· Cidade do Vaticano ·

Entrevista ao arcebispo Fisichella

Sem retórica, mas com sentido de humanidade

 Sem retórica, mas com sentido de humanidade  POR-024
15 junho 2023

«Um rio de pobreza atravessa as nossas cidades e está a crescer cada vez mais até transbordar»: é a imagem inquietante com que se abre a mensagem para o sétimo Dia mundial dos pobres, apresentada a 13 de junho. O arcebispo Rino Fisichella, pró-prefeito do Dicastério para a Evangelização, ilustra-a aos meios de comunicação do Vaticano, evidenciando que os pobres não são um número, mas um rosto, que deve ser abordado, acolhido, apoiado, não só com ajudas económicas, mas alimentando uma amizade e uma sensibilidade cultural de proximidade em todos os ambientes, a começar pelas agendas dos responsáveis políticos.

Excelência, na mensagem para o sétimo Dia mundial dos pobres, a vicissitude de Tobias, personagem bíblica talvez pouco conhecida, foi escolhida para reafirmar que, diante dos pobres, não se pode usar indiferença, nem retórica, nem delegação da caridade, nem ilusão...

Com efeito, não esqueçamos que o Papa nos transmite esta mensagem enquanto está num leito de hospital e, portanto, partilha o sofrimento com tantos outros pobres. A mensagem que nos transmite é muito atual porque, em primeiro lugar, diz-nos que é o testamento que um pai deixa ao seu filho e, por conseguinte, há esta transmissão de conteúdos importantes que não podemos esquecer. E, entre estes, diz-nos ele, há a atenção aos pobres, que não é uma atenção retórica. É uma atenção que toca cada pessoa, seguindo o exemplo de Jesus que respondia a cada doente que se aproximava dele e, portanto, às multidões, olhando para a profunda necessidade que tinham. Eis que, diante dos pobres, diz-nos o Papa, não há retórica. Os pobres não são um número de estatística, são pessoas que anseiam sobretudo pela nossa proximidade e pelo nosso sentido de humanidade.

Na mensagem, lemos que o momento histórico que estamos a viver põe em silêncio quantos vivem na pobreza. Por que acontece isto?

O Papa diz que se dá demasiado volume a outras questões: finanças, economia, divertimento. E assim, perante estas questões, silencia-se o que pode incomodar, o que abala a consciência, o que obriga também a mudar de vida e a refletir sobre o que é essencial na vida das pessoas. Por um lado, diria eu, o Papa provoca-nos mais uma vez a tocar o sentido profundo da vida. Não é por acaso que o Santo Padre diz com frequência que os pobres nos evangelizam. Esta expressão não significa unicamente que os pobres nos fazem ver e tocar o que é essencial na vida. Não se pode silenciar este facto, porque está em questão a nossa existência pessoal.

A mensagem contém ainda um alerta para um «sério e eficaz compromisso político e legislativo». Em termos concretos, quais poderiam ser as propostas, a este propósito, para que o desejo da «Pacem in terris», do qual estamos a celebrar o 60º aniversário, se torne realidade?

Eu diria que isso deveria ser duplo. Receio que, muitas vezes, as ações governamentais e legislativas se concentrem apenas na ajuda financeira e económica. Este é um primeiro passo, é importante, pois a miséria, a pobreza, é também determinada pela incapacidade de fazer face às despesas, como diz explicitamente a mensagem. Mas isso é apenas uma parte. Há outra que está mais relacionada com uma dimensão cultural, que é a necessidade, também através da lei, de mudar a mentalidade, de mudar aquilo que muitas vezes é a atitude de indiferença ou de desprezo que depois leva à marginalização. Trata-se de um fenómeno cultural. Por conseguinte, antes de nos preocuparmos com uma lei financeira destinada a fornecer uma ajuda material, que depois acabará, e muitas vezes acaba muito rapidamente porque é demasiado contingente, esquecemos que há uma educação, uma formação e que esta deve ser feita em todos os âmbitos: na escola, na família, onde houver um ponto de encontro, onde as pessoas crescem juntas. A nível legislativo, penso que podemos e devemos intervir também nesta formação que devolve a dignidade a cada pessoa.

Portanto, não se deve ter medo dos pobres...

Não, dos pobres não devemos ter medo! Dos pobres devemos ter necessidade. Temos de redescobrir os pobres como uma exigência que nos pertence, porque eles fazem-nos descobrir a humanidade profunda que tantas vezes é esquecida ou posta num canto e que já não nos permite viver a vida de uma forma profunda, essencial e até, diria, cheia de alegria e de responsabilidade.

A mensagem aborda explicitamente o tema do trabalho com todos os problemas não resolvidos que afetam o aumento da pobreza, também a criação de novos pobres. Na sua opinião, este tema está suficientemente incluído como prioridade nas agendas dos líderes políticos atuais?

Receio que não. Congratulo-me pelo facto de o Papa ter querido insistir precisamente nesta categoria, porque ainda há demasiadas perplexidades e timidez no mundo do trabalho. Basta pensar nas mortes no local de trabalho que atingem o mundo inteiro e tocam de perto precisamente porque faltam regras, ou não são observadas, e obviamente as vítimas são também as mais inocentes. Com esta chamada de atenção, o Papa mais não faz do que provocar-nos mais uma vez a olhar para aquelas categorias mais débeis sem as quais não teríamos a exigência de exprimir melhor a vida e a sociedade em que vivemos. Os trabalhadores, o mundo do trabalho, não são um apêndice, são a força motriz de um país, e isso deve ser considerado porque nos leva a reconsiderar uma responsabilidade social que me parece cada vez mais inexistente devido à imposição dos direitos individuais que conduzem depois à indiferença face a uma responsabilidade social.

Antonella Palermo