· Cidade do Vaticano ·

A migração de Roman e John da África para o Brasil em condições extremas

Destino Paz

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28 setembro 2023

Fugindo da Nigéria e da Costa do Marfim, dois homens arriscaram a vida para abandonarem a própria terra. Escondidos em navios dos quais não conheciam o destino, chegaram até São Paulo, onde a Missão Paz dos religiosos scalabrinianos hoje os ajuda a abrirem-se a um novo futuro.

Fugindo da Nigéria e da Costa do Marfim, dois homens colocaram a vida em risco deixando a sua terra natal. Escondidos em barcos cujo destino desconheciam, chegaram a São Paulo, onde hoje a Missão Paz dos religiosos scalabrinianos os ajuda a abrir-se a um novo futuro.

Enquanto Roman acaba de comer carne com arroz, batatas e feijão, John lava a louça das mais de oitenta pessoas que almoçaram na Casa do Migrante, no centro de São Paulo. Entre junho e julho, os dois fugiram da África escondidos em navios mercantis sem conhecer o destino. Ambos estavam decididos a sair de contextos sociais marcados pela violência extrema e pela pobreza, onde a falta de trabalho impede de sonhar com um futuro promissor. Qualquer coisa era melhor do que ficar ali, e valia a pena correr qualquer risco, por maior que fosse.

Era a segunda vez que Roman Ebimene, solteiro de 35 anos, procurava fugir da Nigéria embarcando em Lagos: «A razão pela qual quis deixar o meu país era a dureza das condições de vida: não há comida, não há dinheiro, não há saúde», especifica, acrescentando com emoção que «tive de deixar a África porque todos os dias vemos que nos matam ou raptam». Na noite de 13 de junho, na escuridão total, um pescador levou-o no seu barco a remos até a um navio, para o qual conseguiu subir pelas redes penduradas na popa. Roman foi o primeiro de quatro nigerianos que entraram clandestinamente nesse navio, antes do nascer do sol. Estenderam-se nas redes num espaço aberto de dois metros cúbicos perto do leme. Dali conseguiam ver a água, mas não o horizonte.

Duas semanas mais tarde, John Ekow embarcou de modo análogo num navio de carga na Costa do Marfim, deixando lá a esposa e os dois filhos. «Não tinha emprego e vi que não podia fazer nada ali. Um amigo disse-me que eu devia aventurar-me para construir um futuro», conta o ganês de 24 anos. Aquele amigo tornou-se seu companheiro de viagem no recanto ensurdecedor onde se refugiaram perto da hélice do navio e onde só conseguiam comunicar gritando. Partiram do porto de Abidjan a 28 de junho.

Sede e incerteza

Roman tinha água em abundância e algo para comer, mas não duraram muito tempo. Os quatro nigerianos conseguiram racionar as provisões por dez dias. Nunca tinham pensado numa viagem tão longa e procuravam compreender como uma embarcação como aquela podia demorar tanto tempo para chegar à Europa ou aos Estados Unidos, os dois destinos onde esperavam começar uma nova vida. «O navio continuava a navegar. Passou o primeiro dia, depois o segundo, o terceiro e não parava! Perguntamo-nos várias vezes para onde iria aquele navio. Nunca tinha enfrentado uma viagem tão longa!», diz Roman. À sede exasperante que começavam a sentir, acrescentava-se a incerteza de quanto tempo ainda sobreviveriam. Às vezes, pensavam em subir ao convés e pedir ajuda à tripulação, mas o terror de serem atirados ao mar como castigo impedia-os de o fazer.

Para John e o seu companheiro, a água e a comida duraram muito menos. No quinto dia, já não aguentavam e foram pedir ajuda. O capitão do navio foi ao seu encontro. O ganês admite que os trataram bem e até os elogiaram pela coragem. Só então descobriram que se dirigiam para o Brasil. No entanto, explicaram-lhes que deviam ficar no navio e regressar para a Costa do Marfim, ou entregar-se às autoridades migratórias brasileiras. «Decidi que não podia voltar para a África, considerando até onde tinha chegado», diz John para explicar porque recusou os 2.000 dólares que lhe ofereceram, se voltasse para Abidjan.

“Por favor, socorro, socorro!”

No décimo quarto dia da travessia clandestina, e a mais de 5500 km do ponto de partida, os quatro nigerianos não aguentavam mais. Só tinham um pouco de água do mar para beber e o frio era insuportável. Restavam-lhes poucas forças e certamente pouca esperança. Foi então que, no dia 27 de junho, às 5 horas da manhã, ouviram os motores das patrulhas costeiras aproximar-se do navio de carga. Era madrugada. Então Roman decidiu pôr a vida em risco: mantendo-se em equilíbrio, caminhou sobre o leme e depois sentou-se nele. «Comecei a gritar: por favor, socorro, socorro, somos imigrantes clandestinos!», conta, falando sobre o momento em que o resgate teve início. As imagens daqueles homens em condições extremas deram a volta ao mundo, evidenciando os gestos desesperados que milhares de migrantes fazem todos os dias para fugir do próprio país e sobreviver. Estavam no porto de Vitória, no sudeste do Brasil, onde foram recebidos como refugiados. Dois deles decidiram voltar para a Nigéria, porque não tinham chegado ao destino desejado.

Uma mão estendida com angústia

Roman e outro dos seus companheiros chegaram a São Paulo, onde foram acolhidos pela Missão Paz. Trata-se de uma organização gerida pelos religiosos scalabrinianos que, há mais de oitenta anos, assiste os milhares de migrantes que chegam ao Brasil. E aqui, a 18 de agosto, chegou também John, quando o seu navio atracou em Macapá, no norte do país. O seu amigo continuou a viagem até à Guiana francesa, mas ele decidiu ir para São Paulo. Hoje estes dois imigrantes africanos têm de que viver e o seu próximo desafio é aprender a língua para poder trabalhar. John é mecânico de automóveis e quer encontrar o mais rapidamente possível roupa adequada para consertar veículos. Roman é soldador e na Missão Paz já encontrou várias oportunidades de emprego. Assim, ambos começaram uma nova fase na sua história de emigrantes: a de se inserir numa nova sociedade. Segundo especialistas, esta fase pode gerar ainda mais angústia do que os traumas vividos no barco, pois geralmente o choque cultural, as resistências sociais e a indiferença ao sofrimento humano são fontes de profunda frustração.

A Missão Paz conhece tais sofrimentos e para os tornar mais suportáveis, além de alojamento, alimentação, cursos de português e assistência jurídica, oferece apoio psicológico àqueles que, depois de uma viagem longa e tortuosa, se abrem à possibilidade de uma vida melhor numa terra muito longe de casa.

Artigo redigido em colaboração com o Global Solidarity Fund no âmbito do projeto editorial #VoicesofMigrants

Felipe Herrera-Espaliat
enviado a São Paulo (Brasil)