· Cidade do Vaticano ·

Uma rede ecuménica ao lado das comunidades da Amazónia brasileira

Justiça nos trilhos

 Justiça nos trilhos  POR-030
27 julho 2023

No nordeste do Brasil, no Estado do Maranhão, que vai da intrincada floresta amazónica até às praias paradisíacas do Oceano Atlântico, passa um dos comboios mais longos do mundo. Com 330 vagões, mede quatro km e circula de vinte em vinte minutos, transportando ferro extraído da Serra dos Carajás, no Estado do Pará, para o porto de São Luís, de onde é exportado para o estrangeiro. Os trilhos da Estrada de Ferro Carajás (Efc) atravessam vinte e três vilas e centenas de comunidades, causando poluição sonora, poluição do ar, danos à saúde dos moradores, rachaduras nas casas, entupimento e assoreamento de rios, além da morte de pessoas e animais por atropelamento. Quem o narra é Larissa Pereira Santos, jornalista, coordenadora política da Justiça nos trilhos (Jnt), uma organização cuja missão é apoiar as comunidades ao longo do corredor de Carajás, denunciando violações dos direitos humanos e da natureza por parte de empresas inescrupulosas, especialmente de mineração e agronegócio.

A Jnt faz parte de uma grande rede chamada Iglesias y Minería (Igrejas e Minas), um espaço ecuménico composto por comunidades cristãs, congregações religiosas, grupos de reflexão teológica, leigos, bispos e pastores, que procuram responder aos desafios das violações de direitos socioambientais, decorrentes das atividades de mineração, na América do Sul e Central. Atua no Brasil, Argentina, Chile, Peru, Equador, Colômbia, Guatemala e noutros países da América Central. Em contextos sociais tão complexos como estes, é essencial criar redes locais para que a ação de combate à injustiça contra o homem e o meio ambiente tenha mais força e possa chegar também ao estrangeiro. É por isso que Igrejas e Minas tem representantes em várias instituições locais e europeias, para fazer a advocacy dos projetos em que a organização participa. Através da web, intervêm também centenas de pessoas, mediante cursos e debates, online e presenciais, sobre ecoespiritualidade, pastoral para os povos indígenas, teologia e extrativismo, e espiritualidade da resistência.

«Aprendemos — explica Daniela Andrade, responsável da comunicação de Igrejas e Minas — que tudo o que tem a ver com a resistência das comunidades tem a ver também com a espiritualidade, não só cristã». A união em prol do bem comum permite obter melhores resultados na promoção das causas, como testemunha também Pereira Santos, da Jnt: «Estar num coletivo e agir em coletivo é mais difícil, porém mais forte. Esta força concretiza-se na denúncia que se faz a nível internacional, na sensibilização, na criação de leis, na defesa das pessoas e comunidades, na conquista de direitos».

O desejo de ser «um agente de transformação», com muitas outras pessoas, para proteger os povos e o meio ambiente foi justamente o que levou Larissa a trabalhar com Justiça nos Trilhos: «A defesa dos direitos da natureza é também a defesa dos nossos direitos e da nossa vida». Daqui nasce o compromisso de se sediar na cidade de Imperatriz, numa área da Amazónia brasileira, no Estado do Maranhão. «Vivo e aprendo o conceito de comunidade com as populações que sofrem e resistem aos impactos negativos da mineração. São comunidades indígenas, quilombolas, assentamentos rurais e bairros urbanos que se organizam para lutar pela sua autonomia, seus direitos e a defesa da natureza», explica Pereira Santos. Com efeito, a vida destas comunidades está baseada na sua relação com a terra e a água. No entanto, «o seu estilo de vida, as suas terras e os seus rios foram invadidos por infraestruturas de transporte de ferro», com consequências devastadoras. É por isso que a Jnt apoia quantos têm que enfrentar e denunciar os danos causados pela ferrovia.

«Um dos episódios mais marcantes que vivi trabalhando para a Jnt — continua a responsável — foi participar de uma manifestação com os moradores da comunidade de Piquiá de Baixo, em defesa do direito a uma moradia digna. Esta comunidade está localizada no município de Açailândia e luta há mais de dez anos pelo seu reassentamento coletivo, após o desastre ambiental da poluição atmosférica causada pela construção de um polo siderúrgico formado por cinco grandes empresas que transformam minério de ferro bruto em aço para depois o exportar. Os líderes de Piquiá de Baixo que organizaram o protesto ficaram em frente a uma das principais siderúrgicas por mais de trinta horas e só saíram dali quando as autoridades atenderam às suas reivindicações. Havia idosos, mulheres e crianças, e eu mesma participei da luta dessas pessoas e me senti parte delas».

Para que «a natureza seja respeitada como Mãe e para garantir que os seus filhos e filhas possam viver com dignidade», a Igreja pode fazer muito, diz a coordenadora política da Jnt: «Acho que o papel da Igreja é a defesa da vida. Neste contexto de ameaças à vida e àqueles que defendem a vida da natureza, o papel da Igreja pode ser essencial na promoção de medidas de segurança, na garantia dos direitos e da escolha quotidiana daqueles que são mais pobres, mais vulneráveis, mais necessitados». Apesar da luta diária, o compromisso de Justiça nos Trilhos e de Igrejas e Minas, em prol das pessoas que vivem ao longo da Estrada de Ferro Carajás, prossegue todos os dias. «Continuamos o nosso trabalho e a nossa missão porque acreditamos na transformação, mas ela é lenta e difícil», afirma, pois «é difícil porque estamos inscritos num modelo de organização que privilegia a exploração da natureza como mercadoria. É difícil porque os ensinamentos dos povos indígenas são ignorados por muitas pessoas. É difícil porque tudo tem um preço. Mas a esperança através da luta, como nos ensinou Paulo Freire, pedagogo brasileiro, pode mudar as pessoas e as pessoas podem mudar o mundo».

Beatrice Guarrera