maravilhas que Ele realiza. Esta busca tem lugar, antes de mais, na Palavra, da qual vos alimentais todos os dias na lectio divina. Mas também na contemplação da criação, no deixar-se interpelar pelos acontecimentos quotidianos, no viver o trabalho como oração, até ao ponto de transformar os próprios meios do vosso trabalho em instrumentos de bênção, e finalmente nas pessoas, nos irmãos e irmãs que a Providência vos faz encontrar. Em tudo isto sois chamados a ser buscadores de Deus.

Um segundo traço importante é o da paixão pelo Evangelho. Seguindo o exemplo dos monges, a vida daqueles que se referem a São Bento é de doação, plena, intensa. Como os monges, que recuperam os lugares onde vivem e pontuam os dias com laboriosidade, assim também vós sois chamados a transformar os contextos diários onde viveis, trabalhando como fermento na massa, com competência e responsabilidade, e ao mesmo tempo com mansidão e compaixão. O Concílio Vaticano ii delineia de forma eloquente esta paixão missionária quando, falando do papel dos leigos na Igreja, diz que eles são chamados a «procurar o Reino de Deus, tratando das coisas temporais e ordenando-as segundo Deus [...] a partir de dentro como fermento» (Lumen gentium, 31). Pensemos, neste sentido, no que a presença do monaquismo, com o seu modelo de vida evangélica baseado no ora et labora, com a conversão pacífica e a integração de numerosas populações, constituiu na transição da queda do império romano para o nascimento da sociedade medieval! Todo este zelo nascia da paixão pelo Evangelho, e também este é um tema de grande atualidade para vós. Hoje, de facto, num mundo globalizado, mas fragmentado, apressado, dedicado ao consumismo, em contextos onde as raízes familiares e sociais parecem por vezes quase dissolver-se, não há necessidade de cristãos com o dedo em riste, mas de testemunhas apaixonadas que irradiem o Evangelho “na vida através vida”. E a tentação é sempre esta: passar de “testemunhas cristãs” para “acusadores cristãos”. O acusador é um só: o diabo; não assumamos o papel do diabo, assumamos o papel de Jesus, estejamos na escola de Jesus, das bem-aventuranças.

A terceira caraterística da tradição beneditina sobre o qual me debruço é a hospitalidade. Na Regra, São Bento dedica-lhe um capítulo inteiro (cf. Capítulo liii : Acolhimento dos hóspedes), que começa com estas palavras: «Todos os hóspedes que vêm ao mosteiro devem ser acolhidos como Cristo, porque um dia dirá: “Fui hóspede e tu recebeste-me” (Mt 25,35)» (n. 1). Venit hospes, venit Christus. E prossegue especificando algumas atitudes concretas a assumir em relação aos hóspedes por parte de toda a comunidade: «Ide ao seu encontro, manifestando-lhe o seu amor de todas as maneiras; [...] rezai juntos e depois entrai em comunhão com ele, trocando a paz» (n. 3), ou seja, partilhai com ele o que tendes de mais precioso. E depois Bento fala também de quem são os hóspedes “de consideração”, dizendo: «Especialmente os pobres e os peregrinos devem ser recebidos com toda a consideração e cuidado possíveis, porque é precisamente neles que Cristo é recebido de modo muito especial» (n. 15): os pobres e os peregrinos. Como Oblatos, o vosso grande mosteiro é o mundo, a cidade, o local de trabalho, e aí sois chamados a ser modelos de acolhimento no respeito por aqueles que batem à vossa porta e na preferência pelos pobres. Acolher é isto: a tentação é fechar-se, e hoje, na nossa civilização, na nossa cultura, mesmo cristã, uma das formas de nos fecharmos é a tagarelice que “suja” os outros: “Fecho-me porque este é um miserável...”. Por favor, como beneditinos, deixem que a vossa língua sirva para louvar a Deus, não para tagarelar sobre os outros. Se fizerdes a reforma de vida de nunca falar mal dos outros, tereis aberta a porta para a vossa causa de canonização! Em frente assim. Às vezes, parece que a nossa sociedade sufoca lentamente nos cofres fechados do egoísmo, do individualismo e da indiferença, e a tagarelice fecha-nos nisto...

Queridos irmãos e irmãs, desejo bendizer convosco o Senhor pela grande herança de santidade e de sabedoria de que sois depositários, e convido-vos a continuar a dilatar o coração e a entregá-lo todos os dias ao amor de Deus, sem cessar de o procurar, de o testemunhar com paixão e de o acolher nos mais pobres que a vida vos faz encontrar. Agradeço-vos de coração a vossa oblação e, por favor, não vos esqueçais de rezar por mim. Obrigado!