· Cidade do Vaticano ·

Mensagem de Francisco aos participantes no Encontro internacional de oração pela paz promovido pela Comunidade de Santo Egídio

A audácia da paz

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14 setembro 2023

«É necessária a audácia da paz: agora, que há muitos conflitos que se arrastam há demasiado tempo, tanto tempo que alguns parecem nunca mais acabar, de tal modo que, num mundo onde tudo corre depressa, só o fim das guerras parece lento», escreveu o Papa Francisco na seguinte mensagem enviada na tarde de 12 de setembro, na conclusão do Encontro internacional de oração pela paz promovido pela Comunidade de Santo Egídio. Realizado em Berlim desde domingo, 10, contou com a presença de líderes religiosos, políticos e homens de cultura.

Queridos irmãos e irmãs!

Estais reunidos este ano em Berlim, junto da Porta de Brandemburgo, líderes cristãos, líderes das religiões mundiais e autoridades civis, reunidos pela Comunidade de Santo Egídio, que prossegue fielmente a peregrinação de oração e de diálogo iniciada por São João Paulo ii em Assis em 1986. O lugar do vosso encontro é particularmente sugestivo pelo facto de que, precisamente onde vos encontrais reunidos, teve lugar um acontecimento histórico: a queda do muro que separava as duas Alemanhas. Esse muro dividia também dois mundos, o Oeste e o Leste da Europa. A sua queda, que ocorreu com a ajuda de vários fatores, a coragem de tantos e as orações de muitos, abriu novas perspetivas: a liberdade dos povos, a reunificação das famílias, mas também a esperança de uma nova paz mundial, após a guerra fria.

Infelizmente, ao longo dos anos, não se construiu sobre esta esperança comum, mas sobre interesses especiais e desconfiança em relação aos outros. Assim, em vez de se derrubarem muros, ergueram-se outros. E infelizmente, do muro à trincheira o passo é muitas vezes curto. Hoje, a guerra continua a assolar demasiadas partes do mundo: penso em muitas zonas de África e do Médio Oriente, mas também em muitas outras regiões do planeta; e na Europa, que conhece a guerra na Ucrânia, um conflito terrível que não tem fim e que causou mortos, feridos, dores, êxodos, destruições.

No ano passado, estive convosco em Roma, no Coliseu, para rezar pela paz. Ouvimos o grito da paz violada e espezinhada. Naquela ocasião eu disse: «A invocação da paz não pode ser silenciada: nasce do coração das mães, está inscrita nos rostos dos refugiados, das famílias em fuga, dos feridos ou dos moribundos. E este grito silencioso eleva-se ao Céu. Não conhece fórmulas mágicas para sair de conflitos, mas tem o sacrossanto direito de pedir paz em nome dos sofrimentos suportados, e merece ser ouvido. Merece que todos, a começar pelos governantes, se inclinem para ouvir com seriedade e respeito. O grito da paz expressa a dor e o horror da guerra, mãe de todas as pobrezas».

Perante este cenário, não podemos resignar-nos. É necessário algo mais. Precisamos da “audácia da paz”, que está no centro do vosso encontro. O realismo não é suficiente, as considerações políticas são insuficientes, os aspetos estratégicos implementados até agora não são suficientes; é preciso mais, porque a guerra continua. É necessária a audácia da paz: agora, que há muitos conflitos que se arrastam há demasiado tempo, tanto tempo que alguns parecem nunca mais acabar, de tal modo que, num mundo onde tudo corre depressa, só o fim das guerras parece lento. É preciso coragem para saber mudar o rumo, apesar dos obstáculos e das dificuldades objetivas. A audácia da paz é a profecia exigida daqueles que têm nas mãos o destino dos países em guerra, da comunidade internacional, de todos nós, sobretudo dos homens e mulheres crentes, para que deem voz ao grito das mães e dos pais, ao suplício dos mortos, à futilidade da destruição, denunciando a loucura da guerra.

Sim, a audácia da paz desafia particularmente os crentes, nos quais se converte em oração, para invocar do Céu o que parece impossível na terra. A insistência da oração é a primeira forma de audácia. Cristo, no Evangelho, recorda a «obrigação de orar sempre, sem desfalecer» (Lc 18, 1), dizendo: «Pedi e dar-se-vos-á, procurai e achareis, batei e abrir-se-vos-á» (Lc 11, 9). Não tenhamos medo de nos tornar mendigos de paz, unindo-nos às irmãs e irmãos de outras religiões e a todos aqueles que não se resignam à inevitabilidade dos conflitos. Uno-me à vossa oração pelo fim das guerras, agradecendo-vos do fundo do coração por tudo o que fazeis.

É efetivamente necessário ir em frente para atravessar o muro do impossível, erigido sobre argumentos que parecem irrefutáveis, sobre a memória de tantas dores passadas e de grandes feridas sofridas. É difícil, mas não impossível. Não é impossível para os crentes, que vivem a audácia de uma oração esperançosa. Mas também não deve ser impossível para os políticos, para os dirigentes, para os diplomatas. Continuemos a rezar pela paz sem nos cansarmos, a bater com espírito humilde e insistente à porta sempre aberta do coração de Deus e às portas dos homens. Peçamos que se abram caminhos de paz, especialmente para a querida e martirizada Ucrânia. Confiamos que o Senhor ouve sempre o grito angustiado dos seus filhos. Escutai-nos, Senhor!

Roma, São João de Latrão
5 de setembro de 2023.

FRANCISCO