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«Era um pequeno génio. Mas não vivia fora da realidade, não era um nerd, como diríamos hoje. Era um jovem inquieto, muito atento às necessidades materiais da sociedade na qual vivia», disse Christiane Murray, vice-diretora da Sala de Imprensa da Santa Sé, introduzindo a conferência em que o cardeal José Tolentino de Mendonça, prefeito do Dicastério para a Cultura e a Educação, e François-Xavier Adam, diretor do Institut Français — Centre Saint Louis de Roma, apresentaram a carta apostólica Sublimitas et miseria hominis. Nessa ocasião, foram expostas algumas obras de Pascal, pertencentes à coleção da Biblioteca do Vaticano.
Tanto crentes como não-crentes ficaram fascinados com a sua figura, disse Tolentino de Mendonça: «Charles Péguy escreveu dele le plus grand génie que la terre ait jamais porté»; Friedrich Nietzsche considerava-o o homem mais profundo dos tempos modernos. A influência de Pascal foi indiscutivelmente imensa: de Giacomo Leopardi a Arthur Schopenhauer, de Alessandro Manzoni a Martin Heidegger, foram poucos os pensadores e filósofos, a partir do século xvii , que não se confrontaram com a sua antropologia.
O purpurado sugeriu uma chave de leitura que faz sobressair alguns aspetos menos conhecidos do filósofo, como a caridade para com os pobres e os doentes. «Este seu comportamento, que não publicizou, foi certamente influenciado pela sua experiência da dor e da doença, acrescentou o prefeito, basta pensar na sua oração “para o bom uso da doença”, de 1659, mas foi também a procura, na realidade concreta, de uma maneira de expressar a sua gratidão pela Graça divina que entrara imerecidamente naquela que ele considerava a sua pequenez humana. Isto demonstra que Pascal nunca separou a fé em Deus das obras concretas a favor dos irmãos».
A seu ver a filosofia, até nas suas expressões mais admiráveis, era útil, mas incapaz de dar uma resposta adequada ao drama do homem. O estoicismo tendia para o orgulho, o ceticismo levava ao desespero, o dogmatismo conduzia ao isolamento, e até as expressões mais elevadas da filosofia levavam, na melhor das hipóteses, a um deísmo razoável embora vago. Estava convencido de que nunca se pudesse prescindir do humano e do drama do humano: «Nada é mais importante para o homem do que o seu estado [de finitude]: nada é mais temível para ele do que a eternidade». Com efeito, nada para Pascal era mais perigoso do que um pensamento desencarnado: «Quem pretende ser um anjo, acaba por ser uma besta».
Neste sentido, Pascal foi um verdadeiro realista e um existencialista ante litteram, capaz de se confrontar com as contradições do humano, acrescentou o cardeal. Esta honestidade faz de Pascal, ainda hoje, um modelo de referência para lidar com as complexidades do homem moderno, dividido entre as verdades científicas e teológicas, que encontra na essência da própria natureza, iluminada pela fé, aquela certeza que defendeu ardentemente nos seus Pensées: «Não me procurarias, se não me tivesses já encontrado».
Para celebrar o iv centenário do nascimento do filósofo, cientista e místico (celebrado precisamente a 19 de junho), o Institut Français — Centre Saint Louis de Roma organizou uma mesa redonda intitulada «La grandeur de l’ame humaine», moderada por Loup Besmond de Senneville, vaticanista do semanário francês «La Croix». Entre os oradores, Jean de Saint-Cheron, do Institut Catholique de Paris, colunista de «La Croix», entrevistado recentemente pelo nosso jornal sobre os seus ensaios apologéticos, em particular sobre o seu livro mais conhecido, Les bons chrétiens; Benedetta Papasogli, da Livre Universidade Maria Santissima Assunta (Lumsa); Laurence Plazenet, diretor do Centro internacional Blaise Pascal de Clermond-Ferrand; e Tony Gheereart, professor na Universidade de Rouen. «O tema é a grandeza da alma humana», explicou Adam. «Não é por acaso que o lugar do encontro é o Centro fundado por Jacques Maritain, o homem do humanismo integral. O objetivo de Pascal é restituir o homem ao que ele é quando está sozinho, quando é ele próprio. Ajudá-lo a não desviar o olhar da duração efémera do que ele deseja», dos pensamentos mais urgentes e incómodos, como a perspetiva da eternidade. A resposta à miséria, mas também à sede de grandeza do homem, deve ser encontrada na revelação individual de um Deus pessoal.
Antes da nuit de feu, acrescentou o prefeito do Dicastério para a Cultura e a Educação, Pascal já acreditava em Deus, mas nessa noite reconheceu no pecado o símbolo da falta de desejo de Deus. Dessa experiência nasceram os seus conceitos de orgulho e de humildade e, sobretudo, a categoria da “ordem do coração” que lhe era particularmente querida.
Da noite de 23 de novembro de 1654 temos um testemunho pessoal numa carta chamada mémorial, encontrada depois da sua morte, cosida dentro do seu casaco. Foi uma experiência que transformou a sua vida e que o levou a consagrar-se à oração com renovada confiança, fazendo da sua fé cristã o centro absoluto da sua existência e dedicando todos os seus esforços à reflexão filosófica e teológica sobre o homem e Deus.
No entanto, até para os não-crentes, Blaise Pascal continua a ser um ponto de referência. No mundo científico, é conhecido sobretudo pelas suas contribuições para a matemática: quer no campo da geometria projetiva, o ramo da geometria que permitiu a passagem da geometria analítica de Descartes para a geometria algébrica do século xx ; quer no cálculo probabilístico, que desenvolveu em colaboração com Pierre Fermat, lançando as bases da teoria das probabilidades a partir do cálculo aleatório.
Pascal é conhecido também pelas suas contribuições no campo das ciências aplicadas e teóricas. Construiu a primeira calculadora mecânica — a Pascaline, antepassada das calculadoras modernas — concebeu o primeiro sistema de transportes públicos, inventou a seringa hidráulica, esclareceu o conceito de vácuo e de pressão atmosférica, inspirando-se nas obras de Evangelista Torricelli, e influenciou a afirmação do método científico moderno.
Silvia Guidi