· Cidade do Vaticano ·

Conferência de imprensa para a apresentação

Subtrair o mundo digital
à lógica fria do mercado

 Subtrair o mundo digital à lógica fria do mercado  POR-022
01 junho 2023

«O foco é o homem, não a máquina. A rede no seu sentido mais verdadeiro e profundo, não a conexão. O coração, não o algoritmo»: assim o prefeito Paolo Ruffini apresentou a 29 de maio na Sala de Imprensa da Santa Sé o primeiro documento do Dicastério para a comunicação (Dpc) «Towards Full Presence. A Pastoral Reflection on Engagement with Social Media», original está em inglês, cuja tradução é, «Rumo à presença plena. Reflexão pastoral sobre a participação nas redes sociais»

Salientando a sua dimensão teológica, o prefeito destacou que se destina «a responder tanto àqueles que estão preocupados com a deriva da era digital como a quantos pensam que o digital é a solução mágica e tecnológica para todos os problemas. Entrámos na era social como exploradores, pensando nela como uma terra prometida; e corremos o risco de sair como objetos, mercadorias a pesar e a vender ao quilo. Estávamos à procura de uma ordem baseada na partilha da verdade e deparamo-nos com uma ordem baseada na desinformação». Mas, relançou, «o mundo digital, e também o social, não é imóvel. Cabe a todos nós transformá-lo, tirá-lo da lógica fria do mercado, do lucro e do marketing; libertá-lo dos dogmas unilaterais das empresas que o gerem, entregá-lo ao critério do bem comum, da partilha gratuita. Cabe-nos renegociar as regras» e «os algoritmos, reapropriarmo-nos das relações».

“Sugeriu-lhe” esta chave de interpretação uma passagem da carta pastoral Effatà para o ano 1990-1991, na qual o cardeal Carlo Maria Martini escrevia que «comunicar é difícil, requer um diálogo de ida e volta, interlocutores pacientes, benevolentes e ativos; para tornar a comunicação ativa, recíproca, não simplesmente passiva ou resignada». Pois, esclareceu Ruffini, unicamente «se conseguirmos ativar este processo surgirá aquilo que Martini definiu um verdadeiro “exercício de comunicação”. Uma comunicação capaz de produzir mudanças».

No início da sua intervenção, o prefeito perguntou-se a quem se dirigia o documento, como surgiu e quem o escreveu. A todos, foi a primeira resposta, «não apenas aos crentes» nem sequer só «aos profissionais» do setor. É «uma resposta às muitas perguntas que foram dirigidas a este Dicastério; tanto nas visitas “ad limina”, por muitos bispos, como por outros interlocutores». Por fim, revelou que «é o fruto de um caminho percorrido em conjunto: com jovens comunicadores, com peritos, com os nossos membros e consultores, antes, durante e depois da última plenária» realizada no outono passado.

Por fim, anunciou que no endereço https://www.fullypresent.website/ é possível encontrar «algumas primeiras indicações do que se pode fazer a fim de contribuir para uma reflexão comum, como a possibilidade de indicar, num mapa-múndi preparado, documentos das Igrejas locais, textos académicos, iniciativas». Porque se trata de «partilhar boas práticas e amadurecer juntos no discernimento». O hashtag da campanha social é #FullyPresent.

Depois, ilustrando o logótipo do site, que representa dois peixinhos estilizados — a realização foi confiada ao grupo de 16 jovens comunicadores do programa “Faith Communication in the Digital World”, projeto-piloto de formação que o Dpc desenvolve há três anos — o prefeito disse que «o peixe é um símbolo cristão, o olhar exprime a dinâmica do encontro» e nele «os nossos jovens sintetizaram a experiência do seu percurso e da sua pesquisa. Convidando-nos a trabalhar no mundo digital para uma comunicação feita para unir e não para dividir, para construir relações e não oposições».

Em seguida, monsenhor Lucio Adrián Ruiz, secretário do Dicastério, retomando o magistério dos últimos Pontífices sobre o tema: De Paulo vi , que estabeleceu «uma relação íntima entre evangelização e cultura» — embora, observou, «este princípio não seja uma novidade se olharmos para a história e a vida dos missionários» que «mesmo antes de partir em missão, aprendiam a língua, os costumes e até as crenças dos povos para melhor comunicar o Evangelho» — a João Paulo ii , o qual disse que «não basta usá-los (as redes) para difundir a mensagem... mas é necessário integrar a mensagem nesta “nova cultura”»; de Bento xvi , que «compara a nossa realidade com a do início apostólico», a Francisco, que aprofundou: «Já não se trata apenas de “utilizar” os instrumentos de comunicação, mas de viver numa cultura largamente digitalizada, que tem impactos profundos na noção de tempo e de espaço, na perceção de si, dos outros e do mundo, no modo de comunicar, de aprender, de se informar, de entrar em relação com os outros».

As vozes femininas foram as de duas religiosas: Nathalie Becquart, do Instituto “La Xavière, Missionnaires du Christ Jésus” ( x.m.c.j . ), subsecretária da Secretaria Geral do Sínodo, e Veronica Donatello, das Irmãs Franciscanas Alcantarinas ( s.f.a. ), responsável na Conferência Episcopal Italiana (Cei) pelo Serviço nacional para a pastoral das pessoas com deficiência. Membro, a primeira, e consultora, a segunda, do Dicastério para a comunicação, ambas desenvolveram nas suas intervenções os temas do documento nas respetivas áreas de competência. A irmã Nathalie Becquart recordou que o documento nasceu no Sínodo «depois de um processo de consulta e reflexão». Em particular — explicou — jovens, durante o pré-sínodo a eles dedicado (2018), tinham pedido para «formalizar num “documento eclesial oficial” reflexões que os ajudassem a “discernir um uso correto da Internet” para a ver como “um espaço fecundo de evangelização” (§ 4). Depois, mais recentemente, também nas assembleias continentais do Sínodo 2021-2024 (https://www.synod.va/en/synodal-process/the-continental-stage/final_document.html), do Médio Oriente à Ásia, passando pela América Latina, “levantaram-se vozes que exortam a Igreja a ter mais em conta a cultura digital e o impacto das redes sociais no anúncio do Evangelho», sobretudo «nesta era pós-pandemia». Segundo a subsecretária da secretaria geral, o documento «une as três palavras-chave do Sínodo, convidando todos os cristãos a serem “tecelões de comunhão”, a avançarem juntos através de uma presença que inclui a escuta, o diálogo e o sentido de comunidade, para atuarem como “missionários do encontro”». E, concluiu, «nesta dinâmica sinodal», o documento «convida-nos a trabalhar e a discernir juntos, na diversidade das comunidades cristãs, como caminhar juntos “onlife”».

Por sua vez, a irmã Veronica Donatello — promotora da App do Dicastério “Vatican For All”, destinada a dar acesso a conteúdos informativos sobre as atividades do Papa e da Santa Sé a pessoas com deficiências comunicativas — falou da escuta como espaço de encontro e de pertença. Para as pessoas com deficiência ( p c d ), «as redes sociais são uma janela para o mundo, uma oportunidade para fazer parte dele», disse, dando alguns exemplos concretos. O Papa sublinhou que «os “gosto” não são suficientes», salientando a importância da educação e das relações, no centenário do padre Lorenzo Milani, com o seu convite a colocar-se na pele das pessoas que se encontram».

Porque, como escreveu o Papa Francisco em 2014 — na sua primeira mensagem para o Dia mundial das comunicações sociais — «a rede digital pode ser um lugar rico de humanidade, não uma rede de fios, mas de pessoas humanas. A neutralidade das redes é apenas aparente: só quem comunica pondo-se em jogo pode representar um ponto de referência. O envolvimento pessoal é a própria raiz da fiabilidade de um comunicador».