· Cidade do Vaticano ·

A oferta da vida no adn

 A oferta da vida no  adn  POR-028
13 julho 2023

Moçambique, setembro de 2022. O padre Loris Vignandel, sacerdote friulano, tinha a certeza de que seria assassinado. Durante o ataque armado, na noite de 6 para 7, rezou o terço e lançou uma mensagem nas redes sociais na qual pedia perdão pelas “omissões”. Entretanto, os terroristas incendiaram a igreja e a reitoria em Chipene. Ele e o seu companheiro de missão, padre Lorenzo Barro, salvaram-se. A irmã comboniana Maria De Coppi, missionária no país africano há sessenta anos, não! Foi assassinada com um tiro.

Num momento em que o Papa Francisco constituiu uma comissão para elaborar um catálogo de quantos derramaram o sangue para confessar Cristo no último quarto de século, encontramo-nos com o padre Loris, que há um ano esteve no mesmo lugar onde a religiosa de origem véneta foi vítima. Ela prestava serviço em Nampula e, ao longo de várias décadas, atravessou as fases da colonização, da guerra e do terrorismo. A sua vida foi uma só com as alegrias e as tristezas do povo moçambicano.

Há o martírio sangrento, aquele que a irmã Maria viveu nesta terra, mas há também outro tipo de martírio, o do testemunho quotidiano: escutar as pessoas, estar à disposição das dificuldades das famílias. É a outra face da moeda de que estava impregnada a vida da irmã Maria De Coppi, que, apesar de nos últimos tempos já não poder ler, pois não via bem, não se poupava a fazer-se próxima. Escutava durante horas sem conta, sem esperar nada. Porque o importante é darmo-nos a nós mesmos. Esta é a mais bela herança da religiosa comboniana, na opinião do padre Loris, convicto de que «só no dom se recebe a própria vida».

«A oferta da própria vida é algo de essencial no adn dos homens e das mulheres de todos os tempos», observa o sacerdote. «Cada um de nós realiza-se na medida em que decide entregar a sua existência. Gosto deste sublinhado do Papa — confidencia o padre Vignandel — que está atento à transmissão não só da fé mas também da sabedoria de tantos idosos que podem ajudar as novas gerações no crescimento dos próprios valores e da sua consciência».

O padre Loris conta que, quando esteve em Moçambique, «quanto mais nos aproximamos do litoral, mais encontramos pessoas de fé muçulmana. Temos de interagir com pessoas que têm uma fé diferente, mas no nosso adn , observa o sacerdote, há os mesmos sonhos, as mesmas preocupações, as mesmas esperanças que têm a ver com a vida dos nossos familiares, dos nossos vizinhos, das pessoas que amamos. Deste ponto de vista, pensando na irmã Maria, vejo a disponibilidade de servir o homem e a mulher que se sentam ao nosso lado».

É a dimensão do martírio que se baseia na crença numa fraternidade que ultrapassa qualquer pertença. «É o discurso da semente que morre», explica. Só com esta postura espiritual é possível enfrentar o medo para além do lugar físico onde nos encontramos. Além disso, conclui, «também nestas nossas terras há quem experimente o martírio porque decide viver a sua fé de forma cristã e ensinar aos seus filhos que isso é possível; mártires são também aqueles que procuram chegar ao fim do mês com dignidade, mártires são aqueles que perdem o emprego e conseguem enfrentar a vida com um sorriso».

Antonella Palermo