· Cidade do Vaticano ·

O tumulto e a harmonia

 O tumulto e a harmonia  POR-041
12 outubro 2023

Publicamos a seguir uma antologia de textos patrísticos sugeridos aos padres sinodais pelo Papa Francisco para a abertura dos trabalhos da assembleia.

O Espírito Santo é o protagonista da vida eclesial: o desígnio de salvação da família humana realiza-se pela graça do Espírito.

Quer se considere a antiguidade — as bênçãos dos patriarcas, a ajuda da Lei, as figuras, as profecias, as proezas de guerra, os milagres dos justos — quer se considere o que foi organizado em vista da vinda do Senhor na carne (tudo se realizou) mediante o Espírito. Primeiro, ele tinha a própria carne do Senhor, dela fez o crisma inseparável, como está escrito: «Aquele sobre quem viste o Espírito descer e permanecer, este é o meu Filho predileto»; e «Jesus de Nazaré, a quem Deus ungiu com o Espírito Santo». A partir daí, todas as ações de Cristo foram realizadas sob a assistência do Espírito. Estava presente quando Cristo foi submetido às tentações do demónio [...], enquanto realizava milagres [...]. Depois da ressurreição dos mortos, nunca mais o deixou. Querendo renovar o homem e devolver-lhe a graça que tinha recebido pelo sopro de Deus e que perdera, soprando no rosto dos discípulos, o que diz? «Recebei o Espírito Santo. Àqueles a quem perdoardes os pecados, ser-lhes-ão perdoados; àqueles a quem não perdoardes os pecados, não lhes serão perdoados». E não é o ordenamento da Igreja claro e inegavelmente realizado pelo Espírito? Com efeito, Ele concedeu à Igreja — diz — «primeiro os apóstolos, depois os profetas, em terceiro lugar os doutores; depois os milagres, e mais tarde os carismas de cura, de assistência, de governo e os géneros de línguas». Esta ordem está de acordo com a distribuição dos dons do Espírito (Bas., Spir. 16, 39, 4-32).

a. O Espírito Santo desencadeia um dinamismo profundo e variado na comunidade eclesial: o “tumulto” do Pentecostes

Mas também a vinda do Espírito Santo acontece à terceira hora, como aprendemos dos Atos quando, porque os fariseus zombavam dos discípulos (que se exprimiam) na multiforme energia das línguas (èn tè poikìle tòn glossòn energèia), Pedro afirma que quantos dizem tais coisas não estão embriagados: pois era a terceira hora (Bas. [?], ascet. 13: pg 31, 877, 24).

b. O Espírito Santo é o compositor harmonioso da história da salvação: harmonia não significa síntese, mas vínculo de comunhão entre diferentes partes

Mas Deus, antes que existisse qualquer das coisas que agora vemos, tendo-se proposto trazer à existência o que ainda não existia, concebeu ao mesmo tempo o que o mundo deveria ser e, com a sua forma, criou a matéria harmonizando-a. Aos céus, atribuiu a natureza própria dos céus; à forma da terra, atribuiu a essência que lhe é própria. Em seguida, forjou o fogo, a água e o ar como quis e trouxe-os à existência como a razão de ser de cada um dos elementos exigia. Com um vínculo indissolúvel de concórdia, uniu o mundo inteiro, composto de partes diferentes, numa só comunhão e harmonia, de modo que até os elementos colocados à maior distância uns dos outros pareciam unidos por afinidade (Bas., hex. 2, 2, 49-61).

— A Igreja: uma única harmonia de muitas vozes realizada pelo Espírito Santo

«Voz de nações entre os montes, semelhante (à) de muitas nações, voz de reis e de nações reunidas» (Is 13, 4). Provavelmente, a voz das numerosas nações sobre as montanhas é a Igreja. Por isso foi escolhida como montanha plana, a fim de que tenha espaço livre para a assembleia da multidão dos que sobem às alturas do conhecimento de Deus. Portanto, vê na montanha plana uma multidão daqueles que foram reunidos de muitos lugares e emitem uma só voz da fé. E diz o Espírito Santo através do Profeta: Voz de muitas nações sobre os montes (sobre os quais se ergueu o sinal) semelhante (à) de muitas nações. E a voz é única, mas semelhante a muitas vozes de nações. Única, portanto, de acordo com a harmonia da fé, mas semelhante a muitas vozes, pois foi espalhada em línguas de fogo pelo Espírito Santo em cada um dos Apóstolos que estavam prestes a semear o Euaggèlion às nações em todo o mundo (Bas. [?], En. in Is. 13, 259: pg 30, 573b).

— O Espírito Santo é a origem da harmonia entre as Igrejas: Basílio aos irmãos bispos do Ocidente

Assim como, pois, consideramos que a vossa concórdia mútua e a vossa unidade são nosso bem, assim também vos convidamos a participar nos nossos sofrimentos causados pelas divisões e a não nos separar de vós por estarmos distantes devido à localização dos lugares, mas por estarmos unidos em comunhão segundo o Espírito, a receber-nos uns aos outros na harmonia de um só corpo (Bas., ep. 90, 1, 26-32).

c. O Espírito Santo conduz-nos pela mão
e
consola-nos

«Espera, pois, tribulação sobre tribulação, e esperança sobre esperança, por mais um pouco de tempo, por mais um pouco de tempo» (Is 28, 10). Deste modo, o Espírito Santo sabe consolar (carta Psuchagogèin = conduzir pela mão, encorajando, consolando) os seus filhos que nutre, com a promessa do futuro. Assim, depois das tribulações, a esperança: as realidades esperadas estão prontas (Bas., ep. 140, 1, 34-38).

— A ação consoladora do Espírito Santo, representada pelo estalajadeiro, a quem é confiado o homem que se deparou com salteadores (cf. Lc 10, 25-37)

O orvalho de Deus é necessário para não nos queimarmos e não nos tornarmos estéreis; e onde temos o Acusador, representado pelos salteadores, esteja também o Defensor, o Espírito representado pelo estalajadeiro hospitaleiro. O Senhor confiou o “seu” homem, que tinha caído no poder dos salteadores, ao Espírito Santo. Teve pena dele, atou-lhe as feridas e deu-lhe dois denários reais para que, recebendo, pelo Espírito, a imagem e a escrita do Pai e do Filho, fizesse frutificar os dons recebidos e os devolvesse, multiplicados, no último dia (Iren., haer. iii , 17, 3).

— Quem nos ampara é o Espírito Santo

Portanto, quando a alma dá frutos dignos dos celeiros eternos (cf. Mt 3, 12), (o Espírito) permanece próximo, preserva(-a) e afasta as insídias do javali selvagem (cf. Sl 74, 14). (Bas. [?], En. in Is. 1, 20: pg 30, 152c-153a).

— O multiforme exercício paraclético do Espírito Santo

Se o Espírito Santo encontra um cobrador de impostos que tem fé, faz dele um evangelista (cf. Mt 9, 9); se encontra um pescador, aperfeiçoa-o em teólogo (cf. Mt 4, 19); se encontra um perseguidor arrependido, transforma-o em apóstolo dos gentios, em anunciador da fé, em recetáculo de eleição (cf. At 9, 15). Através dele, os fracos tornam-se fortes, os pobres tornam-se ricos, os plebeus sem cultura tornam-se mais sábios do que os sábios. Paulo era fraco, mas pela presença do Espírito, a sua roupa pessoal levava a cura àqueles que a recebiam (cf. At 19, 12). E o próprio Pedro tinha o corpo todo enfermo, mas por causa da graça do Espírito Santo que nele habitava, a sombra que saía do seu corpo afastava as doenças dos que estavam debilitados (cf. At 5, 15). Pedro e João eram pobres, não tinham prata nem ouro (cf. At 3, 6), mas proporcionavam uma saúde mais preciosa do que muitas moedas de ouro. O coxo, depois de ter recebido ouro de muitos, continuava a ser mendigo, mas depois de ter recebido o benefício de Pedro, deixou de mendigar, saltando como um cervo e louvando a Deus. João não conhecia a sabedoria do mundo, mas pelo poder do Espírito, proferiu palavras que nenhuma sabedoria pode ver. O Espírito habita no céu, encheu a terra, está presente em toda a parte e não está contido em lugar algum. Habita inteiramente em cada um e está totalmente com Deus. Desempenha o serviço de oferta dos seus dons, mas não age na função de servo; aliás, distribui as suas graças com a própria autoridade: sim, «reparte — diz a Escritura — os seus dons, atribuindo-os individualmente a cada um, como lhe apraz» (1 Cor 12, 11). É enviado de acordo com o plano da redenção, mas age em total independência. Peçamos-lhe que esteja presente na nossa alma e que não nos abandone de modo algum, pela graça de Nosso Senhor Jesus Cristo, a quem sejam dados glória e poder pelos séculos dos séculos. Amém! (Bas., fid. 3).

d. O Espírito Santo é aquele que nos faz Igreja

«Ouvi isto, povos todos, prestai ouvidos, todos vós habitantes do mundo, vós, pessoas do povo e nobres, ricos e pobres juntos» (Sl 49, 2-3). Pois aquele que, chamando-nos dos mais diferentes lugares, cria a unidade, faz de nós Igreja (o ekklesiàzon) e convoca todos com o anúncio (tò kerùgmati),τé o Paráclito, Espírito da verdade (Jo 14, 17), que reúne todos os que são salvos por meio dos profetas e dos apóstolos, pois por toda a terra se espalha o seu anúncio, até aos confins da terra as suas palavras (Sl 18, 5); por isso, diz: Ouvi isto, povos todos, e todos vós habitantes do mundo (Sl 48, 2). Também por isso a Igreja é composta por homens das mais variadas condições, para que ninguém seja excluído do benefício (Bas., hom. in Ps. 48: pg 29, 433, 9-18).

Assim, o Espírito é verdadeiramente o lugar dos santos. E o santo é, por sua vez, um lugar familiar ao Espírito, porque se oferece para habitar com Deus e também se chama seu templo (Bas., Spir. 26, 62, 22-24).

— Ingratidão e indocilidade entristecem o Espírito Santo que habita em nós

Portanto, nem pelo facto de o Espírito estar em ti — se é verdade que está completamente em ti — nem pelo facto de nos instruir, cegando-nos na escolha do que nos é útil, e de nos guiar, tu és prejudicado na tua opinião reta e santa a respeito d’Ele. Com efeito, o grau supremo de ingratidão é fazer da benevolência do benfeitor uma ocasião de ingratidão (aformèn acharistìas). «Não entristeçais o Espírito Santo» (Ef 4, 30). Escutai o que diz Estêvão, oferecido como primícias dos mártires, quando censura o povo pela indocilidade e a insubordinação: «Vós — diz — resistis sempre ao Espírito Santo». E ainda Isaías: «Eles provocaram a indignação do Espírito Santo, que se tornou inimigo deles». E noutra passagem: «A casa de Jacob provocou a indignação do Espírito do Senhor» (Bas., Spir. 19, 50, 5-17).

— As palavras vazias entristecem o Espírito Santo

Pergunta 23. Até quais palavras se julga a tagarelice? Em geral, toda a palavra que não contribuir para a realização do que devemos fazer no Senhor é inútil. E o perigo de tal palavra é tão grande que, por muito bom que seja o que se diz, se não for ordenado à edificação da fé (cf. Ef 4, 29), quem falou não escapa ao perigo porque tal palavra não é boa, mas entristece o Espírito Santo porque o que diz não é ordenado à edificação. Isto foi-nos claramente ensinado pelo Apóstolo quando disse: «Não saia da vossa boca nenhuma palavra má, mas sim uma palavra boa para a edificação da fé, para fazer um dom aos que ouvem» (Ef 4, 29), e acrescentou: «E não entristeçais o Espírito Santo de Deus, com o qual fostes marcados» (Ef 4, 30). Que grande mal é entristecer o Espírito Santo de Deus, é preciso dizê-lo? [tagarelice, maldicência] (Bas., reg. brev. 23: pg 31, 1098d-1100a).

«Lembrai-vos destas coisas, rogando a Deus que se evitem discussões vãs, que só servem para a ruína de quem as ouve» (2 Tm 2, 14)... «Evita também as discussões desassisadas e ignorantes, consciente de que elas provocam contendas» (2 Tm 2, 23). Não se deve proferir palavras inúteis, das quais não se tira proveito algum. Pois falar ou praticar o bem por si só, sem ser para a edificação da fé, é entristecer o Espírito Santo de Deus (Bas., reg. mor. 25, pg 31, 744b).

Dado que o Senhor não deixa sem julgamento quem se dá à tagarelice e, de modo ainda mais forte, julga como preguiçoso quem deixa íntegro o talento na inatividade, o Apóstolo transmitiu-nos que também aquele que profere uma boa palavra, mas não contribui para a edificação da fé, entristece o Espírito Santo (cf. Ef 4, 30), assim somos obrigados a considerar o julgamento daquele que come e bebe indignamente (Bas., bapt. i, 3: pg 31, 1577bc).

e. O Espírito Santo confirma-nos na fé

«Pela palavra do Senhor foram consolidados os céus, e pelo sopro da sua boca todo o seu poder» (Sl 32, 6) Compreendei, pois, que são três: o Senhor que ordena, o Logos que cria, o Sopro (o Espírito) que confirma. Que mais seria a confirmação (e esterèosis), a não ser o aperfeiçoamento (e teleìosis) na santidade, dado que a palavra significa aquilo que é constante, imutável, firmemente estabelecido no bem? A santidade não existe sem o Espírito (Bas., Spir. 16, 38, 37-42).