No longo discurso pronunciado em Marselha, concluindo os Rencontres Méditerranéennes, o Papa Francisco, filho de migrantes, recordou que a questão migratória não é novidade dos últimos anos, nem é ele o primeiro Pontífice que se ocupa disto. Há pelo menos setenta anos que a Igreja sente a urgência crescente desta situação. Corria o ano de 1952 e, sete anos após o fim da segunda guerra mundial, a Europa ainda vivia o drama das pessoas deslocadas. Pio xii , na Constituição apostólica Exsul familia, escrevia que «a Família de Nazaré no exílio, Jesus, Maria e José emigrantes no Egito [...] são o modelo, o exemplo e a ajuda de todos os emigrantes e peregrinos de todas as idades e de todos os países, de todos os refugiados, de qualquer condição que, impelidos pela perseguição ou pela necessidade, se veem obrigados a abandonar a pátria, os entes queridos [...] e a partir para uma terra estrangeira». Guerras, perseguições ou necessidade de melhorar a própria condição são as motivações da migração, às quais hoje se acrescentam, cada vez mais evidentemente, os problemas ligados às mudanças climáticas. Em 1967, com a importante encíclica Populorum progressio, foi Paulo vi que recordou que os povos da fome interpelam dramaticamente os povos da opulência, enumerando três deveres para as nações mais desenvolvidas: o dever da solidariedade, da justiça social e da caridade universal. Depois, o Papa Montini reiterou o «dever do acolhimento» sobre o qual, escreveu, «nunca é demasiado insistir».
Para além dos dois exemplos citados por Francisco, poder-se-ia mencionar muitos outros. Por exemplo, as palavras de João Paulo ii , que na Mensagem para o Dia mundial da emigração, em 1996, escreveu: «O primeiro modo de ajudar estas pessoas é ouvi-las, para conhecer a sua situação e para lhes assegurar, seja qual for a sua posição jurídica perante o ordenamento do Estado, os necessários meios de subsistência». E acrescentou que «é necessário estar vigilante contra o aparecimento de formas de neorracismo ou de comportamento xenófobo, que procuram fazer destes nossos irmãos bodes expiatórios de eventuais situações locais difíceis». Ou ainda Bento xvi , que na Mensagem de 2012 observava que «hoje vemos que muitas migrações são consequência da precariedade económica, da falta de bens essenciais, de calamidades naturais, de guerras e de desordens sociais. Em vez de uma peregrinação animada pela confiança, pela fé e pela esperança, migrar torna-se assim um “calvário” de sobrevivência, onde homens e mulheres parecem mais vítimas do que autores e responsáveis da sua vicissitude migratória».
Certamente, também em Marselha, como repetiu várias vezes durante os primeiros dez anos do seu pontificado, Francisco citou as dificuldades de acolher, proteger, promover e integrar as pessoas não esperadas. Evocou a responsabilidade comum de toda a Europa e a necessidade de garantir «um grande número de entradas legais e regulares, sustentáveis graças a um acolhimento equitativo» por parte do continente europeu. Mas reiterou também que o principal critério deve ser sempre a salvaguarda da dignidade humana, não a manutenção do próprio bem-estar. Pois, como deveríamos ter aprendido com a recente experiência da pandemia, só nos salvamos juntos, nunca sozinhos.
Andrea Tornielli