· Cidade do Vaticano ·

O fio ténue da inquietação e o olhar cristão sobre o mundo

 O fio ténue da inquietação  e o olhar cristão sobre o mundo  POR-032
10 agosto 2023

«Ser descontente é ser homem». O Papa Francisco, falando aos jovens universitários no segundo dia da sua viagem a Portugal, cita o poeta e escritor Fernando Pessoa, nascido e falecido em Lisboa, autor, entre outras obras, do extraordinário Livro do Desassossego. E o desassossego é o fio condutor dos discursos do Papa nestes primeiros dias. Já na quarta-feira, na homilia das Vésperas, disse claramente: «Eis o que nos pede o Senhor: despertar a ânsia pelo Evangelho. E podemos dizer que esta é a ânsia “boa” que a imensidão do oceano entrega a vós, portugueses: fazer-se ao largo, não para conquistar o mundo, mas para o alegrar com a consolação e a alegria do Evangelho». A missão do cristão é partir para esta estranha forma de conquista que não consiste em procurar inimigos para derrotar, mas em tocar o coração dos homens tristes e pessimistas com alegria e esperança. Assim “armados”, os cristãos são chamados a ser peregrinos no mundo. Antes de mais, por um facto de realismo: todo o homem é já, no momento em que vem ao mundo, um peregrino. Dirigindo-se aos jovens universitários, o Papa afirmou que «na imagem do “peregrino”, espelha-se a conduta humana, pois todos somos chamados a confrontar-nos com grandes interrogativos que não têm resposta, não têm uma resposta simplista ou imediata, mas convidam a realizar uma viagem, superando-se a si mesmo, indo mais além. Trata-se de um processo que um universitário compreende bem, pois é assim que nasce a ciência. E de igual modo cresce também a busca espiritual». E também a arte, poder-se-ia acrescentar. Como dizia Andrei Tarkovsky, «o artista existe precisamente porque o mundo não é perfeito e a arte não seria necessária para ninguém se o mundo fosse o reino da harmonia e da beleza».

Cada homem é um peregrino, diz o Papa, e os dois verbos essenciais do peregrino são «procurar e arriscar». Aqui reside a inquietação da qual fala o Papa, aquela que não se deve temer: «Não devemos ter medo de nos sentirmos inquietos, de pensar que tudo o que possamos fazer não basta. Neste sentido e dentro de uma justa medida, estar insatisfeito é um bom antídoto contra a presunção de autossuficiência e contra o narcisismo. O caráter incompleto define a nossa condição de indagadores e peregrinos; como diz Jesus, estamos no mundo, mas não somos do mundo (cf. Jo 17, 16). Estamos caminhando “para”. Somos chamados a algo mais, a uma decolagem sem a qual não há voo. Portanto, não nos alarmemos se nos encontramos intimamente sedentos, inquietos, incompletos, desejosos de sentido e de futuro, com saudade do futuro... Não estamos doentes, estamos vivos!». A afirmação de Pessoa sobre a insatisfação encontra o seu correspondente na frase do escritor francês Julien Green: «enquanto estiver inquieto, posso ficar tranquilo». O tema da incompletude é muito querido a Bergoglio, que falou muitas vezes da necessidade de ter um “pensamento inacabado”. Este sentimento de incompletude não deve levar ao desânimo, nem sequer ao arrependimento ou ao ressentimento, mas àquela “boa” nostalgia que é a nostalgia do futuro.

Por isso é fundamental manter o olhar sobre a realidade, mas que seja inspirado pela fé e pela luz do Evangelho. Na homilia das Vésperas de quarta-feira, o Papa exortou a não cair na tentação da desconfiança e do medo: «Não é momento de parar, não é momento de desistir, não é momento de atracar o barco à margem nem de olhar para trás; não temos que escapar deste tempo, só porque nos mete medo, para nos refugiarmos em formas e estilos do passado. Não! Este é o tempo da graça que o Senhor nos concede para nos aventurarmos no mar da evangelização e da missão». E como que para retomar o discurso, dirigindo-se aos jovens universitários, disse: «procurai e arriscai. Neste momento histórico, os desafios são enormes, os gemidos dolorosos: estamos a viver uma terceira guerra mundial feita aos pedaços. Mas abracemos o risco de pensar que não estamos numa agonia, mas num parto; não no fim, mas no início de um grande espetáculo... Por isso sede protagonistas de uma “nova coreografia” que coloque no centro a pessoa humana, sede coreógrafos da dança da vida».

Não uma agonia, mas um parto. É esta a visão do cristão, de quem sabe discernir e captar a obra de Deus até quando os sinais exteriores da história parecem apontar apenas para uma única direção, a mais sombria e inquietante, sabendo, como já intuía São Paulo, que «toda a criação geme e sofre as dores de parto» (Rm 8, 20).

O risco perigoso, pelo contrário, é o de nos tornarmos prisioneiros de uma inquietação e de uma nostalgia que não são saudáveis, mas tristes, paralisantes. Respondendo aos universitários, o Papa reiterou que «o cristianismo não pode ser habitado como uma fortaleza rodeada de muralhas, erguendo os seus baluartes contra o mundo». Já há mais de 70 anos, o teólogo jesuíta von Balthasar publicou um ensaio intitulado Derrubar as muralhas, no qual afirma a necessidade de a Igreja abandonar o seu entrincheiramento e destruir as muralhas defensivas que a mantêm separada do mundo moderno e da sua cultura.

Por conseguinte, o reconhecimento do próprio cor inquietum não é um aproamento cansado e resignado, mas uma passagem necessária para um recomeço cheio de confiança e esperança, pois, como o Papa recordou aos universitários, a semente deve abrir-se para gerar vida e o inverno deve abrir-se para a «maravilha da primavera. Por isso, tende a coragem de substituir os medos pelos sonhos: substituí os medos pelos sonhos, não sejais administradores de medos, mas empreendedores de sonhos!

Andrea Monda