· Cidade do Vaticano ·

Em Andhra Pradesh a irmã Amitha luta contra a discriminação dos transexuais

Além de qualquer marginalização

 Além de qualquer marginalização  POR-027
06 julho 2023

Vivem da mendicância e da prostituição, são desprezadas por todos, até pelos pais, porque são “diversas”: assim são as pessoas transexuais no Estado federal indiano de Andra Pradesh. A religiosa salvatoriana Amitha Polimetla acompanha as pessoas desta comunidade brutalmente marginalizada e luta para que elas possam ter uma existência digna.

«No Estado de Andra Pradesh, as pessoas transexuais fazem parte do grupo mais discriminado da sociedade», explica a religiosa de 39 anos, que já há vários anos se ocupa das pessoas desta comunidade. «Penso que não há outro grupo de pessoas marginalizadas pelos pais, ridicularizadas pelos irmãos, maltratadas pelos vizinhos e obrigadas a abandonar a família de origem».

Segundo as estimativas, mais de meio milhão de pessoas transexuais vivem no subcontinente: a sua presença é testemunhada há vários séculos na cultura diversificada da Índia. Chamam-lhes “hijras”. Do ponto de vista biológico, são homens, mas sentem-se e agem como mulheres.

«É na adolescência que frequentemente se reconhecem nos padrões de comportamento femininos; por vezes, são os próprios familiares ou amigos que se apercebem disso», explica a irmã Amitha. Seja como for, este é o momento em que a vida destas pessoas muda. A marginalização é imediata e radical, diz a religiosa. Inclusive o sistema escolar não pronuncia uma palavra a favor dos adolescentes transexuais, que são intimidados por toda a gente. «Perseguidos pelas suas famílias, fogem em busca da própria identidade. Na maior parte das vezes, migram para as cidades, onde, para sobreviver, começam por mendigar e acabam por se prostituir. Porquê? Porque na cultura transexual da sociedade indiana é assim... Estas pessoas não têm outra forma de ganhar a vida».

A irmã Amitha escreveu a sua tese de licenciatura sobre as comunidades transgenders em Andra Pradesh. E pensar que, até há alguns anos, ela nem sequer sabia o que eram as pessoas transexuais. Um dia, quando ia de comboio para Bangalore, reparou nelas: um pequeno grupo de homens vestidos de mulher, com maquilhagem e bijuterias; eram barulhentos, batiam palmas, pediam e eram muito agressivos. «Toda a gente virava a cara para o outro lado, ninguém queria olhar nem falar com eles, quanto mais dar-lhes dinheiro. E essas pessoas começaram então a tocar nalguns homens para os obrigar a dar dinheiro». A aparência e o comportamento provocador destas pessoas incomodavam muito.

Depois, a irmã Amitha pediu a alguns alunos que tentassem perceber o que é que eles realmente eram. São hijras, foi a resposta, pessoas que mendigam e se prostituem para sobreviver. «Fiquei chocada. Comecei a ler sobre o assunto. E um dia — quando estava a sair de casa — uma mulher transexual veio na minha direção. Entrei em pânico e não sabia como reagir; a única coisa que consegui fazer foi sorrir e perguntar: “Como está?”. Naquele momento, a mulher desatou a chorar e começou a contar-me a sua história. Ali, pela primeira vez, compreendi realmente quanto estas pessoas são discriminadas e quanto desejam desesperadamente — em última instância — serem aceites!».

De acordo com o carisma salvatoriano, a irmã Amitha procura encontrar sempre uma forma muito concreta — no seguimento de Cristo — de curar e reerguer as pessoas. «Cristo está sempre ao lado dos marginalizados e abandonados pela sociedade. Está do lado dos pecadores, dos cobradores de impostos, das prostitutas, dos intocáveis, dos pobres». E certamente não se envergonharia de estar com os hijras — disto está firmemente convencida — pois estas pessoas vivem numa periferia existencial extrema.

Na cidade portuária de Visakhapatnam, ela e algumas religiosas abriram um ponto de encontro para os hijras, a “Nee Thodu Society for transgender persons”. Mas a irmã Amitha é também muito ativa: «procuro descobrir onde vivem e vou ter com elas; falo com elas, registo as suas histórias», explica. «Procuro servir de ponte entre elas, o governo e as suas famílias. Damos formação à comunidade transexual, aos seus pais e ao público em geral», explica. Os planos futuros incluem a criação de uma linha de apoio para pessoas transgenders e a abertura de um lugar de acolhimento.

Em 2014, o governo indiano reconheceu as pessoas transgenders como um “terceiro género” e, desde 2020, as autoridades emitem documentos de identidade para permitir que estas pessoas tenham uma vida normal. Mas há ainda um longo caminho a percorrer: «90% das pessoas transexuais não terminaram a escola porque foram vítimas de bullying a ponto de a abandonarem. Isto significa que o seu nível de educação é, de facto, muito baixo», disse a irmã Amitha. Muitas são analfabetas e não conhecem os seus direitos civis. «Ajudamo-las a obter os documentos de identidade, o que é uma questão bastante complicada. E depois acompanhamo-las ao notário, perante o qual têm de declarar a sua identidade transexual».

Condenar as mulheres trans pelo seu comportamento não-conforme — segundo a religiosa salvatoriana — é um ponto de partida errado, porque as pessoas envolvidas não escolheram a sua predisposição e enfrentam fortes estigmas sociais. É claro que a questão do “terceiro género” também levanta questões para a Igreja, reconhece a religiosa. «Mas o facto de as crianças nascerem com esta predisposição é uma realidade. Temos de as aceitar tal como são, ajudá-las e apoiá-las, sem pretender mudá-las».

Ao mesmo tempo, a não participação das pessoas trans na sociedade é, de uma perspetiva cristã, profundamente injusta, diz a irmã Amitha. «As pessoas com este tipo de orientação, com este tipo de desequilíbrio hormonal ou cromossómico, existem. Durante séculos, o seu desenvolvimento foi restringido: quantos anos mais podemos continuar a ignorá-las desta forma? É o momento de aceitar estas pessoas tal como são e de as ajudar com todos os meios para que possam ter uma vida digna nesta nossa sociedade».

#sistersproject

Gudrun Sailer