Redescobrir a dimensão do silêncio para escutar a voz do Espírito e fazer do Sínodo um lugar de fraternidade: eis o «percurso» espiritual indicado pelo Papa Francisco à Igreja — que vive a experiência da assembleia sinodal de 4 a 29 de outubro — durante a vigília ecuménica de oração “Together”, realizada sábado à tarde na praça de São Pedro. Segue-se o texto da homilia proferida pelo Pontífice.
“Togheter — juntos” como a comunidade cristã das origens no dia do Pentecostes, como um único rebanho, amado e reunido por um só Pastor, Jesus. Como a grande multidão do Apocalipse, estamos aqui, irmãos e irmãs «de todas as nações, tribos, povos e línguas» (Ap 7, 9), vindos de comunidades e países diferentes, filhas e filhos do mesmo Pai, animados pelo Espírito recebido no Batismo, chamados à mesma esperança (cf. Ef 4, 4-5).
Obrigado pela vossa presença. Obrigado à Comunidade de Taizé por esta iniciativa. Saúdo com grande afeto aos Chefes de Igrejas, aos líderes e às delegações das diferentes tradições cristãs, e saúdo a todos vós, especialmente aos jovens: obrigado! Obrigado por terem vindo rezar por nós e connosco, em Roma, antes da Assembleia Geral Ordinária do Sínodo dos Bispos, nas vésperas do retiro espiritual que a precede. “Syn-odos”: caminhamos juntos, não só os católicos, mas todos os cristãos, o povo inteiro dos batizados, todo o Povo de Deus, porque «só o conjunto pode ser a unidade de todos» (P.A. Möhler , Symbolik oder Darstellung der dogmatischen Gegensätze der Katholiken und Protestanten nach ihren öffentlichen Bekenntnisschnften, ii , Köln-Olten 1961, 698).
Como a grande multidão do Apocalipse, rezámos em silêncio, ouvindo um grande «silêncio» (Ap 8, I). E o silêncio é importante, é forte: pode expressar uma dor indescritível frente às desgraças, mas também, nos momentos de alegria, um júbilo que transcende as palavras. Por isso quero refletir brevemente convosco sobre a sua importância na vida do crente, na vida da Igreja e no caminho de unidade dos cristãos. A importância do silêncio.
Em primeiro lugar, o silêncio é essencial na vida do crente. De facto, aparece no início e no fim da existência terrena de Cristo. O Verbo, a Palavra do Pai, fez-se “silêncio” na manjedoura e na cruz, na noite do Nascimento e na da Páscoa. Nesta tarde nós, cristãos, permanecemos em silêncio diante do Crucifixo de São Damião, como discípulos à escuta diante da cruz, que é a cátedra do Mestre. O nosso não foi um silêncio vazio, mas um momento cheio de fé, expetativa e disponibilidade. Num mundo cheio de ruído, já não estamos habituados ao silêncio; antes, às vezes temos dificuldade em suportá-lo, porque nos coloca diante de Deus e de nós próprios. Contudo está na base da palavra e da vida. São Paulo diz que o mistério do Verbo encarnado «foi mantido em silêncio por tempos eternos» (Rm 16, 25), ensinando-nos que o silêncio guarda o mistério, como Abraão guardava a Aliança, como Maria guardava no ventre e meditava no coração a vida do seu Filho (cf. Lc 1, 31; 2, 19.51). Aliás a verdade não necessita de gritos violentos para chegar ao coração dos homens. Deus não gosta de pregões e gritarias, de bisbilhotice e tumulto; Deus prefere antes, como fez com Elias, falar no «murmúrio de uma brisa suave» (1 Rs 19, 12), num «fio de silêncio ressonante». E assim também nós, como Abraão, como Elias, como Maria, precisamos de nos libertar de muitos ruídos para ouvir a sua voz. Pois é só no nosso silêncio que ressoa a sua Palavra.
Em segundo lugar, o silêncio é essencial na vida da Igreja. Os Atos dos Apóstolos dizem que, depois do discurso de Pedro no Concílio de Jerusalém, «toda a assembleia ficou em silêncio» (15, 12), preparando-se para acolher o testemunho de Paulo e Barnabé sobre os sinais e maravilhas que Deus realizara no meio das nações. E isto recorda-nos que o silêncio, na comunidade eclesial, torna possível a comunicação fraterna, na qual o Espírito Santo harmoniza os pontos de vista, porque Ele é a harmonia. Sermos sinodais significa acolher-nos assim uns aos outros, cientes de que todos temos algo para testemunhar e aprender, colocando-nos juntos à escuta do «Espírito da Verdade» (Jo 14, 17) para conhecermos o que Ele «diz às Igrejas» (Ap 2, 7). E o silêncio permite precisamente o discernimento, através da escuta atenta dos «gemidos inefáveis» (Rm 8, 26) do Espírito que ecoam, muitas vezes escondidos, no Povo de Deus. Por isso peçamos ao Espírito o dom da escuta para os participantes no Sínodo: «escuta de Deus, até ouvir com Ele o grito do povo; escuta do povo, até respirar nele a vontade a que Deus nos chama» (Discurso na Vigília de Oração preparatória do Sínodo sobre a Família, 4 de outubro de 2014).
E finalmente, em terceiro lugar, o silêncio é essencial no caminho de unidade dos cristãos. Na verdade, é fundamental para a oração, da qual começa o ecumenismo e sem a qual este é estéril. De facto, Jesus rezou pelos seus discípulos para que «sejam todos um só» (Jo 17, 21). O silêncio feito oração permite-nos acolher o dom da unidade «como Cristo a quer», «com os meios que Ele quer» ( P. Couturier , Oração pela unidade), não como fruto autónomo dos nossos esforços e segundo critérios puramente humanos. Quanto mais nos dirigimos juntos ao Senhor na oração, mais sentimos que é Ele quem nos purifica e nos une para além das diferenças. A unidade dos cristãos cresce no silêncio diante da cruz, precisamente como as sementes que receberemos e que representam os diversos dons concedidos pelo Espírito Santo às várias tradições: a nós cabe-nos a tarefa de as semear, na certeza de que, o crescimento, só Deus o dá (cf. 1 Cor 3, 6). Elas serão um sinal para nós, chamados por nossa vez a morrer silenciosamente para o egoísmo a fim de crescermos, pela ação do Espírito Santo, na comunhão com Deus e na fraternidade entre nós.
Por isso, irmãos e irmãs, na oração comum, peçamos para aprender de novo a fazer silêncio: para ouvir a voz do Pai, o chamamento de Jesus e o gemido do Espírito. Peçamos que o Sínodo seja kairós de fraternidade, um lugar onde o Espírito Santo purifique a Igreja das murmurações, das ideologias e das polarizações. Ao mesmo tempo que nos encaminhamos para o aniversário importante do grande Concílio de Niceia, peçamos para saber adorar unidos e em silêncio, como os Magos, o mistério de Deus feito homem, certos de que quanto mais estivermos próximo de Cristo, tanto mais unidos estaremos entre nós. E assim como os sábios do Oriente foram conduzidos a Belém por uma estrela, assim também a luz celeste nos guie para o nosso único Senhor e para a unidade pela qual Ele rezou. Irmãos e irmãs, caminhemos juntos, desejosos de o encontrar, adorar e anunciar para que «o mundo creia» (Jo 17, 21).