Não há ferida que o amor não possa curar. Não há vida, por mais desesperada que seja, que não possa renascer para a esperança. Animado por estas convicções, o padre Renato Chiera, sacerdote piemontês fidei donum, vive no Brasil há 45 anos ao lado de crianças descartadas, meninos de rua, “filhos não amados por ninguém”. Apesar da passagem dos anos, o fundador da Casa do Menor, que teve em D. Luigi Bettazzi um dos seus grandes inspiradores, não abrandou o seu compromisso de amor pelos seus meninos: primeiro no Rio de Janeiro, depois em Fortaleza e em várias outras cidades brasileiras. Com 80 anos, o missionário achou por bem “dar a si mesmo” uma nova missão e agora a sua obra chegou também ao continente africano, à Guiné-Bissau. Nesta entrevista aos meios de comunicação do Vaticano, o padre Renato Chiera compartilha a sua experiência e sublinha que só se voltarmos a colocar o amor no centro das relações poderemos salvar a humanidade, a começar pelos mais pequeninos.
Passaram 37 anos desde a fundação da Casa do Menor, nascida significativamente a 12 de outubro de 1986, no dia de Nossa Senhora Aparecida, padroeira do Brasil. Desde então, percorreu um longo caminho, muitas crianças de rua foram acolhidas e restituídas à vida, mas também histórias de dor e derrotas...
Nascemos para acolher o grito dos não-amados, o clamor daqueles que não são considerados por ninguém, de quem ninguém vê... Digo sempre: somos chamados não a mudar as pessoas, mas a amá-las, porque depois é o amor que as muda. E agora temos 5.000 crianças e jovens connosco todos os dias. Devemos viver o nosso carisma, que é o carisma de ser família, de ser família para dar uma família àqueles que não se sentem amados por ninguém. O clamor da presença do amor deve ser ouvido. É um grito que está em todo o mundo!
Entre os meninos de rua há jovens que depois de crescidos voltaram à Casa do Menor para ajudar quem os acolheu quando eram crianças?
Sim, quase todos os que dirigem a Casa do Menor no Brasil são nossos “ex”! E agora temos um fenómeno interessante: o das vocações. É um fenómeno que me impressiona porque, por exemplo, há anos que estamos nas “cracolândias”: vou lá, sou atraído por Jesus na Cruz, que está na Cruz porque não é amado. Jesus abandonado e crucificado... e estes jovens, estes homens, são isto! Vamos lá para ser a presença do amor. Se dermos amor, se oferecermos Deus-amor, eles ressuscitarão. Um fenómeno que eu não imaginava é que as vocações nascem destes homens de rua! E temos pessoas que são transformadas pelo amor, pelo Evangelho, pelo lar que oferecemos, pela casa e pela família, pois a Casa do Menor significa família para quantos são desprezados. Este amor é como um útero comunitário, é assim que lhe chamo, porque temos esta dimensão de incubadora.
O que significa ser “incubadora” para estas crianças de rua?
Elas foram geradas, mas não terminaram a sua gestação porque não foram amadas... e através de nós encontram esta realidade, encontram Deus não tanto porque falamos de Deus, mas porque o sentem através do nosso amor! É assim que evangelizamos: uma nova evangelização, que não é tanto falar, mas ser presença, estar juntos. Ter a presença d’Ele, de Jesus entre nós, pois onde há duas ou três pessoas que se amam, ali está Jesus. Vemos isto nas nossas casas, oficinas, cursos e espaços comunitários, enquanto eles jogam bola, pois se há esta presença, vejo que elas crescem.
Falamos de crianças, de jovens, com uma vida de sofrimento que provavelmente deste lado do oceano nem sequer podemos imaginar. Crianças que não foram amadas pelos seus pais...
É por isso que digo que devemos experimentar a presença de Deus entre nós, porque o nosso amor não consegue entendê-los, os traumas que eles têm... Recentemente estive em Fortaleza, trouxeram-nos um bebé de dois dias e eu peguei-o no colo. São filhos de mães dependentes de crack, todos eles tremem e não conseguem dormir. Peguei-o no colo e disse: o que vamos fazer? Mas quem é capaz de entender e sentir a dor que eles sentem? Porque eles conservam tudo no inconsciente, as feridas, os traumas... Eu sentia esta impotência e dizia: como vamos fazer? E depois abraçava-os ao meu coração e dizia: é preciso que o amor de Deus esteja entre nós, que Ele toque estes corações e cure estas feridas. É por isso que dizemos sempre que devemos ser família para ter o Ressuscitado entre nós.
Como mantém a alegria de estar perto destas crianças, que suportam tanto sofrimento, violência e raiva?
Consigo conviver com esta dor porque sei que agora tem um nome: é Jesus na Cruz que entra na minha vida para a transformar. Então acredito que esta dor é toda a dor do parto que prepara a vida nova. É a criação que geme as dores do parto, como diz São Paulo. Vou às “cracolândias”, vou onde vendem drogas, vou para os abençoar, faço batizados até debaixo das pontes... E abraçam-me: vou lá para amar Jesus, e digo: «Eis, ali está Jesus», mas há um Jesus crucificado, um Jesus ferido. Este Jesus que está em mim ama e transforma estas pessoas! Aprendi a viver com o “negativo”, porque somos capazes de aceitar muitas coisas quando têm um sentido: convivemos com a dor, com o “negativo” se tiver um sentido e Jesus deu um sentido, porque através da cruz gerou a vida. A motivação está na fé, caso contrário não conseguiria. Agora, sinto-me mais vivo do que quando fui ao Brasil pela primeira vez, porque ao entrar em contacto com estas pessoas sinto que cresço em contacto com Deus e em mim nasce uma energia enorme.
Qual é a importância do perdão, na experiência da Casa do Menor destes jovens feridos até ao fundo?
O perdão é necessário: sem ele não se progride! Estes jovens devem perdoar ao pai e à mãe: é a coisa mais difícil para eles, porque têm raiva, há muita raiva, há ódio... A violência é o grito daqueles que não se sentem filhos, de quem não tem perspetivas de futuro. Por isso, o perdão é uma cura: sem ele não se pode continuar. Digo: tens os canais obstruídos — é o ódio — se não os desobstruíres, o amor não passa, nada passa...
Perdoar, então, mas também deixar-se perdoar...
Sim, devemos perdoar-nos a nós mesmos, perdoar a quem nos fez mal e “perdoar” a Deus. Devemos os ensinar a “perdoar” a Deus, porque eles dizem: «Mas, Senhor, o que fiz para merecer isto?». Mas depois começam a aperceber-se de que tudo isto é um fio de ouro: estas pessoas que estiveram nas trevas sentem mais o que é a luz e têm uma sensibilidade religiosa muito forte em relação a Deus. Precisam de se encontrar com Alguém que as ame, “alguém” com “a” maiúsculo. A relação é necessária para se poder levantar. Para saber que têm Alguém: para sentir a presença de Alguém, que nunca nos abandona. Posso ser esta presença, mas sou limitado: podemos ser essa presença a nível comunitário, mas somos limitados. Quando eles o sentem, conseguem ter esta relação com Deus, Alguém que os ama sempre, que é uma presença estável, então encontram a força para se levantar.
Alessandro Gisotti