· Cidade do Vaticano ·

Perante o repetir-se de graves tragédias no Mediterrâneo, o Papa enviou uma carta ao arcebispo de Agrigento

Não permaneçamos indiferentes face ao grito doloroso e ensurdecedor do migrantes

 Não permaneçamos indiferentes  face ao grito doloroso e ensurdecedor do migrantes  POR-028
13 julho 2023

«A morte de inocentes, sobretudo crianças, em busca de uma existência mais serena, longe das guerras e da violência, é um grito doloroso e ensurdecedor que não pode deixar-nos indiferentes. É a vergonha de uma sociedade que já não sabe chorar e compadecer-se dos outros», foi a denúncia do Papa Francisco numa carta enviada ao arcebispo de Agrigento, por ocasião das celebrações em Lampedusa do décimo aniversário da visita pontifícia à ilha.

Ao Caro Irmão
d. Alessandro Damiano
Arcebispo de Agrigento

Por ocasião da celebração comemorativa do décimo aniversário da visita a Lampedusa, desejo enviar a minha cordial saudação a Vossa Excelência, aos fiéis da Arquidiocese, às Autoridades e aos presentes. Estou próximo de vós com afeto, oração e encorajamento.

Caríssimos, nestes dias em que assistimos ao repetir-se de graves tragédias no Mediterrâneo, somos abalados pelos massacres silenciosos perante os quais continuamos impotentes e atónitos. A morte de pessoas inocentes, sobretudo crianças, em busca de uma existência mais serena, longe das guerras e da violência, é um grito doloroso e ensurdecedor que não nos pode deixar indiferentes. É a vergonha de uma sociedade que já não sabe chorar e sentir compaixão pelo outro.

Passaram dez anos desde a minha viagem à comunidade de Lampedusa para manifestar o meu apoio e a minha proximidade paternal àqueles que, depois de dolorosas vicissitudes, à mercê do mar, desembarcaram no vosso litoral. A ocorrência de desastres tão desumanos deve absolutamente abalar as consciências; Deus ainda nos pergunta: “Adão, onde estás?” “Onde está o teu irmão?”. Queremos perseverar no erro, pretender colocar-nos no lugar do Criador, dominar para proteger os nossos interesses, quebrar a harmonia constitutiva entre Ele e nós? Temos de mudar de atitude; o irmão que bate à porta é digno de amor, de acolhimento e de todos os cuidados. É um irmão que, como eu, foi colocado na terra para usufruir do que nela existe e partilhá-lo em comunhão.

Neste contexto, somos todos chamados a um renovado e profundo sentido de responsabilidade, dando provas de solidariedade e de partilha. Por isso, é necessário que a Igreja, para ser verdadeiramente profética, faça um esforço solícito para se colocar no caminho dos esquecidos, saindo de si mesma, aliviando com o bálsamo da fraternidade e da caridade as feridas sangrentas de quem traz impressas no próprio corpo as mesmas chagas de Cristo. Por isso, exorto-vos a não ficardes presos no medo ou na lógica partidária, mas a serdes cristãos capazes de fecundar com a riqueza espiritual do Evangelho esta Ilha, situada no coração do Mare Nostrum, para que volte a brilhar na sua beleza original.

Ao mesmo tempo que agradeço a cada um de vós, rosto radiante e misericordioso do Pai, pelo vosso empenho na assistência aos migrantes, confio ao Senhor da vida quantos morreram nas travessias e de bom grado concedo a minha Bênção, pedindo-vos que rezeis por mim.

Roma, São João de Latrão
20 de junho
de 2023

Francisco