· Cidade do Vaticano ·

Missa celebrada pelo Papa com os novos cardeais e o Colégio cardinalício

Por uma Igreja com olhar acolhedor e as portas abertas

 Por uma Igreja com olhar acolhedor e as portas abertas   POR-040
05 outubro 2023

O «olhar acolhedor de Jesus convida-nos, também a nós, a ser uma Igreja hospitaleira, não uma Igreja de portas fechadas», recomendou o Papa Francisco na homilia da missa de abertura da xvi Assembleia geral ordinária do Sínodo dos bispos, celebrada na praça de São Pedro na manhã de quarta-feira, 4 de outubro, com os novos cardeais criados no Consistório de 30 de setembro e os outros membros do Colégio cardinalício. Eis as palavras do Pontífice.

O Evangelho que ouvimos está precedido pela narração dum momento difícil da missão de Jesus, que poderíamos definir de «desolação pastoral»: João Batista duvida que Ele seja verdadeiramente o Messias; muitas cidades por onde passou, apesar dos prodígios realizados, não se converteram; as pessoas acusam-no de ser um glutão e bebedor de vinho, enquanto pouco antes se queixavam do Batista porque era demasiado austero (cf. Mt 11, 2-24). Vemos, porém, que Jesus não se deixa tomar pela tristeza, mas eleva os olhos ao Céu e louva o Pai por ter revelado aos simples os mistérios do Reino de Deus: «Bendigo-te, ó Pai, Senhor do Céu e da Terra, porque escondeste estas coisas aos sábios e aos entendidos e as revelaste aos pequeninos» (Mt 11, 25). Portanto Jesus, no momento da desolação, tem um olhar capaz de ver mais além: louva a sabedoria do Pai e consegue vislumbrar o bem escondido que cresce, a semente da Palavra acolhida pelos simples, a luz do Reino de Deus que abre caminho mesmo na noite.

Queridos Cardeais, irmãos Bispos, irmãs e irmãos, estamos na abertura da Assembleia Sinodal. E não nos ajuda um olhar imanente, feito de estratégias humanas, cálculos políticos ou batalhas ideológicas: ver se o Sínodo vai permitir isto ou aquilo, abrir esta porta ou aquela… isso não adianta! Não estamos aqui para realizar uma reunião parlamentar nem um plano de reformas. O Sínodo, amados irmãos e irmãs, não é um parlamento. O protagonista é o Espírito Santo. Não estamos aqui para parlamentar, mas para caminhar juntos com o olhar de Jesus, que bendiz o Pai e acolhe a quantos estão cansados e oprimidos. Comecemos, pois, a partir deste olhar de Jesus: um olhar bendizente e acolhedor.

1. Vejamos o primeiro aspeto: um olhar bendizente. Apesar de ter experimentado a rejeição e ter visto ao seu redor tanta dureza de coração, Cristo não Se deixa prender pela desilusão, não Se torna amargo, nem extingue o louvor; fundado no primado do Pai, o seu coração permanece sereno, mesmo na tempestade.

Este olhar bendizente do Senhor convida-nos também a nós a sermos uma Igreja que, de ânimo feliz, contempla a ação de Deus e discerne o presente; uma Igreja que, no meio das ondas por vezes agitadas do nosso tempo, não desanima, não procura escapatórias ideológicas, não se barrica atrás de convicções adquiridas, não cede a soluções cómodas, nem deixa que seja o mundo a ditar a sua agenda. Esta é a sabedoria espiritual da Igreja, resumida com serenidade por São João xxiii : «É necessário primeiramente que a Igreja não se aparte do património sagrado da verdade, recebido dos seus maiores; mas, ao mesmo tempo, deve também olhar para o presente, para as novas condições e formas de vida do mundo, que abriram novos caminhos ao apostolado» (Discurso de inauguração do Concílio Ecuménico Vaticano ii , 11 de outubro de 1962).

O olhar bendizente de Jesus convida-nos a ser uma Igreja que não enfrenta os desafios e problemas de hoje com um espírito divisor e conflituoso, mas, pelo contrário, levanta os olhos para Deus, que é comunhão, e, maravilhado e humilde, o bendiz e adora, reconhecendo-o como seu único Senhor. Somos d’Ele e — nunca o esqueçamos — existimos apenas para o levar ao mundo. Como disse o apóstolo Paulo, de nada nos queremos «gloriar, a não ser na cruz de Nosso Senhor Jesus Cristo» (Gl 6, 14). Isto nos basta! Ele nos basta. Não queremos glórias terrenas, não queremos parecer bem aos olhos do mundo, mas fazer-lhe chegar a consolação do Evangelho, para testemunhar melhor, e a todos, o amor infinito de Deus. De facto, como afirmou Bento xvi dirigindo-se precisamente a uma Assembleia sinodal, «para nós a questão é: Deus falou, deveras rompeu o grande silêncio, mostrou-se, mas como podemos fazer chegar esta realidade ao homem de hoje, para que se torne salvação?» (Meditação na i Congregação Geral da xiii Assembleia Geral Ordinária do Sínodo dos Bispos, 8 de outubro de 2012). Esta é a questão fundamental. E este é o dever primário do Sínodo: centrar de novo o nosso olhar em Deus, para sermos uma Igreja que olha, com misericórdia, a humanidade. Uma Igreja unida e fraterna — ou pelo menos procura ser unida e fraterna — que escuta e dialoga; uma Igreja que abençoa e encoraja, que ajuda quem busca o Senhor, que excita benevolamente os indiferentes, que abre caminhos para iniciar as pessoas na beleza da fé. Uma Igreja que tem Deus no centro e, consequentemente, não se divide internamente e nunca é dura externamente. Uma Igreja que arrisca com Jesus. É assim que Jesus quer a Igreja, assim quer Ele a sua Esposa.

2. Depois deste olhar bendizente, contemplemos o olhar acolhedor de Cristo. Enquanto aqueles que se consideram sábios não conseguem reconhecer a obra de Deus, Jesus exulta de alegria no Pai porque Se revela aos pequeninos, aos simples, aos pobres em espírito. Uma vez houve um problema na paróquia e as pessoas falavam disso, contavam-me o que se passava. E uma senhora idosa, muito idosa, uma senhora do povo, quase analfabeta, teve uma intervenção própria dum teólogo, oferecendo, com muita serenidade e sabedoria espiritual, a sua contribuição. Recordo, com alegria, aquele momento como uma revelação do Senhor; e ocorreu-me perguntar-lhe: “Diga-me, senhora, onde é que estudou, com Royo Marín, esta teologia tão alta?”. A gente sábia do povo tem esta fé. E por isso, ao longo da sua vida, assume este olhar acolhedor para com os mais frágeis, os atribulados, os descartados. É neles que pensa, de modo particular, ao pronunciar estas palavras que ouvimos: «Vinde a mim, todos os que estais cansados e oprimidos, que Eu hei de aliviar-vos» (Mt 11, 28).

Este olhar acolhedor de Jesus convida-nos também a nós a sermos uma Igreja hospitaleira, não com as portas fechadas. Num tempo complexo como o nosso, surgem novos desafios culturais e pastorais que exigem uma atitude interior cordial e gentil para os podermos encarar sem medo. No diálogo sinodal, durante esta estupenda «marcha no Espírito Santo» que realizamos juntos como Povo de Deus, oxalá possamos crescer na unidade e na amizade com o Senhor, para ver com o seu olhar os desafios de hoje; para se tornar, segundo uma linda expressão de São Paulo vi , uma Igreja que «se faz colóquio» (Carta enc. Ecclesiam suam, 65). Uma Igreja «de jugo suave» (cf. Mt 11, 30), que não impõe pesos e, a todos, repete: «Vinde, cansados e oprimidos; vinde, vós que vos extraviastes ou sentis distantes; vinde, vós que fechastes as portas à esperança: a Igreja está aqui para vós!». A Igreja das portas abertas para todos, todos, todos!

3. Irmãos e irmãs, Povo santo de Deus, diante das dificuldades e desafios que nos esperam, o olhar bendizente e acolhedor de Jesus impede-nos de cair nalgumas tentações perigosas: ser uma Igreja rígida — uma alfândega — que se arma contra o mundo e olha para trás; ser uma Igreja tépida, que se rende às modas do mundo; ser uma Igreja cansada, fechada em si mesma. No livro do Apocalipse, o Senhor diz: «Estou à porta e bato para que a porta seja aberta»; muitas vezes, porém, irmãos e irmãs, Ele bate à porta, mas do lado de dentro da Igreja, para deixarmos o Senhor sair com a Igreja a fim de proclamar o seu Evangelho.

Caminhemos juntos: humildes, ardorosos e alegres. Caminhemos pelas pegadas de São Francisco de Assis, o Santo da pobreza e da paz, o «louco de Deus» que trouxe no corpo os estigmas de Jesus e, para se revestir d’Ele, despojou-se de tudo. Como é difícil este despojamento interior e exterior em todos nós e também nas instituições! Conta São Boaventura que São Francisco, enquanto rezava, o Crucificado lhe disse: «Vai e repara a minha igreja» (Legenda maior, ii , 1). O Sínodo serve para nos recordar isto: a nossa Mãe Igreja sempre precisa de purificação, de ser «reparada», porque todos nós somos um Povo de pecadores perdoados (ambas as coisas: pecadores e perdoados), sempre necessitados de regressar à fonte que é Jesus e de nos colocarmos novamente nos caminhos do Espírito para chegar a todos com o seu Evangelho. Francisco de Assis, num tempo de grandes lutas e divisões entre o poder temporal e o religioso, entre a Igreja institucional e as correntes heréticas, entre cristãos e outros crentes, não criticou nem atacou ninguém, mas limitou-se a pegar nas armas do Evangelho, isto é, a humildade e a unidade, a oração e a caridade. Façamos assim também nós! Humildade e unidade, oração e caridade.

E se o Povo santo de Deus com os seus pastores, de todas as partes do mundo, nutre anseios, esperanças e até qualquer receio sobre o Sínodo que iniciámos, recordemos mais uma vez de que não se trata duma reunião política, mas duma convocação no Espírito; não se trata dum parlamento polarizado, mas dum lugar de graça e comunhão. Depois, como sucede muitas vezes, o Espírito Santo rompe as nossas expetativas para criar algo de novo que supera as nossas previsões e as nossas negatividades. Talvez possa dizer que os momentos mais frutuosos no Sínodo são os momentos de oração, e também o ambiente de oração, graças ao qual age em nós o Senhor. Abramo-nos a Ele e invoquemo-lo: Ele é o protagonista, o Espírito Santo. Deixemos que seja Ele o protagonista do Sínodo! E com Ele caminhemos, com confiança e alegria.