· Cidade do Vaticano ·

Francisco por ocasião da atribuição do prémio “É Jornalismo”

Contra a linguagem do ódio espaço à lógica do diálogo e da paz

 Contra a linguagem do ódio  espaço à lógica do diálogo e da paz  POR-035
31 agosto 2023

O convite a dar «espaço às vozes de paz, a quem está comprometido a pôr fim a este e a muitos outros conflitos, a quem não se rende à lógica “cainista” da guerra», foi dirigido pelo Papa aos representantes do mundo da informação italiana, recebidos em audiência na manhã de 26 de agosto, na Biblioteca particular, por ocasião da atribuição do prémio “É Jornalismo”,

Prezados amigos,
bem-vindos!

Saúdo-vos e agradeço-vos por este encontro e pela atribuição do Prémio “É Jornalismo”. Deveis saber que eu, mesmo antes de ser Bispo de Roma, costumava recusar a oferta de prémios. Nunca os recebi, nunca os quis. E continuei a fazê-lo também como Papa. No entanto, há uma razão que me levou a aceitar o vosso, que é a urgência de uma comunicação construtiva, que promova a cultura do encontro, não do conflito; a cultura da paz, não da guerra; a cultura da abertura ao outro, não do preconceito. Todos vós sois ilustres representantes do jornalismo italiano. Permiti, então, que vos confie uma esperança e também que vos dirija francamente um pedido de ajuda. Mas não vos peço dinheiro, estai tranquilos!

A esperança é a seguinte: que hoje, numa época em que todos parecem comentar tudo, até independentemente dos acontecimentos e muitas vezes até antes de estar informados, redescubramos e voltemos cada vez mais ao cultivo do princípio de realidade — a realidade é superior à ideia, sempre — a realidade dos acontecimentos, o dinamismo dos eventos; que nunca são imóveis, evoluem sempre, para o bem ou para o mal, para não corrermos o risco de a sociedade da informação se transformar na sociedade da desinformação. A desinformação é um dos pecados do jornalismo, que são quatro: a desinformação, quando o jornalismo não informa ou informa mal; a calúnia (às vezes usa-se este termo); a difamação, que é diferente da calúnia, mas destrói; e o quarto é a coprofilia, ou seja, o amor pelo escândalo, pela sujidade, o escândalo vende. A desinformação é o primeiro dos pecados, dos erros — digamos assim — do jornalismo.

Mas para fazer isto devemos difundir uma cultura do encontro, uma cultura do diálogo, uma cultura da escuta do outro e das suas razões. A cultura digital trouxe-nos tantas novas possibilidades de intercâmbio, mas também corre o risco de transformar a comunicação em slogan. Não, a comunicação é sempre ida e volta. Digo, ouço e respondo, mas sempre em diálogo. Não se trata de slogan. Preocupam-me, por exemplo, as manipulações daqueles que, de forma interesseira, propagam fake news para influenciar a opinião pública. Por favor, não cedamos à lógica da oposição, não nos deixemos influenciar pela linguagem do ódio. Na conjuntura dramática que a Europa vive, com a continuação da guerra na Ucrânia, somos chamados a um sobressalto de responsabilidade. Espero que se dê espaço às vozes de paz, a quem está comprometido em pôr fim a este e a muitos outros conflitos, àqueles que não se rendem à lógica “cainista” da guerra, mas continuam a acreditar, apesar de tudo, na lógica da paz, na lógica do diálogo, na lógica da diplomacia.

E agora, o pedido de ajuda. Precisamente neste tempo, em que se fala muito e se ouve pouco, e em que o sentido do bem comum corre o risco de se debilitar, toda a Igreja empreendeu um caminho para redescobrir a palavra juntos. Devemos redescobrir a palavra juntos. Caminhar juntos. Questionar-nos juntos. Assumir juntos o discernimento comunitário, que para nós é oração, como fizeram os primeiros Apóstolos: é a sinodalidade, que gostaríamos de tornar um hábito diário em todas as suas expressões. Precisamente com este objetivo, daqui a pouco mais de um mês, bispos e leigos do mundo inteiro reunir-se-ão aqui em Roma para um Sínodo sobre a sinodalidade: escutar juntos, discernir juntos, rezar juntos. A palavra juntos é muito importante. Vivemos numa cultura da exclusão, que é uma espécie de capitalismo da comunicação. Talvez a prece habitual desta exclusão seja: “Obrigado, Senhor, porque não sou como este, não sou como aquele, não sou...”: excluem-se. Devemos dar graças ao Senhor por tantas coisas boas!

Compreendo muito bem que falar de “Sínodo sobre a sinodalidade” pode parecer algo ilógico, autorreferencial, excessivamente técnico, de pouco interesse para o público em geral. Mas o que aconteceu no ano passado, que continuará com a assembleia de outubro próximo e depois com a segunda etapa do Sínodo 2024, é algo verdadeiramente importante para a Igreja. É um caminho que começou com São Paulo vi , no final do Concílio, quando criou o Secretariado para o Sínodo dos Bispos, porque tinha entendido que na Igreja ocidental a sinodalidade desaparecera, ao passo que na Igreja oriental existe esta dimensão. E este caminho de tantos anos — 60 anos — dá grandes frutos. Por favor, habituemo-nos a ouvir-nos uns aos outros, a falar, a não cortar a cabeça por uma palavra. Escutar, discutir de forma madura. É uma graça de que todos precisamos para progredir. É algo que a Igreja de hoje oferece ao mundo, um mundo muitas vezes tão incapaz de tomar decisões, até quando a nossa sobrevivência está em jogo. Procuramos aprender uma nova forma de viver as relações, escutando-nos uns aos outros, para ouvir e seguir a voz do Espírito. Abrimos as nossas portas, oferecemos a todos a oportunidade de participar, tendo em consideração as exigências e sugestões de todos. Queremos contribuir juntos para construir a Igreja onde todos se sintam em casa, onde ninguém seja excluído. Aquela palavra do Evangelho, que é tão importante: todos. Todos, todos: não há católicos de primeira, segunda ou terceira classe, não! Todos juntos. Todos! É o convite do Senhor.

Por isso, ouso pedir a vossa ajuda, mestres de jornalismo: ajudai-me a narrar este processo tal como ele é, saindo da lógica dos slogans e das histórias preconcebidas. Não, a realidade! Alguém dizia: “A única verdade é a realidade”. Sim, a realidade! Todos beneficiaremos com isso e, tenho a certeza, isto também “é jornalismo”!

Caros amigos, mais uma vez obrigado por este encontro, pelo que ele significa em referência ao nosso compromisso comum pela verdade e pela paz. Confio todos vós à intercessão de Maria e recomendo-vos: não vos esqueçais de rezar por mim!