O tema do acolhimento propõe-se como «fio vermelho que une os muitos aspetos da vida e do martírio da família Ulma»: nele encontramos «desvendada uma riqueza de mensagens, que hoje queremos recolher como fruto do seu testemunho», disse o cardeal Marcello Semeraro, prefeito do Dicastério para as causas dos santos na beatificação de Józef e Wiktoria Ulma e dos seus sete filhos: Stanisława, Barbara, Władysław, Franciszek, Antoni, Maria e o recém-nascido, dado à luz no instante do martírio da mãe. O rito — presidido em representação do Papa Francisco — foi celebrado na manhã de 10 de setembro, no campo desportivo de Markowa, Przemyśl dos latinos (Polónia), perto da fronteira com a Ucrânia.
Diante de mais de 30.000 fiéis, o prefeito frisou que os novos mártires beatos ensinam sobretudo «a aceitar a Palavra de Deus», esforçando-se todos os dias por cumprir a sua vontade. A família Ulma escutava a Palavra «em família, na liturgia dominical, prolongando a meditação em casa, refletida na Bíblia que liam e sublinhavam». São muito significativos a palavra “sim” escrita à mão na passagem da parábola do bom Samaritano e «o destaque ao convite de Jesus a amar até os inimigos» (Mt 5, 46). Assim, a partir da escuta da Palavra do Senhor, «o seu corajoso projeto de vida foi-se moldando dia a dia». Neles operou «perfeitamente a graça santificadora do Batismo, da Eucaristia e dos outros sacramentos, entre os quais se destacam claramente a beleza e a grandeza do sacramento do matrimónio». Viveram uma santidade «não só conjugal, mas plenamente familiar». A eles, observou o prefeito, convém a antiga definição de São João Crisóstomo, que fala do lar como de “pequena Igreja”; a mesma que o Vaticano ii chama “Ecclesia domestica”, à qual Deus «concedeu todos os meios da graça, de modo a torná-la sinal e encarnação de todo o povo de Deus». A casa da família Ulma tornou-se o lugar do que o Papa Francisco, na Gaudete et exsultate, chama «santidade da porta ao lado».
No testemunho e martírio da família Ulma, reiterou Semeraro, «redescobrimos a grandeza da família, lugar de vida, amor e fecundidade», mas também «a grandeza da missão que o Criador confiou aos esposos». Além disso, no martírio dos novos beatos, «um papel sugestivo é desempenhado pela pequena criatura que Wiktoria trazia no ventre e que veio ao mundo no instante do martírio da mãe». Ele «ainda não tinha nome, mas hoje já lhe chamamos beato». A mensagem desta beatificação é mais atual do que nunca: «Sem jamais ter pronunciado uma palavra, hoje no Paraíso o pequeno beato canta com os anjos e santos os louvores a Deus Trindade, e aqui na terra grita ao mundo moderno que acolha, ame e proteja a vida, especialmente dos indefesos e marginalizados, desde o momento da conceção até à morte natural». A sua voz inocente «quer despertar a consciência de uma sociedade onde o aborto, a eutanásia e o desprezo pela vida vista como fardo e não como dom são galopantes». A família Ulma, insistiu, «encoraja-nos a reagir à “cultura do descarte” que o Papa Francisco denuncia».
O testemunho desta família ensina ainda «o acolhimento do outro, sobretudo dos mais necessitados». Sim, o acolhimento é «uma expressão da fraternidade». Por isso, o cardeal saudou os representantes da comunidade judaica, cuja participação no rito «não é só expressão de nobres sentimentos de gratidão pelo que os novos beatos fizeram, quando na Europa e sobretudo aqui na Polónia grassava a fúria da chamada “solução final” do ocupante alemão», mas «tem um significado muito profundo e oferece a mais bela luz sobre a amizade judaico-cristã». Com este gesto a família Ulma, «como as outras pessoas de boa vontade que ajudaram os judeus, antecipou os ensinamentos do Vaticano ii , de São Paulo vi e de São João Paulo ii , propondo-se viver a atitude de quem derruba muros e abraça o outro com caridade fraterna».
Receber o próximo é, hoje, «uma tarefa mais urgente do que nunca, devido à violência e à devastação causadas pela guerra». A invasão russa da Ucrânia, «pela qual já se combate há 18 meses, provocou a fuga de um grande número de refugiados, que bateram às portas da Polónia em busca de um refúgio». Neste contexto difícil, observou o prefeito, «várias instituições do governo, bem como milhares de pessoas e simples famílias abriram as portas de casa para acolher quantos tiveram que fugir». Com especial admiração e gratidão, o cardeal recordou as muitas iniciativas da Cáritas em Przemyśl e em toda a Polónia. «A vasta e coral participação de trabalhadores e voluntários para enfrentar as emergências humanitárias», disse, «assumiu proporção e significado extraordinários. Situações semelhantes repetem-se também «noutras partes do mundo e criam multidões de refugiados que procuram acolhimento justo».
A intercessão dos novos beatos e o seu «testemunho de caridade evangélica encorajem todos os homens de boa vontade a tornar-se construtores de paz», abrindo as portas e interessando-se pelos outros, «pelo seu sofrimento físico e moral, pela sua vida distante de casa e dos afetos, pondo remédio às feridas causadas pela rejeição ou incompreensão».