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Schönborn: «A sinodalidade é o modo de viver a comunhão na Igreja»

 Schönborn: «A sinodalidade  é o modo de viver a comunhão na Igreja»  POR-038
21 setembro 2023

«Asinodalidade é o modus operandi da comunhão eclesial, a participação também em questões e decisões de governo, em aspetos da vida da Igreja. O Sínodo sobre a sinodalidade é um sínodo sobre o modo como se vive evangelicamente a comunhão eclesial, o caminhar juntos de todos os membros do Povo de Deus». Com estas palavras, numa entrevista aos meios de comunicação social do Vaticano, o cardeal Christoph Schönborn, arcebispo de Viena, resume o ponto central da próxima assembleia sinodal, salientando a ligação entre o sínodo que a Igreja vive e o sínodo de 1985 dedicado à comunhão eclesial. Uma ênfase que deixa claro que a comunhão e a busca da unidade — ut unum sint — vêm antes das diferentes posições, com a esperança de que também determine o modo de as apresentar e debater.

Eminência, o primeiro dos dois sínodos sobre a sinodalidade está prestes a começar: o que espera que surja deste trabalho comum?

Muitas coisas podem acontecer neste sínodo, não sabemos. O Papa Francisco colocou-nos num caminho bastante singular, o da escuta e do discernimento. Estas são sempre coisas a fazer, são coisas elementares para a vida da Igreja, mas o Papa colocou uma ênfase muito mais explícita na questão do discernimento: o que nos mostra o Senhor? O que quer Ele para nós hoje, para a Igreja? E assim o sínodo é uma tentativa de aprofundar, de aprender, de experimentar este caminho de discernimento.

Na Igreja de Viena, há alguns anos, celebrastes um sínodo diocesano. O que aconteceu?

Tenho de o corrigir um pouco, porque não foi um sínodo diocesano. O sínodo diocesano tem regras muito claras, estabelecidas pelo direito canónico. Eu tive a ideia, e partilhámo-la com muitos, de seguir outro caminho, o das assembleias diocesanas. Fizemos cinco, cada uma com 1.400, 1.500 delegados de paróquias, instituições, ordens, de todas as realidades da diocese. A ideia orientadora foi uma que o Papa Francisco mencionou várias vezes, a do Concílio dos Apóstolos, que lemos nos Atos. Propus à diocese: falemos entre nós, de forma ordenada, sobre o que experimentámos do nosso caminho com o Senhor, sobre o que Deus nos fez perceber na nossa vida, nas nossas paróquias.

O que mais o impressionou no decurso do processo?

A metodologia foi a dos Atos dos Apóstolos. Naquela época havia um problema, o dos pagãos que se tinham tornado cristãos: deviam ser batizados ou não? E se fossem batizados, deviam também assumir a lei judaica, ou bastava a fé em Cristo? Para resolver esta questão dramática, escutam as experiências e discernem. Pedro falou, depois Paulo e Barnabé falaram e, por fim, toda a assembleia escutou e rezou. No final, chegaram a esta conclusão: «O Espírito Santo e nós decidimos...». Quando o Papa Francisco me pediu para fazer o discurso por ocasião do cinquentenário da instituição do sínodo em 2015, na Sala Paulo vi , antes do seu famoso discurso sobre a sinodalidade, eu tinha de fazer uma síntese do que é o sínodo e falei, antes de mais, da experiência da Igreja primitiva. E penso que este caminho — o Papa Francisco repetiu-o muitas vezes — o caminho de contar, escutar e discernir é bom para o percurso do sínodo que vamos viver agora.

Qual é o balanço das assembleias diocesanas?

O que tentámos fazer na diocese aprofundou certamente a comunhão entre nós, favoreceu as iniciativas pastorais. Não votámos, não tomámos resoluções, não publicámos textos: apenas partilhámos a vida da Igreja à luz das nossas experiências. Foi este o método destas cinco assembleias diocesanas. Foi uma experiência muito positiva, num momento difícil, porque aconteceu todo o drama dos abusos e a crise de credibilidade da Igreja. Mas, na verdade, tivemos uma forte experiência de fé e de comunhão, e isso certamente ajudou-nos a ir em frente sem desanimar.

«Sínodo sobre a sinodalidade»: pode parecer um título longe da sensibilidade das pessoas, um título um pouco técnico. O que acha?

Participei no sínodo de 1985 não como bispo mas como teólogo, fui um dos teólogos que colaborou nesse sínodo que se realizou 20 anos depois do encerramento do Concílio e cujo tema era a comunhão, a communio, uma palavra essencial do Vaticano ii . Esse sínodo também não tinha um tema específico, mas era quase um sínodo sobre a comunhão: a communio, como nota essencial da Igreja, como caraterística da vida eclesial. E penso que o sínodo sobre a sinodalidade é algo semelhante. A sinodalidade é muito simples: é o modus operandi da comunhão eclesial, a participação também nos assuntos e nas decisões de governo, nos aspetos da vida da Igreja. O sínodo sobre a sinodalidade é um sínodo sobre a maneira de viver evangelicamente, de forma a corresponder à vida do Evangelho, à comunhão eclesial, ao caminhar juntos do povo de Deus, de todos os membros do povo de Deus. É claro que se pode dizer que a maior parte dos sínodos depois de 1965 tiveram um tema mais específico: por exemplo, a penitência ou a família, como aconteceu em 2014-15. Mas penso que este tema da sinodalidade é mais um passo na aceitação do Concílio Vaticano ii , da communio e do modus operandi da communio, da sinodalidade. Não se deve esquecer também que o caminhar juntos da sinodalidade não se dá apenas no contemporâneo, mas também na história. E, por isso, sinodalidade significa também fazer memória do caminho daqueles que nos precederam na fé.

O Papa Francisco insiste em ressaltar que o sínodo é feito de oração, de escuta da voz do Espírito Santo, de escuta recíproca e de discernimento. E é diferente do trabalho de um parlamento — igualmente positivo — que está sujeito à lógica da maioria e da minoria.

Disse que o trabalho de um parlamento é uma coisa positiva. Estamos gratos a todos os países que têm um parlamento, um verdadeiro parlamento, uma democracia parlamentar. Gostaria de acrescentar uma pequena nota. É claro que o parlamento não invoca explicitamente o Espírito Santo: nalguns parlamentos há uma tradição de oração, são raros, mas existem. Mas estou a pensar naquele maravilhoso discurso do Papa Bento xvi ao parlamento de Londres, onde mostrou que mesmo na democracia parlamentar há algo de discernimento... Falou da consciência de Thomas Moore de que tinha de tomar uma atitude contrária ao rei, mas antes de mais falou de uma decisão do parlamento de Londres, a da abolição da escravatura, mostrando como nos debates parlamentares tinha havido um avanço na tomada de consciência de que a escravatura é contrária à dignidade humana. É por isso que gostaria de acrescentar uma palavra positiva sobre o trabalho do parlamento. Embora o sínodo não seja certamente um parlamento, isso não significa que o trabalho do parlamento não seja algo positivo.

Pode explicar esta diferença entre sínodo e parlamento?

A diferença é que a sinodalidade, a vida na Igreja, é sempre uma procura de unanimidade, não no sentido parlamentar de que todos devem votar da mesma maneira — como acontece nas ditaduras ou no comunismo — mas como uma tensão para a unidade. É a escuta da voz do Espírito Santo que avança na busca da verdade, na busca do bem, até chegar à quase-unanimidade. Foi o que fizeram os Concílios e também os sínodos que conheci: a regra do sínodo é que há votações, mas estas devem obter dois terços dos votos. Não esqueçamos também que o sínodo é consultivo, não é um órgão legislativo. É para ouvir, para escutar em conjunto a voz do Espírito Santo. Foi por isso que o Papa quis, tanto para o sínodo sobre a família como para este sobre a sinodalidade, duas etapas ou várias etapas, locais, continentais, etc. E, no final, duas reuniões da assembleia sinodal, pois trata-se de um caminho para uma unanimidade que deve ser sempre ut sint cor unum et anima una, como se diz da Igreja primitiva: eram um só coração e uma só alma. Esta concórdia é o sinal do Espírito Santo.

O que significa, concretamente, «ouvir a voz do Espírito»?

O Papa ensinou-nos — e nós já o praticamos com bons frutos — o método do diálogo espiritual. Em que consiste? Em ouvir-nos uns aos outros com respeito, com acolhimento, para chegar a um discernimento, para compreender qual é a vontade de Deus. E para mim foi impressionante que no documento Querida Amazonia o Papa Francisco tenha proposto um eco do sínodo sobre a Amazónia, ao qual pude participar. Num momento, ele disse: aqui sinto que há falta de discernimento, precisamos de mais discernimento. Como sabemos que fizemos o discernimento necessário para chegar a uma decisão? Esta é certamente a arte do governo do Papa, mas também da concórdia sinodal, dos membros do Sínodo. Por isso, penso que vamos viver uma forte experiência de eclesialidade nesta escuta. É claro que, em muitas questões e em muitos temas, a lista de assuntos é longa e haverá muito tempo para discutir e trocar ideias sobre este ou aquele assunto, mas sempre na perspetiva da escuta do Espírito.

Uma caraterística certamente nova deste sínodo foi a tentativa de envolver e escutar amplamente as Igrejas locais, fazendo participar nos trabalhos as comunidades e até aqueles que se afastaram da Igreja. É importante este método e, em caso afirmativo, porquê?

Sim, é importante ouvir também a voz daqueles que não estão “dentro”, que se afastaram, porque esse eco nos permite discernir melhor. E depois escutar a voz dos fiéis. Basta ler o famoso livrinho de São John Henry Newman sobre a escuta dos fiéis em matéria de fé. Este pequeno livro, escrito na altura do Concílio Vaticano i , é muito importante para a nossa situação de busca da sinodalidade.

O que significa escutar a fé do povo de Deus?

É o sensus fidei. É claro que isto não se descobre nas estatísticas. Se não fizermos este trabalho de escuta do sensus fidei não estamos à escuta o Espírito Santo porque o que se vive e se percebe no sensus fidei do povo de Deus é o nó, o coração da fé da Igreja. Penso numa experiência pessoal quando era um jovem estudante de teologia e nos ensinavam todas as ideias de Bultmann e da Entmythologisierung (desmitologização, ndr). Um questionamento radical da fé cristã. Cheguei a casa e contei o facto à minha mãe, que me ouviu e, passado algum tempo, olhou para mim um pouco surpreendida e disse simplesmente: «Mas se Jesus não é o filho do Deus vivo, a nossa fé é vazia». Eu sempre disse que esta lição da minha mãe foi para mim aquela escuta do povo de Deus, da fé dos simples, a fé do povo de Deus. Por isso é tão importante a insistência do Papa Francisco sobre a religiosidade popular, sobre a fé do povo — uma insistência que já encontramos no documento de Aparecida. Lembro-me daquele famoso sermão do então cardeal Ratzinger no período da crise com Hans Küng, quando ele dizia: a teologia que não se coloca humildemente ao serviço, à escuta da fé do povo de Deus, não é útil, é a gnose, mas não é o serviço da fé. Por isso, penso que o método de envolver um grande número de fiéis e também de pessoas que se afastaram da Igreja é importante para o discernimento.

Outra caraterística é a participação de membros não bispos, com a inclusão de um número significativo de fiéis leigos e especialmente mulheres. Como altera isto a fisionomia do sínodo e quais serão, na sua opinião, as consequências?

Nos sínodos dos últimos 50 anos houve sempre leigos e leigas que participaram como peritos, auditores e auditoras. Agora, pela primeira vez, um bom número de leigos e leigas são membros de pleno direito do sínodo. Penso que não muda fundamentalmente a fisionomia do sínodo, porque é sem dúvida um sínodo de bispos, a maioria continua a ser bispos, porque a tradição sinodal é, antes de mais, o encontro dos bispos da região, da nação, etc., mas esta participação dos fiéis leigos é certamente importante para melhorar a escuta. Participei num bom número de sínodos e recordo as intervenções de homens e mulheres, leigos, entre os peritos, entre os auditores, que tiveram um impacto profundo nos trabalhos. Desta vez, dá-se mais um passo para incluir estas vozes. Haverá ainda neste sínodo peritos presentes, inclusive delegados de outras Igrejas fraternas. Penso que se trata simplesmente de um enriquecimento. Então, devemos recordar mais uma vez o sínodo criado por Paulo vi há mais de 55 anos. Este sínodo é concebido como a voz do episcopado da Igreja universal junto do Sucessor de Pedro. Como bem sabemos, há votações e escrutínios muito significativos, mas esses votos são a expressão do sensus fidelium, também das expetativas do povo de Deus que, em última análise, são transmitidas ao Papa para o seu ulterior discernimento. Esta nova participação não altera fundamentalmente o significado de um sínodo pós-conciliar.

Uma consequência desta ampla participação foi a inclusão no Instrumentum laboris sinodal de muitos temas que foram debatidos durante décadas. Por exemplo, o pedido de reformas específicas para uma maior participação dos leigos e das mulheres na vida da Igreja, ou uma reconsideração de certos temas relacionados com a teologia moral. Que peso terá isto no Sínodo?

Não posso responder a isso, veremos. O que me apercebi é que os sínodos continentais e também o eco de numerosas conferências episcopais de todo o mundo insistem certamente na questão da participação dos leigos na vida da Igreja. Trata-se de um tema que já foi central no Concílio Vaticano ii . A participação dos leigos está no centro das intenções do Concílio e ainda há muito a aprender e a fazer. São João xxiii já dizia que o tema da mulher na vida da Igreja é um dos sinais dos tempos, é uma das grandes questões que surgem em todo o mundo e este tema estará certamente presente. No entanto, sou um pouco cético quanto ao facto de a lista de temas muito debatidos, especialmente no mundo ocidental secularizado, ser tão centrais para toda a Igreja. Dou um exemplo. No Sínodo sobre a Amazónia, houve uma forte pressão de certos grupos para que se tomasse uma decisão sobre o viri probati, a ordenação sacerdotal de homens casados. Poderão criticar-me por mencionar isto, mas ele foi dito no sínodo. Alguns interrogavam-se: como é possível que 1200 sacerdotes da Colômbia, um país com muitas vocações sacerdotais, vivem nos Estados Unidos e no Canadá? Porque é que cem ou duzentos deles não vão para a Amazónia? O problema da falta de sacerdotes estaria resolvido. Portanto, penso que às vezes é preciso um pouco mais de discernimento e também de honestidade para ver a complexidade das questões. Neste sentido, estou confiante de que o Sínodo será uma bela e forte ocasião, uma oportunidade para discernirmos juntos estas questões.

A secularização avança nas sociedades ocidentais, a transmissão da fé que se fazia na família parece ter-se interrompido. Como se pode voltar a anunciar o Evangelho em tais contextos? Como poderá o próximo Sínodo ajudar neste sentido?

Já o disse, a transmissão da fé fazia-se na família. É verdade que, se esta transmissão não tiver lugar na família, a comunicação da fé não é impossível, mas é muito mais difícil. É por isso que o duplo sínodo sobre a família de 2014-15 é muito importante para a comunicação da fé. Confio que a transmissão da fé acontece porque é obra do Senhor. É o Senhor que chama, que convida, é o Senhor que age no coração das pessoas, que atrai, como disse Jesus: «Quando Eu for elevado da terra, atrairei todos a mim». Esta atração de Jesus atua em todo o mundo, mas há também necessidade de quem ajude a captar este chamamento, esta obra do Senhor. É claro que a secularização é um grande desafio. Mas, mais uma vez, recordo Bento xvi que disse coisas surpreendentes sobre a sociedade secularizada. Lembro-me que quando foi à República Checa, um país muito secularizado, disse: aqui também há oportunidades para o Espírito Santo agir, para ser operativo. E isso é verdade. Portanto, a secularização não é apenas uma desvantagem, tem também um lado positivo, no sentido que as questões existenciais pessoais surgem de uma forma talvez mais direta. E assim age o Senhor. Este é o Evangelho: é força de vida, suscita a vida e, neste sentido, estou confiante de que este sínodo, apesar de todas as críticas que já são feitas, será um passo para fazer progredir a comunhão da Igreja.

Andrea Tornielli