A prioridade é libertar os reféns. A Santa Sé está pronta para qualquer mediação necessária
«A Santa Sé está pronta para qualquer mediação necessária, como sempre...». O cardeal Pietro Parolin, secretário de Estado, dias após o ataque terrorista contra Israel, define o atentado perpetrado a 7 de outubro como «desumano» e relança o apelo do Papa Francisco para a libertação de todos os reféns nas mãos do Hamas. Parolin apela à proporcionalidade na legítima defesa de Israel, exprimindo a sua preocupação pelas vítimas civis dos bombardeamentos em Gaza e reitera que, apesar do que acontece, para uma paz verdadeiramente justa é preciso chegar à solução de dois Estados «que permitiria a palestinianos e israelitas viverem lado a lado, em paz e segurança».
Eminência, todos os conflitos são terríveis. Mas o que se sabe desde a madrugada de 7 de outubro é um crescendo de selvajaria sem precedentes. Assistimos a um total desnorteamento do humano. Na sua opinião, ainda há margem para evitar o pior?
O atentado terrorista perpetrado pelo Hamas e outras milícias contra milhares de israelitas que se preparavam para celebrar o dia de Simchat Torah, no final da semana da festa de Sukkot, é desumano. A Santa Sé exprime a sua total e firme condenação. Além disso, estamos preocupados com homens, mulheres, crianças e idosos mantidos como reféns em Gaza. Expressamos a nossa proximidade às famílias atingidas, na sua grande maioria judias, rezamos por elas, por aqueles que ainda estão em estado de choque, pelos feridos. É necessário recuperar o sentido da razão, abandonar a lógica cega do ódio e rejeitar a violência como solução. Os atacados têm o direito de se defender, mas a legítima defesa deve respeitar o parâmetro da proporcionalidade. Não sei que margem de diálogo existe entre Israel e a milícia do Hamas, mas se existe, e esperamos que exista, deveria ser prosseguido imediatamente e sem hesitações. Isto para evitar mais derramamento de sangue, como acontece em Gaza, onde há muitas vítimas civis inocentes como resultado dos ataques do exército israelita.
O Papa Francisco reitera que a paz se constrói com justiça. Não há paz que não seja justa. Em que termos se exprime hoje esta exigência de justiça para ambas as partes em conflito?
A paz só pode ser construída com base na justiça. Os latinos gostavam de dizer: “Opus iustitiae pax”, não pode haver paz entre os homens sem justiça. Parece-me que a maior justiça possível na Terra Santa é a solução de dois Estados, que permitiria a palestinianos e israelitas viverem lado a lado, em paz e segurança, indo ao encontro das aspirações da maioria deles. Esta solução, prevista pela Comunidade internacional, pareceu recentemente a alguns, tanto de um lado como do outro, já não ser viável. Para outros, nunca o foi. A Santa Sé está convencida do contrário e continua a apoiá-la. Mas, agora, o que é justo? É justo que os reféns sejam devolvidos imediatamente, até aqueles que estão em poder do Hamas desde os conflitos passados: neste sentido, renovo com força o vibrante apelo lançado e repetido pelo Santo Padre Francisco nos últimos dias. É justo que, na legítima defesa, Israel não ponha em perigo os civis palestinianos que vivem em Gaza. É correto, diria até indispensável, que neste conflito — como em qualquer outro — o direito humanitário seja plenamente respeitado.
No final da audiência do passado dia 11, o Papa Francisco apelou à libertação dos reféns e pediu que a vida dos inocentes seja poupada. Considera que existe espaço para uma iniciativa diplomática da Santa Sé, semelhante à que foi adotada no conflito entre a Rússia e a Ucrânia?
Sim, a libertação dos reféns israelitas e a proteção da vida dos inocentes em Gaza estão no centro do problema criado pelo ataque do Hamas e pela resposta do exército israelita. Estão no centro das preocupações de todos nós, do Papa e de toda a Comunidade internacional. A Santa Sé está pronta para qualquer mediação necessária, como sempre. Entretanto, procura falar com as instâncias cujos canais já estão abertos. Qualquer mediação para pôr fim ao conflito deve, no entanto, ter em conta uma série de elementos que tornam a questão muito complexa e articulada, como a questão dos assentamentos israelitas, a segurança e a questão da cidade de Jerusalém. A solução pode ser encontrada no diálogo direto entre palestinianos e israelitas, encorajado e apoiado pela Comunidade internacional, mesmo que agora seja tudo mais difícil.
Em duas recentes entrevistas concedidas a “L’Osservatore Romano” pelo presidente palestiniano Mahmud Abbas e pelo presidente israelita Isaac Herzog, ambos manifestaram apreço pelas constantes palavras de paz da minoria cristã da Terra Santa, que é “sal” desta terra. No entanto, os cristãos são esmagados pelo conflito e encontram-se numa condição de sofrimento. É preocupante a situação da pequena comunidade cristã em Gaza, que está em risco de extinção. Como podem os cristãos da Terra Santa ser ajudados agora, de forma concreta?
Antes de mais, com a oração e a proximidade espiritual e material. Estas minhas palavras pretendem ser uma confirmação renovada da proximidade afetuosa do Papa e da Santa Sé. Os cristãos são uma parte essencial da terra onde Jesus nasceu, viveu, morreu e ressuscitou. Não se pode pensar na Palestina nem em Israel sem a presença cristã, que está lá desde o início e lá estará para sempre. É verdade que, atualmente, a pequena comunidade católica de Gaza — cerca de 150 famílias — sofre muito. E quando um membro sofre, toda a Igreja sofre, portanto todos nós sofremos. Sabemos que se reuniram na paróquia. O pároco não pôde regressar e ficou em Belém. Tudo está parado, paralisado, como que dominado pelo medo e pela raiva. Rezamos pelos israelitas, rezamos pelos palestinianos, rezamos pelos cristãos, pelos judeus e pelos muçulmanos: «Peçam a paz para Jerusalém... Aos meus irmãos e amigos digo: sobre ti a paz! Para a casa do Senhor, nosso Deus, pedirei o bem» (Salmo 122).
Andrea Tornielli
e Roberto Cetera