· Cidade do Vaticano ·

Fanatismo da indiferença e desequilíbrio do amor

 Fanatismo da indiferença  e desequilíbrio do amor  POR-039
28 setembro 2023

Ofanatismo da indiferença. Palavras fortes pronunciadas pelo Papa no primeiro dos dois dias da sua viagem apostólica a Marselha. Falando com os jornalistas no avião, o Papa confidenciou: «Espero ter a coragem de dizer tudo o que quero dizer». Esperança bem colocada: as suas palavras foram fortes e claras. Durante o momento de recolhimento com os líderes religiosos diante do memorial dedicado aos migrantes desaparecidos no mar, a poucos metros do santuário de Nossa Senhora da Guarda, o Papa Francisco usou também esta estranha expressão: o fanatismo da indiferença. Palavras que soam insólitas, quase um oximoro, pois estamos habituados a pensar que o fanático é um homem “acalorado”, que se apaixona (demasiado) por algo, por uma ideia, enquanto o indiferente nos parece um homem “frio”, que não se inflama por nada e por ninguém, permanecendo impassível perante tudo o que vê ou encontra. Então, que nos quer dizer o Papa com esta expressão, que desequilibra o nosso sentimento comum? Releiamos todo o trecho improvisado pelo Papa no seu discurso: «Não podemos resignar-nos a ver seres humanos tratados como mercadoria de troca, encarcerados e torturados de maneira atroz — sabemos que, muitas vezes, quando os mandamos embora, o seu destino é a tortura e a prisão; não podemos mais assistir às tragédias dos naufrágios, devido a tráficos odiosos e ao fanatismo da indiferença. A indiferença torna-se fanática. As pessoas que correm o risco de se afogar, quando são abandonadas no meio das ondas, devem ser socorridas. É um dever de humanidade, é um dever de civilização!». Portanto, para o Papa a indiferença pode chegar a tornar-se fanática. É quando um homem se agarra a uma atitude, a uma postura, e não aceita mudar, insistindo na tentativa desesperada de continuar a olhar para o outro lado, com medo de arriscar ampliar o olhar. Como recordava George Santayana: «O fanatismo consiste em redobrar os esforços quando nos esquecemos do objetivo». Neste caso, a meta esquecida é permanecer humano, o “dever de humanidade” que o Papa recorda, admoestando que Marselha é o lugar físico onde se sente que hoje a humanidade se encontra numa encruzilhada: «De um lado a fraternidade, que fecunda de bem a comunidade humana; do outro, a indiferença, que ensanguenta o Mediterrâneo. Encontramo-nos numa encruzilhada de civilizações. Ou a cultura da humanidade e da fraternidade, ou a cultura da indiferença: cada um se desembarace como puder». E esta encruzilhada pode ser declinada também utilizando outra palavra em vez de “indiferença”, ou seja, fratricídio, se é verdade (como infelizmente é) que esta indiferença fanática tinge o Mediterrâneo de vermelho.

Fratricídio, violência contra o irmão, é outra palavra forte implicitamente evocada no discurso do Papa que concluiu, mais uma vez improvisando, com uma afirmação clara e pungente, incluída no elogio final dirigido a quantos se esforçam por salvar vidas naquele enorme cemitério marinho: «Fico contente por ver aqui tantos de vós que ides ao mar para salvar, para socorrer os migrantes. E muitas vezes sois impedidos de ir, porque — dizem — o navio tem falta de alguma coisa, falta isto, falta aquilo... São gestos de ódio contra o irmão, disfarçados de “equilíbrio”». O ódio pode ser disfarçado, diz o Papa, assim como «o desinteresse que condena à morte com luvas de veludo». Por outro lado, quem se lança de modo “desequilibrado” ao mar para socorrer os irmãos migrantes é o contrário do fanático, pois redobra os esforços precisamente porque não esqueceu o objetivo, a finalidade autêntica de uma existência plenamente humana.

Andrea Monda