· Cidade do Vaticano ·

A sede, o deserto e a esperança

A sede, o deserto e a esperança

07 setembro 2023

No discurso pronunciado domingo, durante o encontro ecuménico e inter-religioso que teve lugar no Hun Theatre em Ulaanbaatar, o Papa Francisco afirmou a possibilidade e a necessidade da esperança, que é sempre um caminho difícil, mais longo e árduo do que o desespero, mas mais forte e fecundo para continuar a viver como seres humanos. Disse precisamente que «esperar é possível. Num mundo dilacerado por lutas e discórdias, isto poderia parecer utópico; no entanto, as maiores proezas começam no escondimento, com dimensões quase impercetíveis. A árvore frondosa nasce da pequena semente, escondida na terra».

As dimensões da Igreja na Mongólia são deveras pequenas, “quase impercetíveis”, cerca de 1.500 católicos em todo o país, mas Deus ama a pequenez, como recordou o Papa no dia precedente, no discurso na catedral, convidando a olhar para Maria que, no seu escondimento, realizou maravilhas. Já no seu início, o Evangelho de Lucas indica a lógica e o estilo escondido, discreto, de Deus. Por um lado, há o imperador Augusto, o homem mais poderoso do mundo, que impõe o recenseamento, quer contar os seus subordinados, conhecer os números: homens (como os tijolos de Babel), reduzidos a dados a reunir, a contabilizar; por outro lado, Deus envia o seu anjo a Nazaré, na Galileia, periferia da periferia (a ponto que Natanael de Caná pode interrogar-se: «Pode vir algo bom de Nazaré?»), para propor a uma jovem um projeto que transtornará a sua vida e mudará a história do mundo.

A esperança é este caminho difícil, que não confia nos grandes números, mas aceita com coragem o desafio da vida. Uma senda que muitas vezes leva a atravessar o deserto.

A imagem do deserto foi o ponto fulcral sobre o qual se desenvolveu a homilia proferida pelo Papa no domingo, na qual se referiu à condição itinerante da população mongol, alargando-a a toda a humanidade: «Com efeito, todos nós somos “nómadas de Deus”, peregrinos em busca da felicidade, viandantes sedentos de amor. Portanto, o deserto evocado pelo salmista refere-se à nossa vida: somos aquela terra árida que tem sede de água límpida, de uma água que sacia profundamente a nossa sede; é o nosso coração que deseja descobrir o segredo da verdadeira alegria, aquela que, até no meio da aridez existencial, pode acompanhar-nos e sustentar-nos. Sim, trazemos dentro de nós uma sede insaciável de felicidade; estamos à procura de significado».

O deserto e com ele a sede e, no fundo, a morte. Daí o medo, a desorientação que aflige cada homem e mulher ao longo do caminho da vida. Aquele medo que impele Pedro a escandalizar-se diante da cruz e a desejar “proteger” Jesus, afastando-o do seu destino de sofrimento. A reação de Jesus é direta, cortante. E mais ainda as suas últimas palavras na cruz, que exprimem todo este mistério: primeiro «tenho sede» e depois «meu Deus, por que me abandonaste?».

A fé cristã respondeu a esta pergunta, a esta sede. Disse o Papa de modo forte e vibrante na homilia, convidando os fiéis a permanecer, a habitar esta questão, sem a evitar nem fugir: «A fé cristã responde a esta sede; leva-a a sério; não a elimina, não procura saciá-la com paliativos ou sucedâneos: não! Pois nesta sede está o nosso grande mistério: ela abre-nos ao Deus vivo, ao Deus Amor que vem ao nosso encontro para nos tornar seus filhos, irmãos e irmãs entre nós. [...] É verdade que, às vezes, nos sentimos como uma terra deserta, árida e sem água, mas é igualmente verdade que Deus cuida de nós e nos oferece água límpida e refrescante, a água viva do Espírito que, jorrando em nós nos renova, libertando-nos do perigo da seca. É Jesus que nos dá esta água».

Depois, o Papa cita uma bonita passagem de Santo Agostinho: «Se nos reconhecermos no sedento, reconhecer-nos-emos também no saciado» (Sobre o Salmo 62, 3).

Com efeito, se muitas vezes na nossa vida experimentamos o deserto, a solidão, o cansaço e a esterilidade, contudo não devemos esquecer isto: «Para não esvaecer neste deserto, acrescenta Agostinho, Deus asperge-nos com o orvalho da sua Palavra [...]. Faz-nos, sim, sentir sede, mas depois vem saciá-la. [...] Deus teve piedade de nós e abriu-nos um caminho no deserto: Nosso Senhor Jesus Cristo», e este é o caminho no deserto da vida. Há um deserto, mas há um caminho; há sede, mas há água.

A escritora dinamarquesa Karen Blixen encarou este mistério, é este o destino dos verdadeiros artistas, habitou esta interrogação e ofereceu-nos esta reflexão: «Até hoje, ninguém viu aves migratórias dirigir-se para esferas mais quentes que não existem, ou rios desviados através de rochedos e planícies a fim de correr para um oceano que não se pode encontrar. Pois Deus não cria um anseio, um desejo ou uma esperança, sem ter pronta uma realidade que os realize. O nosso anseio é a nossa certeza, e bem-aventurados sejam os nostálgicos, porque voltarão para casa».

Voltando para casa da viagem à Mongólia, o Papa oferece-nos esta esperança possível, necessária e credível.

Andrea Monda