· Cidade do Vaticano ·

Para o cuidado da casa comum

Laudate Deum e cop 28

A person walks past a '#COP28' sign during The Changemaker Majlis, a one-day CEO-level thought ...
19 outubro 2023

« Já passaram oito anos desde a publicação da carta encíclica Laudato si’, quando quis partilhar com todos vós, irmãs e irmãos do nosso maltratado planeta, a minha profunda preocupação pelo cuidado da nossa casa comum. Mas, com o passar do tempo, dou-me conta de que não reagimos de modo satisfatório, pois este mundo que nos acolhe está-se esboroando e talvez aproximando de um ponto de rutura. Independentemente desta possibilidade, não há dúvida que o impacto da mudança climática prejudicará cada vez mais a vida de muitas pessoas e famílias. Sentiremos os seus efeitos em termos de saúde, emprego, acesso aos recursos, habitação, migrações forçadas e noutros âmbitos» (n. 2). Nestas palavras são claras as motivações que levam o Papa Francisco a apelar, através da Exortação Apostólica Laudate Deum, a “todas as pessoas de boa vontade” para que prestem a devida atenção à “crise climática”.

No curto mas intenso documento pontifício há muitas passagens que se referem à próxima Conferência dos Estados-Parte da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas ( cop 28), que terá lugar em Dubai de 30 de novembro a 12 de dezembro de 2023. Aderiram à Convenção 198 países, incluindo a Santa Sé. A 11 de outubro, o Presidente designado da cop 28, Sua Excelência o Dr. Sultan Ahmed Al Jaber, foi recebido pelo Santo Padre.

«Se temos confiança na capacidade do ser humano transcender os seus pequenos interesses e pensar em grande, não podemos renunciar ao sonho de que a  cop 28 leve a uma decidida aceleração da transição energética, com compromissos eficazes que possam ser monitorizados de forma permanente. Esta Conferência pode ser um ponto de viragem, comprovando que era sério e útil tudo o que se realizou desde 1992; caso contrário, será uma grande desilusão e colocará em risco quanto se pôde alcançar de bom até aqui» (n. 54).

Evitar esta “desilusão” diz respeito a todos: é um processo que põe em jogo numerosos “atores”, mencionados mais ou menos diretamente na Laudate Deum, na esperança de que a sua interação possa fazer com que «a ética prevaleça sobre os interesses locais ou contingentes» (n. 39) e responda à “falta de consciência e de responsabilidade” censurada pela Laudato si’ (n. 169).

Um desses atores é a comunidade científica, empenhada em pôr cada vez mais em evidência aquilo a que se refere o primeiro capítulo da Laudato si’: «O que está a acontecer à nossa casa». Após oito anos desse texto “profético”, a Laudate Deum constata que a «origem humana — “antrópica” — da mudança climática já não se pode pôr em dúvida» (n. 11) e que, infelizmente, «já não podemos deter os danos enormes que causámos. Estamos a tempo apenas de evitar danos ainda mais dramáticos» (n. 16). Perante esta constatação preocupante, não podemos ficar inertes ou indiferentes, mas «é urgente uma visão mais alargada, que nos permita não só admirar as maravilhas do progresso, mas também prestar atenção a outros efeitos que, provavelmente há cem anos, nem sequer podiam ser imaginados» (n. 18).

Aqui surge outro ator: o mundo empresarial, que tem o importante papel de reagir proativamente a este sentido de urgência da comunidade científica e de promover inteligentemente uma transição rápida, cuidando verdadeiramente da casa comum. Segundo a Laudato si’, «a atividade empresarial, que é uma nobre vocação orientada para produzir riqueza e melhorar o mundo para todos, pode ser uma maneira muito fecunda de promover a região onde instala os seus empreendimentos, sobretudo se pensa que a criação de postos de trabalho é parte imprescindível do seu serviço ao bem comum» (n. 129); Nesta perspetiva, a Laudate Deum sublinha o facto de que também se diz, «com frequência, que os esforços para mitigar as alterações climáticas, reduzindo o uso de combustíveis fósseis e desenvolvendo formas de energia mais limpa, levarão à diminuição dos postos de trabalho. Quando o que está a acontecer é que milhões de pessoas perdem o emprego devido às diversas consequências da mudança climática: a subida do nível do mar, as secas e muitos outros fenómenos que afetam o planeta deixaram muitas pessoas à deriva. Aliás a transição para formas renováveis de energia, quando bem gerida, assim como os esforços para se adaptar aos danos das alterações climáticas, são capazes de gerar inúmeros postos de trabalho em diferentes setores. Por isso é necessário que os políticos e os empresários se ocupem disso imediatamente» (n. 10).

Isto não pode deixar de ter repercussões positivas sobre um terceiro ator: os jovens e as novas gerações. É fácil perceber que a complexa estrutura da Laudate Deum se articula sobre eles: «Tudo o que se nos pede é uma certa responsabilidade pela herança que deixaremos atrás de nós depois da nossa passagem por este mundo» (n. 18). Vem-nos à mente o discurso do Papa Francisco aos jovens universitários em Lisboa, a 3 de agosto de 2023, durante a Jornada mundial da juventude: «Sede, pois, protagonistas de uma “nova coreografia” que coloque a pessoa humana no centro [...] Este velho que vos fala — já sou velho — sonha que a vossa geração se torne uma geração de mestres. Mestres de humanidade. Mestres da compaixão. Mestres de novas oportunidades para o planeta e para os seus habitantes. Mestres de esperança. E mestres que defenderão a vida do planeta, ameaçada neste momento por uma grave destruição ecológica». É aqui que a influência educativa e formativa se torna a ferramenta essencial.

Um quarto ator é a sociedade civil. Retomando o que foi expresso na Encíclica Fratelli tutti, «muitos grupos e organizações da sociedade civil ajudam a compensar as debilidades da Comunidade internacional, a sua falta de coordenação em situações complexas, a sua carência de atenção relativamente a direitos humanos fundamentais e a situações muito críticas de alguns grupos» (n. 175), a Laudate Deum indica que «a globalização propicia intercâmbios culturais espontâneos, maior conhecimento mútuo e modalidades de integração dos povos que levarão a um multilateralismo “a partir de baixo” e não meramente decidido pelas elites do poder. Os pedidos que emergem a partir de baixo em todo o mundo, onde pessoas comprometidas dos mais diversos países se ajudam e sustentam mutuamente, podem acabar por fazer pressão sobre os fatores de poder. Espera-se que isto possa acontecer no que diz respeito à crise climática» (n. 38).

Um quinto ator são os governos. A cop 28 será organizada e presidida pelos Emirados Árabes Unidos. Este país, grande exportador de energia fóssil, está a passar por uma transição energética há quase 20 anos. Como Presidência da cop 28, desenvolveu uma agenda de ação com quatro pilares fundamentais: acelerar uma transição energética justa e ordenada; fixar o financiamento do clima; centrar-se nas pessoas, na natureza, na vida e nos meios de subsistência; e apoiar tudo com plena inclusão. «As potências emergentes estão a tornar-se cada vez mais relevantes e são realmente capazes de obter resultados significativos na resolução de problemas concretos [...]. O próprio facto de as respostas aos problemas poderem vir de qualquer país, por mais pequeno que seja, leva a reconhecer o multilateralismo como um caminho inevitável» (n. 40). O Papa Francisco encoraja todos a ter esperança num resultado positivo da cop 28.

De facto, ela tem diante de si uma oportunidade importante para dar um verdadeiro impulso à transição tendo em vista o bem comum e o futuro dos nossos filhos: «as soluções mais eficazes não virão só dos esforços individuais, mas sobretudo das grandes decisões da política nacional e internacional» (n. 69). É um processo complexo, mas necessário para a humanidade de hoje e de amanhã, que requer o envolvimento de todos, conscientes de que «“tudo está ligado” e “ninguém se salva sozinho”» (n. 19) e que «não há mudanças duradouras sem mudanças culturais, sem uma maturação do modo de viver e das convicções da sociedade; não há mudanças culturais sem mudança nas pessoas» (n. 70). «Um ser humano que pretenda tomar o lugar de Deus torna-se o pior perigo para si mesmo» (73).