A economia «que mata, que exclui, que polui, que produz a guerra, não é uma economia», mas sim «uma perversão da própria economia e da sua vocação». Escreveu o Papa na mensagem enviada aos participantes no 4º encontro anual de “The Economy of Francesco”, que se realizou online de Assis, na sexta-feira, 6 de outubro.
Caríssimas e caríssimos jovens!
É bom encontrar-vos um ano depois do evento de Assis e saber que o vosso trabalho para reanimar a economia prossegue com fruto, entusiasmo e empenho.
Já me ouvistes dizer muitas vezes que a realidade é superior à ideia ( eg 217-237). No entanto, as ideias inspiram e há uma que, desde os meus tempos de jovem estudante de teologia, me fascina. Em latim, chama-se coincidentia oppositorum, ou seja, a unidade dos contrários. De acordo com esta ideia, a realidade é feita de polos opostos, de pares que se opõem entre si. Alguns exemplos são o grande e o pequeno, a graça e a liberdade, a justiça e o amor, etc. O que fazer com estes opostos? Certamente pode-se procurar escolher um e eliminar o outro. Ou, como sugeriam os autores que eu estudava, na tentativa de conciliar os opostos, poder-se-ia fazer uma síntese, evitando a eliminação de um polo ou de outro, para resolvê-los num plano superior, onde, no entanto, a tensão não seja eliminada.
Caros jovens, toda a teoria é parcial, limitada, não pode pretender encerrar ou resolver completamente os opostos. Assim é também todo o projeto humano. A realidade escapa sempre. Então, como jovem jesuíta, esta ideia da unidade dos opostos pareceu-me um paradigma eficaz para compreender o papel da Igreja na história. Mas se pensarmos bem, é útil para compreender o que se passa na economia atual. O grande e o pequeno, a pobreza e a riqueza e muitos outros opostos existem também na economia. A economia são as bancas do mercado, assim como os centros da finança internacional; há a economia concreta, feita de rostos, de olhares, de pessoas, de pequenos bancos e empresas, e há a economia tão grande que parece abstrata das multinacionais, dos Estados, dos bancos, dos fundos de investimento; há a economia do dinheiro, dos bónus e dos salários altíssimos ao lado de uma economia do cuidado, das relações humanas, dos salários demasiado baixos para se poder viver bem. Onde está a coincidência entre estes opostos? Encontra-se na natureza autêntica da economia: ser um lugar de inclusão e de cooperação, uma geração contínua de valor a criar e a fazer circular com os outros. O pequeno precisa do grande, o concreto do abstrato, o contrato da dádiva, a pobreza da riqueza partilhada.
Mas, não vos esqueçais, há oposições que não geram qualquer harmonia. A economia que mata não coincide com a economia que faz viver; a economia de enormes riquezas para poucos não se harmoniza interiormente com os demasiados pobres que não têm onde viver; o gigantesco negócio das armas nunca terá nada em comum com a economia da paz; a economia que polui e destrói o planeta não encontra síntese alguma com a que o respeita e preserva.
É precisamente nesta tomada de consciência que reside o coração da nova economia a favor da qual estais comprometidos. A economia que mata, que exclui, que polui, que produz a guerra, não é economia: outros chamam-lhe economia, mas é apenas um vazio, uma ausência, é uma doença, uma perversão da própria economia e da sua vocação. As armas produzidas e vendidas para as guerras, os lucros obtidos à custa da pele dos mais vulneráveis e indefesos, como aqueles que deixam a sua terra em busca de um futuro melhor, a exploração dos recursos e dos povos que roubam a terra e a saúde: tudo isto não é economia, não é um bom polo da realidade, a manter. É apenas prepotência, violência, é apenas um esquema predatório do qual libertar a humanidade.
Gostaria de vos propor uma segunda ideia que me é muito cara, ligada ao que acabo de vos dizer sobre as tensões no seio da economia: a economia da terra e a economia do caminho. A economia da terra vem do primeiro significado da palavra economia, o de cuidar da casa. A casa não é apenas o lugar físico onde vivemos, mas é a nossa comunidade, as nossas relações, são as cidades que habitamos, as nossas raízes. Por extensão, a casa é o mundo inteiro, o único que temos, confiado a todos nós. Pelo simples facto de termos nascido, somos chamados a tornar-nos guardiães desta casa comum e, portanto, irmãos e irmãs de todos os habitantes da terra. Fazer economia significa cuidar da casa comum, e isso não será possível se não tivermos olhos treinados para ver o mundo a partir das periferias: o olhar dos excluídos, dos últimos. Até agora, o olhar sobre a casa que se impôs foi o dos homens, do masculino, geralmente do Ocidente e do Norte do mundo. Deixámos de fora durante séculos — entre outros — o olhar das mulheres: se elas estivessem presentes, ter-nos-iam feito ver menos mercadorias e mais relações, menos dinheiro e mais redistribuição, mais atenção aos que têm e aos que não têm, mais realidade e menos abstração, mais corpo e menos mexericos. Não podemos continuar a excluir os olhares diferentes da prática e da teoria económica, bem como da vida da Igreja. Por isso, uma alegria especial para mim é ver quantas mulheres jovens são protagonistas da The Economy of Francesco. A economia integral é aquela que se faz com e para os pobres — em todas as formas de ser pobre hoje — os excluídos, os invisíveis, aqueles que não têm voz para se fazerem ouvir. Precisamos de estar lá, nas linhas de fratura da história e da existência e, para aqueles que se dedicam ao estudo da economia, também nas periferias do pensamento, que não são menos importantes. Perguntemo-nos então: quais são hoje as periferias da ciência económica? Não basta um pensamento sobre e para os pobres, mas com os pobres, com os excluídos. Até na teologia, muitas vezes “estudámos os pobres”, mas estudámos pouco “com os pobres”: de objeto de ciência, devem tornar-se sujeitos, porque cada pessoa tem histórias para contar, tem um pensamento sobre o mundo: a primeira pobreza dos pobres é serem excluídos de ter uma palavra a dizer, excluídos da própria possibilidade de exprimir um pensamento considerado sério. Trata-se de dignidade e respeito, demasiadas vezes negados.
Eis então a economia do caminho. Se olharmos para a experiência de Jesus e dos primeiros discípulos, ela é a do “Filho do homem que não sabe onde reclinar a cabeça” (Lc 9). Uma das formas mais antigas de descrever os cristãos era: “os que estão a caminho”. E quando Francisco de Assis, que nos é tão querido, começou a sua revolução, também económica, só em nome do Evangelho, voltou mendigo, errante: pôs-se a caminho, deixando a casa do seu pai Bernardone. Qual o caminho, então, para quem quer renovar a economia a partir das raízes? O caminho do peregrino sempre foi arriscado, entrelaçado com a confiança e a vulnerabilidade. Quem o empreende tem de reconhecer rapidamente a sua dependência dos outros ao longo do caminho: assim, compreende que também a economia é mendiga de outras disciplinas e conhecimentos. E assim como o peregrino sabe que o seu caminho será poeirento, também vós sabeis que o bem comum exige um empenhamento que suja as mãos. Só as mãos sujas sabem mudar a terra: vive-se a justiça, encarna-se a caridade e, solidários nos desafios, persevera-se corajosamente neles. Ser economistas e empresários “de Francisco” hoje significa necessariamente ser mulheres e homens de paz: não se dar paz pela paz.
Queridos jovens, não tenhais medo das tensões e dos conflitos, procurai habitá-los e humanizá-los, todos os dias. Confio-vos a tarefa de guardar a casa comum e de ter a coragem do caminho.
É difícil, mas sei que o conseguireis porque já o estais a fazer. Sei que não é imediato inserir os vossos esforços e partilhar os vossos sonhos nas vossas Igrejas e nas realidades económicas dos territórios que habitais. A realidade parece já configurada, muitas vezes tão impermeável como um solo sobre o qual não chove há demasiado tempo. Não vos faltem a paciência e o engenho para vos dardes a conhecer e para estabelecerdes progressivamente ligações mais estáveis e fecundas. O desejo de um mundo novo é mais generalizado do que parece. Não vos fecheis em vós próprios: os oásis no deserto são lugares a que todos devem ter acesso, encruzilhadas onde se pode parar e de onde se pode voltar a partir diferentes. Por isso, mantende-vos abertos e procurai os vossos colegas, os vossos bispos, os vossos concidadãos com determinação e entusiasmo. E nisto, repito, que os pobres estejam convosco. Dai voz e forma a um povo, porque a concretude da economia e as soluções que estais a estudar e a experimentar dizem respeito à vida de todos. Hoje há mais espaço para vós do que parece. Por isso, peço-vos que vos mantenhais ativamente unidos, construindo verdadeiras pontes entre os continentes sobre questões operacionais, que libertem definitivamente a humanidade da era colonial e das desigualdades. Dai rostos, conteúdos e projetos a uma fraternidade universal. Sede pioneiros a partir da vida económica e empresarial do desenvolvimento humano integral.
Confio em vós e, nunca vos esqueçais: amo-vos muito.
Francisco