· Cidade do Vaticano ·

Profecia e oração pela humanidade pelos inimigos

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06 julho 2023

Não nos cansemos de rezar pela paz. Insiste o Papa. Tenaz. Voltou a repetir este convite no domingo, durante a recitação da oração do Angelus. No dia anterior, tinha publicado um tweet na conta @Pontifex no qual se referia à profecia: «Esta é a profecia cristã: responder ao mal com o bem, ao ódio com o amor, à divisão com a reconciliação. A fé transforma a realidade a partir de dentro». E no dia seguinte, sempre durante a recitação do Angelus, comentando o Evangelho de domingo, voltou ao tema da profecia, recordando que «Profeta, irmãos e irmãs, é cada um de nós: de facto, com o Batismo, todos recebemos o dom e a missão da profecia. Profeta é aquele que, em virtude do Batismo, ajuda os outros a ler o presente sob a ação do Espírito Santo. Isto é muito importante: ler o presente não como uma crónica, mas sob a ação do Espírito Santo, que ajuda a compreender os projetos de Deus e a corresponder-lhes. Por outras palavras, o profeta é aquele que indica os outros para Jesus, que o testemunha, que ajuda a viver cccfo hoje e a construir o amanhã segundo os seus desígnios». Continuando sobre o tema da profecia, o Papa sublinhou a importância da oração: «Por exemplo, quando há uma decisão importante a tomar, é bom antes de mais rezar, invocar o Espírito, mas depois escutar e dialogar, confiando que cada pessoa, até a mais pequenina, tem algo de importante a dizer, um dom profético a partilhar» e concluiu exclamando: «Pensemos em quantos conflitos poderiam ser evitados e resolvidos desta forma, escutando os outros com o desejo sincero de se compreender!».

A profecia e a oração como expressões concretas daquela fé que transforma a realidade “a partir de dentro”. O profeta não prevê o futuro, mas lê o presente «não como uma crónica, mas sob a ação do Espírito Santo», e este é um convite também para quem, como este jornal, trabalha no mundo da comunicação: ser capaz de ter aquele olhar que vai para além da superfície do cronos, captando o kairós do Espírito na história. Um olhar profético.

Mas o profeta não se limita a ler a história com os olhos do Espírito, é também aquele que dá testemunho de Jesus, fazendo assim com que os outros o vejam. E é aqui que entra a oração. Uma oração que é também profética, no sentido de que vê aquilo que (ainda) escapa ao olhar da maioria das pessoas. Olhamos para a guerra, não apenas para a guerra na Ucrânia, mas para as muitas guerras esquecidas. No domingo passado, logo após a recitação do Angelus, o Papa renovou o seu apelo incessante: «Não nos cansemos de rezar pela paz, de modo especial pelo povo ucraniano, tão provado. E não descuidemos as outras guerras, infelizmente muitas vezes esquecidas, e os muitos conflitos e confrontos que mancham de sangue muitos lugares da terra; existem hoje tantas guerras... Interessemo-nos pelo que está a acontecer, ajudemos os que sofrem e rezemos, pois a oração é a força suave que protege e sustenta o mundo». Esta é a força do cristão que tem consciência de que o mundo é sustentado pela oração dos homens simples, dos mansos e humildes, porque de outra forma tudo estaria perdido. Os numerosos conflitos que hoje mancham de sangue o mundo, parecem dizer-nos que a história acaba muitas vezes em becos dos quais é impossível sair. Pensemos, então, na Ucrânia: o Papa e, com ele, a diplomacia da Santa Sé, desde o primeiro dia até à recentíssima missão do cardeal Matteo Zuppi, tem desenvolvido uma intensa atividade a fim de procurar criar as condições para o caminho de uma paz possível e justa. Mas o caminho é tão estreito que parece invisível. Pelo menos aos olhos humanos. Rezar profeticamente é procurar ver o mundo com os olhos de Deus, sub specie aeternitatis. E então as coisas mudam. Antes de mais, quem muda é o próprio orante. Kierkegaard afirmava que «rezar não é tanto obter como tornar-se» e os cristãos, hoje divididos numa guerra que os coloca uns contra os outros, são chamados a tornar-se um povo orante, unido na oração. Oração pelas vítimas, certamente, oração pela paz, obviamente, mas com a consciência de que «só a conversão dos corações pode abrir o caminho que conduz à paz», como recordou o Papa no Angelus de 26 de março. É por isso que a oração que os cristãos são convidados a fazer hoje é a mais cristã e a mais escandalosa de todas: a oração pelos inimigos. Esta é a profecia cristã: responder ao mal com o bem. O cristão reza também por aqueles que erram, até por aqueles que pecam (sabendo que isto diz respeito a todos). O amor inclusive pelo inimigo é a marca do cristianismo, que continua, após os dois mil anos em que foi pregado por Jesus, a desnortear, a desorientar e a perturbar as consciências dos seres humanos chamados a tornar-se “mais”. Este “mais” é o perdão, dom multiplicado, o dom dado e repetido até ao fim, sem medida.

Para este “mais” devemos apontar, caso contrário não sairemos do afunilamento da história. Em 2001, após a tragédia do atentado às Torres Gémeas, São João Paulo II publicou a mensagem para o Dia da Paz que tinha este título: «Não há paz sem justiça, não há justiça sem perdão». Ainda aqui estamos, porque a humanidade é teimosa, como disse o Papa no regresso da sua viagem a Malta em abril de 2022, teimosamente apaixonada pela guerra. É por isso que temos de ser teimosos, teimosamente apaixonados pela paz e pela humanidade, confiantes de que, como afirmou o padre Timothy Radcliffe, «o mistério do mal é grande, mas o mistério do bem é maior».

Andrea Monda